Retrospectiva dos diferentes modelos

Retrospectiva dos diferentes modelos

de intervenção na toxicodependência:

possíveis estratégias

Eduíno Lopes

Médico psiquiatra

Chefe de Serviço no Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, no Porto

 

«The drug however serves not as a substitute for love or loving objects for a relationship with them, but as a replacement for a defect in the psychological structure.»

Kohut

É consensual que o fenómeno da toxicodependência é pluridimensional. Tem aspectos judiciais centrados na procura e na oferta, clínicos orientados para o cuidar e o tratar, sociais dirigidos para o assistir e o reintegrar, sendo o objecto comum salvaguardar a saúde física e psíquica.

Embora exista unanimidade quanto à gravidade do problema, as divergências quanto à sua solução multiplicam-se, principiando na escolha de abordagens e estratégias, passando pelos diferentes modelos preventivos, psicoterapêuticos, e farmacológicos até às atitudes face ao consumo e particularmente com o extremar de posições quando se focaliza o tráfico. Direi, que se alargue e ilumine o debate.

Faço votos para que a receptividade que o fenómeno da toxicodependência está a merecer e que está a ser acompanhada de uma postura empática para com o drogadicto não desencadeie reactivamente um «empatismo» prepotente e dogmático. Espero que os toxicodependentes tenham o direito de escolher o seu modelo de tratamento e a despenalização seja abordada sem reservas.

À toxicodependência não se associa qualquer patologia específica. Transparece sim, uma prevalência de determinados equivalentes psiquiátricos quer do tipo depressivo, psicótico, transtornos da personalidade e obsessivos certamente os mais frequentes.

Estes mesmos componentes são mais evidentes no grupo rotulado o «hard core» e estão particularmente ligados à área da maturação da matriz arcaica do self. Mesmo assim esta aparente dificuldade não se diferencia de outras perturbações psicológicas, excepto em grau, devido ao efeito potencializador adictivo sobre o biofísico secundário ao consumo da droga, especificamente a heroína.

Consequentemente, à semelhança da criança, o drogado passa a privilegiar o sensorial em desfavor do emocional e simultâneamente a utilizar o pensamento analógico, assimbólico e logo bloqueador da comunicação lógica.

Os factores fisiológicos permeabilizados pela acção química da droga afectam o funcionamento mental particularmente os mecanismos pregenitais em si básicos para o jogo associativo e inter-relacional, vinculativos dos condicionamentos sócio-afectivos e que no caso dos toxicodependentes apresentam aspectos singulares.

Ao revelarem uma grande incapacidade em dissociar o prazer, da carência (desprazer) são condicionados a sentir e pensar simultaneamente essas substâncias, ao alucinar a droga, reafirmam o trágico da sua existência.

Ao manifestarem uma profunda incapacidade em reconhecer que os seus comportamentos magoam e ferem as pessoas queridas, não se assumem como os causadores e não se arrependem.

Finalmente, perpetuam a sua vitimização através dos seus agires associais pulsionalmente repetitivos, exemplificados nas overdoses, nos comportamentos criminosos, nos gestos suicidários simbólicos, revividos na similitude das recidivas que são reactivamente percepcionadas como ofensivas da sociedade e dos seus códigos culpabilizadores. Contudo, o adicto no acto de procurar a droga, ritualiza, não premedita daí a ausência de culpa, as tentativas falhadas de insuflar quimicamente o seu self virtual (1971 Kohut) representativo de uma imagem de si próprio profundamente desvalorizada.

Epitomar estas associações tem unicamente um sentido de perspectivar a inabilidade do toxicodependente em renunciar ao consumo e de dimensionar a inacessibilidade da grande maioria à relação terapêutica (cura) daí a necessidade de uma droga/fármaco substitutivo, como auxiliar na reabilitação dos adictos do tipo opióide.

Não se pretende justificar a utilização de um modelo de tratamento, (1964 Dole e Nyswander), mas confirmar as suas funções abran-gentes e aglutinantes, bem como a sua eficácia e rentabilidade.

Foi só após os resultados obtidos em termos do seu potencial ressociabilizante observados nos dependentes crónicos de heroína em Nova Iorque, 1964, que o Governo Federal deu origem ao Rehabilitation Act 1966, que para além de definitivamente considerar os consumidores de drogas como doentes, criou Instituições próprias para o seu tratamento.

