Discurso final

Discurso final

do Presidente da República

 

Não me encontro agora na qualidade com que abri este colóquio, mas como um interveniente que aqui esteve todo o dia e, portanto, senti-me estimulado para fazer, também, uma pequena intervenção.

Quero, antes de mais, agradecer a todos, especialmente aos que prepararam intervenções, quer nacionais quer estrangeiros, por terem acedido ao meu convite para participar neste debate.

Quero sublinhar a ligação muito profunda entre nacionais e estrangeiros nesta interrogação tão séria, que nos preocupa a todos.

Eu de facto vim para aqui sem ideias pré-concebidas, salvo uma: a que o problema é nosso, efectivamente ele é internacional, ele é nacional, é nosso, é de cada um de nós.

O Presidente da República não tem competência para definir políticas concretas, mas tem, sem dúvida, a responsabilidade de abrir caminhos e, também, a responsabilidade de contribuir para o combate contra a exclusão e o sofrimento. Essa responsabilidade sinto-a como minha e não deixarei em cada momento de a exercer.

Em todo o caso o problema é nosso.

A primeira nota que vos quero transmitir é a constatação das novas solidariedades que se desenvolvem entre os que trabalham nesta área todos os dias, e que têm muitas vezes as maiores e as mais diversas interpretações e posições sobre, não só o seu próprio trabalho, mas sobre a direcção do seu trabalho futuro. Existe esse fermento muitíssimo importante na Magistratura, no Ministério Público, nas polícias, nos sociólogos, nos membros das confissões religiosas, nos institutosde investigação, nas associações de intervenção social. Há aqui uma base de entendimento, que é fecunda para um trabalho eficaz. Depois, constata-se como essencial a necessidade de se exercer uma solidariedade activa para com os que sofrem o que é absolutamente central nos tempos de hoje.

Aliás, a vossa colaboração nesta iniciativa resultou num trabalho que também é vosso, sem eu fugir à responsabilidade que tive em desencadeá-la.

Esta é também uma iniciativa contra os silêncios entre nós. Nós temos demasiados silêncios quando, por exemplo, passamos, em Lisboa, na Avenida de Ceuta, e arriscamos um discreto olhar para o cenário que não podemos evitar. Eu sou contra isso, sou contra os silêncios. Temos que falar uns com os outros, devemos ter a possibilidade de nos interrogarmos sobre todo este problema constantemente.

Depois, todos nós aqui tivemos hoje uma qualidade muito salutar, e espero tê-la tido também, pela parte que me toca, que é a modéstia. Uma modéstia que significa que não há soluções pré-concebidas: não pode haver aqui uma militância arrojada como as grandes verdades dogmáticas de há umas décadas atrás, nos vários campos de investigação e de ciência que aqui foram abordados. Tudo precisa de uma aferição constante dos resultados, precisa de uma investigação de base, uma investigação aperfeiçoada. Precisa de coordenação e precisa do concurso de todas as abordagens.

Este é um problema de grande complexidade porque tem a ver directamente com as pessoas e cada caso é de facto um caso e cada pessoa que trabalha neste campo é também uma pessoa que trás consigo a sua própria maneira de ver o problema, as suas próprias técnicas e, naturalmente, as suas próprias abordagens e todas são necessárias. Mas, parece-me a mim, todavia, patente que há necessidade de abordagens novas nos vários domínios, que não dispensam, todavia, as abordagens anteriores e de algum modo se interligam.

Precisamos, ainda, de um enorme esforço cultural neste domínio e temos que ser todos a fazê-lo. Esforço cultural porque não pode haver de facto, uma minoria que discute e que se preocupa e uma maioria que assiste, ou uma minoria que está excluída e que o melhor é quecontinue excluída. Esta divisão tão grave e tão dramática, não é mais possível porque todos os dias temos de lidar com este problema: os magistrados que têm que sentenciar as pessoas que estão à sua frente; os investigadores científicos que procuram alguma racionalidade, os que trabalham directamente com as comunidades, os reformadores sociais, os que trabalham no urbanismo.

Há sem dúvida, um apelo manifesto à complementarização e à interdisciplinariedade. Os vários saberes são complementares e o que há mais impressionante, permitam-me que o diga, e que os saúde nos nossos colegas, convidados estrangeiros que aqui estiveram hoje, o que mais me impressionou foi a modéstia com que se explicam as suas experiências de mais de duas décadas. E ao mesmo tempo, a luta científica constante para aferir os resultados, os erros, as insuficiências e o lançamento de novos caminhos. Não penso que haja outra forma de abordar este tema e agradeço às pessoas de cidades tão conhecidas como Liverpool, Amesterdão ou Genebra porque são conhecidos os esforços que desenvolvem há muitos anos neste processo. É muito salutar constatar que não têm sobre isso o conforto dos silêncios, que se criticam, que se interrogam mas que o fazem com um espírito profundamente aberto.

Depois é preciso, evidentemente, a compreensão pelos comportamentos. A compreensão pelos que são toxicodependentes: são pessoas que não podem ser esquecidas e que precisam de um aceno de esperança e, pelo menos, da compreensão militante que transforma a simples quietude em programa de acção.

Depois também temos que ter compreensão pelos que têm receio e que se querem organizar. É necessário um enorme esforço cultural e pedagógico explicativo, todos os dias, para restabelecer os mecanismos de confiança nas instituições, naquilo que elas fazem e representam.

Finalmente, a sensação que eu tenho é que o problema da Droga é uma enorme batalha de civilização, que não cessará tão cedo e, portanto, preparemo-nos todos os dias para ela com a tal modéstia, sentido de abertura e com a capacidade de inovar todos os dias sem perder de vista o que fizemos ontem.

Muito obrigado.