Foi possível pela primeira vez determinar a prevalência do consumo de narcóticos sem recorrer à formula de Baden, quando anteriormente a estimativa do seu número só era calculada contabilizando o número de óbitos multiplicado por 50. Igualmente foi possível cuidar dos toxicodependentes administrando um narcótico, sem sofrer a penalização resultante do Harrison Act 1914, cuja implementação com o seu carácter repressivo veio facilitar a proliferação do mercado negro, com a correspondente contaminação e a adulteração do produto, sem reduzir a sua procura. Outra consequência deste decreto, foi a taxa de mortalidade (idade média 39 anos desta população) passar a ser o indicador determinante do número de consumidores numa área metropolitana, já que os dados criminais eram considerados pouco significativos.

A eficácia dos programas de manutenção pelo cloridrato de metadona assente no efeito agonista deste narcótico, contribuiu decisivamente para a melhoria da qualidade de vida, da produtividade social, da saúde física e mental deste grupo, drasticamente a criminalidade associada ao consumo ilegal e prolongou o seu tempo de vida pela eliminação de doenças típicas.

A minimização dos riscos confirmada nas frequentes publicações de estudos epidemiológicos não foi valorizada na maioria dos paíseseuropeus que começavam a preocupar-se com o crescimento do consumo de drogas. Para além da atitude céptica de alguns destes países, outros adoptaram uma posição para com o tratamento de substituição, não só negativa e acrítica, mas de completa rejeição.

Para este comportamento, certamente contribuiu a ausência de qualquer metodologia e controlo das primeiras experiências com a prescrição da metadona, por exemplo: na década de 60, na Bélgica, clínicos gerais foram condenados como responsáveis por mortes por overdoses; em 1984, em Espanha, a autorização da administração da metadona foi suspensa por ter caído no mercado negro após levantada nas farmácias pelos toxicodependentes; na França, o relatório Trautman de 1989, ao não mencionar o tratamento de substituição, teve consequências adversas que foram do domínio público e divulgadas através dos meios de comunicação social da época, vindo posteriormente aquela modalidade a ser proposta.

Apesar das resistências e ignorância, o sucesso com a administração da metadona levou progressivamente à sua aceitação, sendo o quadro 1 elucidativo do reconhecimento da sua importância.

Recentemente em França, D. Terozeau e A. Coppel reafirmaram a dificuldade na avaliação da problemática da toxicodependência por falta de dados, o que não surpreende, dado que o Centro Pierre Nicole só oficializou o primeiro programa de metadona em 1994. No mesmo quadro as datas do início dos respectivos programas são da nossa responsabilidade.

É por demais reconhecida que a administração pela via oral deste narcótico, contrariamente à via endovenosa, a qual tem efeito euforizante e não bloqueador, foi uma descoberta do acaso, como também há largos anos se sabe, que os opiáceos actuam como neuroreguladores endórfinicos num circuito fechado a nível dos receptores Mu.

Igualmente, a partir da década de 80 tem sido incrementada a investigação para a descoberta de um possível agonista da cocaína.

A manufacturação de um princípio activo que mimetizasse a cocaína suprindo o efeito estimulante, tem-se apresentado difícil por interferir com mecanismos complexos.

Quadro 1 População calculada em tratamento pela metadona na Europa/1996

Data de início do Programa Consumidores de Heroína Metadona

Áustria (89) 020 000 002 500 12%

Bélgica (85) 025 000 004 000 16%

Dinamarca (87) 010 000 005 000 50%

Finlândia 000 500 000 030 06%

França (94) 150 000 0 *04 000 * 04%

Alemanha (91) 140 000 022 000 16%

Grécia (94) 030 000 000 300 01%

Irlanda (81) 008 000 001 200 15%

Itália (84) 200 000 017 000 08%

Luxemburgo (82) 002 400 000 050 02%

Noruega 005 000 000 150 03%

Portugal (78) 030 000 0001 000 03%

(Estimativa)

Eslovénia 005 000 000 600 12%

Espanha (89) 150 000 023 000 15%

Suécia 010 000 001 000 10%

Suíça (84) 030 000 014 000 47%

Holanda (77) 020 000 014 000 70%

Reino Unido (75) 150 000 025 000 17%

985 900 131 130 13%

* Em França é dada BUPRENORFINA a 23 000 consumidores de heroína.

Fonte: Marc Reisinger/Bélgica

Esta apresentação foca em especial a história da implementação do programa de metadona e da longa experiência com esta modalidade de tratamento no Centro de Estudos da Profilaxia da Droga — CentroRegional do Norte (CEPD/CRN), mais uma vez apresentando resultados, cujas interpretações e conclusões não podem ser acolhidas com indiferença. A razão deste arbítrio resulta da actual política nacional, que continua a preterir esta abordagem recusando a sua universalização, não por falta de recursos económicos e de um quadro técnico suficiente. Constitui excepção as respostas limitadas no Norte e posteriormente no Algarve.

Para o grande desafio que se perpetua existe neste país uma longa experiência que não pode ser esquecida ou negada, já que ao longo do tempo foram criadas Instituições vocacionadas para a problemática da droga no seu binómio substância/indivíduo.

Se a experiência americana alguma influência teve em Portugal, certamente foi por reconhecimento antecipado de que com a oficialização de programas de metadona a afluência diária de multidões, com os seus comportamentos provocadores, determinaria a criação de serviços especializados e autónomos, facto este que progressivamente veio a ser reconhecido na Europa. Tão importante como a abertura de programas de metadona foi a criação dos respectivos Centros do qual Portugal foi pioneiro.

Na sequência das notícias alarmantes dos jornais da época, e que a serem correctas seriam dramáticas, particularmente os números indicados para os consumidores de haxixe, foi publicado no D. R. de 13/12 de 1975 o Decreto-Lei n.Ί 745 que cria na Presidência do Conselho de Ministros, o Centro de Estudos da Juventude, o Centro de Investigação Judiciária da Droga e o Coordenador dos respectivos Centros.

Através dos Decretos-Lei n.os 790, 791 e 792 de 5/11 de 1976, planeados no Gabinete do Ministro da Tutela, Excelentíssimo Dr. António Almeida Santos, foram criados o Gabinete de Coordenação do Combate à Droga (GCCD), o Centro de Investigação do Combate à Droga (CICD) e o CEPD usufruindo os três Centros Regionais de autonomia técnica e exercendo acção nas áreas preventiva, profilática/curativa e reintegrativa.

A experiência recolhida ao longo destes anos foi decisiva para a restruturação das Instituições acima mencionadas. Assim, o Decreto-Lei n.Ί 365/82 redimensionou o CEPD, deu autonomia administrativa aosCentros Regionais, integrou o CICD na Polícia Judiciária e reformulou o Gabinete de Planeamento de Coordenação do Combate à Droga (GPCCD).

Mais uma vez sob os auspícios do Ministro da Presidência Dr. Almeida Santos, a vertente do combate à droga, o tráfico e o controlo dos princípios activos susceptíveis de produzir dependência, foram legislados através do Decreto-Lei n.Ί 430/83: classifica e distribui em tabelas anexas as substâncias psicotrópicas e as drogas narcóticas de acordo com a potencialidade, letalidade, intensidade dos sintomas de abuso, risco de abstinência, grau de tolerância e adictividade; define penalizações e infracções, tipos de tratamento, confidencialidade, posse e singulariza o consumidor, o consumidor/traficante e o traficante.

O Decreto Regulamentar n.Ί 71/84 veio regularizar o circuito dos princípios activos medicamentosos susceptíveis de produzir dependência, desde a manufacturação, produção, cultivo, importação, distribuição, exportação, definindo investigação, controlo, distribuição e registo das prescrições.

A autonomia dos três Centros Regionais permitiu que desenvolvessem os seus próprios modelos clínicos, já que as respectivas Divisões Psico-Sociais, funcionaram sempre em esquemas comuns, desenvolvendo estratégias comunitárias idênticas ou muito semelhantes, quer de informação, de sensibilização ou de formação e criou a figura do «mediador» no meio escolar igualmente singular na Europa.

Para além do intensivo apoio psicoterapêutico, que na fase inicial coincidiu com a própria formação dos técnicos, foi o mútuo reconhecimento de que as abordagens e as estratégias de tratamento mais eficazes passavam ou pelas Comunidades Terapêuticas privilegiadas pelos Centros Regionais Centro e Sul ou pelo tratamento por narcótico substituto no Centro Regional Norte, na certeza de que se iria repetir a experiência americana como anteriormente já foi focada.

Outras possíveis abordagens, passavam ou por tentativas de abstinência forçadas ou pela administração de um antipsicótico em regime de internamento, com a particularidade de além de imobilizar quimicamente o drogado, sujeitava os que não sofriam de disfunção psicótica a uma profunda angústia por interferir nas funções cognitivas.

De facto, só aquelas duas modalidades de tratamento conseguem «fixar» os doentes consumidores de droga do tipo opióide, que já em 1983 representavam 85% dos indivíduos (GCCD) que procuravam os três Centros, uma por confinamento físico e o outro pelas propriedades farmacodinâmicas do produto administrado.

As duas opções partiam não de concepções diferentes face ao funcionamento mental do drogadicto. A divergência, fluía sim na atitude de dialogar a relação com estes doentes fragilizados pela mobilização maciça da clivagem, da denegação e muito particularmente pelo acting out, já anteriormente exemplificados, contribuindo para a enorme resistência desta população em deprimir, fundamental para a cura. A reafirmação desta factualidade tem a correspondente actualidade na percentagem aproximada de 50% destes doentes que continuam a denegar a sua nova realidade quando informados serem seropositivos para o HIV. O terapeuta no seu trabalho não pode impor a sua presença ou manipular o mundo inter-relacional dos objectos internos do outro.

A Comunidade Terapêutica deve funcionar como um espaço facilitador da introspecção que se autolimita não só em face da motivação, como ao número de toxicodependentes admitidos, em oposição ao constante aumento de novos consumidores, para além da reconhecida e já mencionada inabilidade profunda, quase total, em o drogadicto renunciar ao consumo. Kohut definiu-o como o «homem trágico» da nossa época, vítima da simultaneidade abstinência/desejo. A metadona tem o mesmo objectivo sendo a sua função a de interferir no desejo levando o doente a esquecer a heroína deixando de se sentir drogado, agonisticamente bloqueando o prazer ao mesmo tempo que suprime a abstinência. O doente deixa de sofrer e vem para a relação terapêutica sem o medo alucinatório da droga.

O modelo clínico estabelecido no Centro Regional do Norte não difere substancialmente dos subsidiados pelo National Institute of Drug Addiction (NIDA). Havia um Serviço de Acolhimento e Consulta a Jovens e Famílias (SACJF) onde, para além da triagem, funcionava uma consulta e eram seguidos os consumidores ocasionais sendo dada particular atenção à problemática da adolescência. Este serviço assemelhava-se às Free Drug Clinic. Havia igualmente em local distinto o Serviço de Tratamento a Dependentes (STD) de adictos para drogas do tipo opióide.

Em 1983 um estudo efectuado pelo Treatment Outcome Prospective Study (TOPS), referia que a frequência aos programas subsidiados pelo NIDA estava distribuída em 58% pelas Free Drug Clinic, 41% pelos Serviços de tratamento pelo narcótico substituto, os únicos subsidiados a 100% e 1% pelas Comunidades Terapêuticas.

O reconhecimento do elevado número de insucessos foi assumido de imediato tanto nas Comunidades Terapêuticas da Região Sul e Centro, como na Unidade de Internamento do CRN, aberta entre 28-08-78 e 01-06-79, no qual se efectuaram as primeiras desintoxicações com o cloridrato de metadona e que teve como principal objectivo, para além de preparar os técnicos através do contacto contínuo e directo de 24 horas com os doentes internados, o de facilitar a implementação da administração de metadona em regime ambulatório.

Quadro 2 Unidade de internamento CRN/CEPD (28-08-78/01-06-79)

Número Morfina/Heroína Polidrogas e drogas

medicamentosas

30 24 6

M= 20 M= 4

F=4 F= 2

 

Não houve critérios condicionando a admissão ao internamento, quadro 2, não foi considerada ou avaliada a motivação nem respeitada qualquer selecção. Os consumidores de droga do tipo opióide deram o seu consentimento para que a metadona fosse o medicamento administrado durante a desintoxicação. Do primeiro grupo 70% (16) que havia abandonado ou tido alta, foram posteriormente admitidos durante o primeiro ano no programa ambulatório por narcótico substituto, (4) 82% foram admitidos posteriormente, bem como 1 dos consumidores de produtos anfetamínicos. Percentagens de insucesso equivalentes tinham forçado o Governo Federal Americano em 1972 a definir prioridades ao suspender os subsídios aos Serviços de desintoxicação em regime de internamento com ocupação baixa de 70% e com valores acima de 80% a serem readmitidos nas Out Patient Clinics de metadona.

A análise dos dados estatísticos das Comunidades Terapêuticas apresenta resultados de insucessos, quer parciais ou totais, que se consideram próximos aos indicados para os programas de metadona. Esta constatação só pode ser compreendida na interpretação dos pressupostos que têm vindo a ser enunciados.

Quadro 3 Comunidade terapêutica no CRC/CEPD

Mapa de estadia dos residentes da CT entre 21/06/78 e 15/04/90

Número 128 utentes (houve 38 reentradas)

Total 166 — destes, 11 estão internados neste momento

Sexo Masc. 95 utentes 74%

Fem. 33 utentes 26%

Tipo de saída (155) Alta 41 26%

Abandono 48 31%

Expulsão 34 22%

Fuga 32 21%

Prov. por Zona Norte — 11%

Geográfica Centro — 47,5%

(128) Sul — 41,5%

Média de estadia dos utentes que saíram com alta ± 306 dias

 

O quadro 3 (GPCCD) sintetiza a actividade da Comunidade Terapêutica do Centro Regional Centro durante dez anos.

O CEPD/Centro foi pioneiro desta modalidade de tratamento e a qualidade de trabalho do seu quadro técnico teve por base uma formação terapêutica intensa e longa, personalizada num número significativo dos seus profissionais através da Terapia Familiar e da Psicanálise (o CEPD/Sul foi uma das Instituições que teve um papel importante na introdução e contribuiu para a divulgação da Terapia Familiar em todo o país).

Caracterizada e particularizada a adictividade à heroína como uma condição de características crónicas, cuja saída definitiva do consumo passa frequentemente por repetidas recaídas, evidenciando o efeito agonista da metadona na sua função sociabilizante passemos à apresentação dos dados e resultados que legitimizam o programa de tratamento por narcótico substituto no CEPD/Norte.

A idoneidade e a qualidade de tratamento que se pretendia prestar, exigiam um conjunto de requisitos não só no acto da admissão, mas durante o tratamento, que para além do contrato terapêutico constava do controlo toxicológico iniciado logo em 1979 que sofreu vicissitudes várias, exames laboratoriais, da assinatura de um termo de consentimento para a administração de metadona e do termo de confidencialidade, documentos estes fundamentais para o estabelecimento de uma relação entre o Centro e uma população que primava pela desconfiança.

Quadro 4 Movimento anual dos adictos no programa de metadona

CEPD Norte

1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991

Junho

Total 29 110 139 126 155 220 371 520 667 931 1 217 578 730

M=24 M=81 M=113 M=97 M=130 M=173 M=288 M=405 M=562 M=779 M=984 M=464 M=571

F=5 F=29 F=26 F=29 F=25 F=47 F=83 F=115 F=105 F=152 F=233 F=114 F=159

Transitaram 8 14 26 43 53 79 122 162 231 414 522 290

M=6 M=9 M=19 M=34 M=44 M=64 M=101 M=143 M=182 M=346 M=425 M=231

F=2 F=5 F=7 F=9 F=9 F=15 F=21 F=19 F=49 F=68 F=97 F=59

1.as Admissões 29 92 67 39 73 96 201 246 312 441 570 9 151

M=24 M=68 M=52 M=28 M=64 M=72 M=151 M=203 M=270 M=375 M=479 M=5 M=99

F=5 F=24 F=15 F=11 F=9 F=24 F=50 F=43 F=42 F=66 F=91 F=4 F=52

Readmissões 10 58 61 39 71 91 152 193 259 233 47 289

M=7 M=52 M=50 M=32 M=57 M=73 M=101 M=149 M=222 M=159 M=34 M=241

F=3 F=6 F=11 F=7 F=14 F=18 F=51 F=44 F=37 F=74 F=13 F=48

A aceitação deste modelo de tratamento foi progressiva, quadro 4 e respectivo gráfico, tendo o movimento individual atingido o número 1217 no ano de 1989, contabilizando os que transitaram do ano anterior, contando primeiras e readmissões. Sem rejeitar padrões de qualidade e correspondentes ratios deve ser sempre considerada a possibilidade de um mesmo utente continuar a ter a oportunidade de reentrar no programa. Quem não internalizar esta estratégia confunde a omnipotência clínica com o direito que assiste ao doente de escolher o seu tratamento, sem prejuízo do diagnóstico médico. Neste Centro considera-se um abandono, a ausência em três dias consecutivos à tomada da dose, de acordo com as propriedades farmacodinâmicas do princípio activo.

O reconhecimento do tratamento pela metadona foi igualmente extensiva à Região Centro e Sul.

Estes doentes, quadro 5, ou transferiram a sua residência para o Porto ou os seus médicos assistentes responsabilizaram-se pelo levantamento e administração das doses (em Junho de 1987, após o conhecimento de que metadona tinha sido entregue a doentes, os levantamentos foram suspensos).

Em 1985, 47% dos indivíduos do sexo masculino e 20% do sexo feminino no acto de admissão ao programa referiam problemas policiais e judiciais.

Embora os indicadores, quadro 6, possam apontar para uma incidência preocupante, só excepcionalmente a cocaína foi mencionada como

Quadro 5 Movimento de adictos no programa de metadona

vindos de zonas Centro e Sul

1986 1987 1988

Zona Centro 9 9 16

M=8 M=8 M=13

F=1 F=1 F=13

Zona Sul 38 22 27

M=28 M=16 M=21

F=10 F=12 F=6

Grande Lisboa 31 17 19

M=23 M=12 M=13

F=8 F=5 F=6

 

Quadro 6 Estudo estatístico referente ao consumo de cocaína

durante o período de 01-01-89 a 30-09-89 nas primeiras admissões

ao programa de tratamento por narcótico substituto

Total Masculino Feminino

49,12% 49,46% 47,56%

456 437 185 82 39

 

a droga de preferência por estes doentes. Este consumo, caracterizado por surtos diminuía de frequência com a entrada no programa e muito particularmente quando a dose de metadona era reajustada.

Um dos objectivos do programa de manutenção passava pela integração social através da ocupação profissional, sendo o controlo ad random das urinas, bem como o apoio psicológico possível, pela obrigatoriedade da vinda diária do utente ao Centro e que funcionavam como auxiliares valiosos.

Quadro 7 Percentagem de doentes empregados

Ano Total Percentagem

– M F – M F

Dez/86 246 190 056 00,67% 71,5% 50,5%

Dez/87 296 248 048 67,56% 70,5% 0,50%

Out/89 684 559 125 66,22%

 

O quadro 7 revela um grupo significativo que beneficiava de alguma estabilidade económica cumprindo um dos objectivos do contrato terapêutico (outra recolha recente, 1996, relativa à situação profissional apresentava uma taxa de ocupação aproximadamente de 60%).

O grupo não activo profissionalmente, calculado entre 30 e 35%, apesar de beneficiar dos apoios do Centro continua a viver no limiar da marginalidade e representa a parte visível do submundo da droga. Continuar a prestar os cuidados básicos essenciais de saúde, reduzir o risco de doenças associadas, é uma opção prioritária e só é possível com a permanência no programa de metadona por períodos de tempo ilimitados. Ao admitir uma alternativa de vida saudável e ao pararem o consumo transmitem àqueles que continuam a não abdicar da heroína, a sua alternativa confirmada no número dos que aceitaram a mesma alternativa.

Em 1985 e 1986 pretendeu-se a criação de um Centro de Dia, uma espécie de comunidade ambulatória para a iniciação de treino profissional e de realização de actividades vocacionais, terapeuticamente acompanhadas, não tendo avançado o projecto por falta de verbas.

Quadro 8 Frequência diária no programa de tratamento por narcótico substituto

no dia 15 de Outubro, anos de 1986 a 1989, data em que pela primeira vez

passaram a ser limitadas as admissões e readmissões

15 de Outubro 15 de Outubro 15 de Outubro 15 de Outubro

de 1986 de 1987 de 1988 de 1989

198 231 421 680

 

O aumento da frequência ao programa, conforme o quadro 8 e a necessidade de continuar a manter a qualidade do Serviço, obrigou a tomar decisões; assim, na falta de recursos humanos foi necessário transferir técnicos da área da Prevenção Primária, o que levou à diminuição da intervenção nesta área, igualmente foram suspensos os apoios psicoterapêuticos, bem como as desintoxicações pela metadona, efectuadas a pedido escrito do recluso no Estabelecimento Prisional de Custóias e que vinham sendo ministradas nos últimos nove anos.

As limitações das verbas foram uma constante que afectou os Centros Regionais, vicissitude idêntica à de outras Instituições de saúde. Portugal ainda não tinha entrado na Comunidade Europeia. Contudo, no caso de CRN, as dificuldades, particularmente as económicas, acentuaram-se a partir de 1987 não podendo ser imputadas a um tratamento altamente dispendioso, pelo contrário, este não era oneroso e assim continuou. Enquanto o custo, valores de 1985, de uma cama num hospital de psiquiatria ficava em Esc. 10 000$00/dia, a manutenção durante um ano de um adicto de heroína ficava em Esc. 176 000$00 (365 dias + custo da dose diária da metadona + 20 controlos toxicológicos à heroína + psicoterapias individuais ou familiares + consultas médicas e psiquiátricas). Não pode ser ignorado que este quantitativo beneficiava de orçamento limitado (29 000 contos em 1985) e era proporcional ao número de doentes permanecendo em tratamento versus o reduzido número de funcionários incluídos no quadro.

Não surpreende que aquele custo diminuiu nos anos seguintes devido ao aumento da frequência ao tratamento não acompanhado proporcionalmente pelo orçamento. Um estudo, TOP’S 1988, indicou que o ratio benefício/custo do tratamento pela metadona devido à redução da criminalidade e à prevalência de empregos, foi calculado de 4:1.

Não se contesta que a única estimativa possível para calcular a população numa área metropolitana a consumir heroína seja determinada pelo número de indivíduos em tratamento/ano pela metadona, sendo aceite que esta oscile entre 20 e 30% do número total de adictos, variando esta percentagem com a imagem que o Centro projecta. No caso particular do grande Porto o número de adictos a consumir diária ou esporadicamente heroína no ano de 1987 seria aproximadamente de entre 3000 a 5000.

Considerando a dose substitutiva prescrita no Centro, e tendo em conta o preço da heroína na rua é possível calcular que o dispêndio anual seria aproximadamente de 9 milhões de contos. Pelo mesmo raciocínio e com os mesmos dados, os doentes no programa de tratamento deveriam economizar dois milhões de contos.

Os dados e resultados que vêm sendo mencionados constaram de uma informação discriminativa, enviada em Setembro de 1988 à Senhora Ministra da Saúde, bem como os indicadores da dessiminação do HIV através do primeiro rastreio oficial feito em Portugal num dos grupos de maior risco, e a respectiva comparação das percentagens na população de adictos seropositivos noutros países europeus e nos programas de metadona nos Estados Unidos.

Os factores sustinentes secundários à administração da metadona consequentes às propriedades farmacológicas anteriormente explanadas, para além de facilitarem o já referido estabelecimento de estratégias, como o benefício psicoterapêutico prolongado e a permanência no emprego, privilegiam inegavelmente a profilaxia física destes doentes.

A primeira avaliação da seropositividade no CEPD/Norte para o HIV pelo método ELISA foi levado a efeito em 1986 com uma amostra aleatória de 117 adictos, 72 do sexo masculino e 27 do sexo feminino. Quando, posteriormente, foi decidido testar as primeiras admissões, readmissões com a ausência de mais de um ano ao programa e tentativamente os adictos em manutenção, 50% dos diagnosticados seropositivos do grupo amostra, foram confirmados falsos seropositivos.

Quadro 9 Serologia marcadores HIV

Sero-prevalência dos doentes em programa de metadona no CEPD Norte

(início oficial do rastreio em 1987).

Total acumulado Masculino Feminino

6,32% 5,51% 10,11%

32–11 * (506) 23–8 * (417) 9–3 * (89)

* Números relativos a primeiras admissões.

O número de HIV positivos 23 (32-9) do quadro 9 da população em manutenção em 1987 para além de outras possíveis interpretações, foi em si muito importante e confirmativo da função da metadona na contenção dos índices da seropositividade.

Quadro 10 Serologia marcadores HIV

Sero-prevalência no programa de metadona

Totais de exames Masculino Feminino

efectuados

1987 6,32% 5,51% 10,11%

506 (32) – 417 (23) – 89 (9)

1988 5,10% – 4,63% 7,51%

1 057 (54) – 884 (41) – 173 (13)

1989 4,10% 3,73% 5,87%

1 711 (70) 1 421 (53) 290 (17)

1990 3,92% 3,69% 4,98%

2 064 (81) 1 703 (63) 361(18)

 

O quadro 10 mostra o aumento do número de seropositivos por ano entre 1987 e 1990 e a correspondente inversão das respectivas percentagens no mesmo período de tempo.

Quadro 11 Percentagem HIV sero-convertidos em tratamento (31-12-90)

Total acumulado Masculino Feminino

45,6% 50,7% 27,7%

(81)–37 (63)–32 (18)–5

12,7% 13,8% 8,4%

290 231 59

 

O quadro 11 sumaria o número e sexo dos doentes seropositivos que frequentaram o Centro. Apresenta igualmente números e percentagensdaqueles que permaneceram em tratamento na data referida e indica as percentagens dos seropositivos na população em tratamento na mesma data. O conhecimento destes dados é importante, não só para facilitar o encaminhamento para os Serviços que assistem os doentes com SIDA, mas também para o seu seguimento em articulação com aquele Serviço.

Desde o início, embora existisse alguma preocupação em testar doentes que permaneciam em manutenção, esta nunca assumiu o carácter de obrigatoriedade. Apesar de não existir uma quantificação do número de indivíduos testados, de uma população de 597 que se manteve no programa por um período de tempo superior a um ano, foram testados 269. Durante o período compreendido entre 1987 e 1991 e enquanto em manutenção, somente seropositivaram 3 adictos, uma mulher e dois homens.

Quadro 12 Convertidos HIV enquanto em tratamento 1987-1991

(dose máxima prescrita: 220 gts.).

A. P. M. H. I. V.

F 26-02-88 25-02-88 (–)

(14-02-90 23-03-89 (–)

140 gts. 22-03-90 (–)

    ― 04-12-91 (+)

02-06-90

32 gts.)

M 10-01-89 12-05-88 (–)

(Dose não estabilizada 15-03-90 (–)

durante a segunda admissão, 11-09-91 (+)

oscilando entre 90 e 3 gts.)

M 23-02-87 05-06-87 (–)

23-01-89 06-02-89 (–)

(última admissão) 21-02-90 (–)

28-01-92 (+)

 

O quadro 12 descreve o percurso e o controlo dos 3 doentes que seropositivaram. A primeira, uma mulher, nunca abandonou definitivamente a prostituição. O segundo, exemplifica que é necessário uma estabilização pela metadona em doses elevadas em adictos de alto risco. O terceiro, a sua seropositividade foi secundária à promiscuidade sexual, como o doente confirmou. Existe um quarto caso diagnosticado seropositivo, doente readmitido ao programa em 23-01-1989 e diagnosticado como seronegativo em 06-02-1989 e 21-02-1990.

A validade de uma estimativa da população que consome heroína só é possível de calcular quando existem programas de metadona sem listas de espera e não sujeitos a um controlo do número de admissões.

Retomando o último número de doentes, 680 em 1989, que diariamente passaram a frequentar o Centro, a população adicta no Grande Porto teve necessariamente de ser actualizada e calculado o seu número entre 4 mil e 6 mil. Em Amsterdão, em 1985, existia uma população calculada em 13 mil dependentes da heroína. Não foi por acaso que Amsterdão foi escolhida como comparação e como referência. Tinha uma área metropolitana com uma população aproximada e apesar das verbas para os toxicodependentes serem 15 vezes mais elevadas funcionava em regime aberto. Havia uma compreensão plena da utilidade deste narcótico e uma expectativa optimista quanto aos resultados a longo prazo.

Amsterdão é actualmente uma cidade que tem o problema controlado, em que o número de adictos decresceu para 8 mil. O número de seropositivos (novos casos) baixou significativamente e a percentagem dos adictos nos programas de metadona permaneceu elevada. No caso do Porto, por circunstâncias que ultrapassaram a vontade da Direcção responsável pelo serviço, não é presentemente possível fazer um calculo aproximado do número de seropositivos ou da população a consumir heroína.

Em Dezembro de 1989 foi decidido efectuar a partir de 1 de Janeiro de 1990 o cancelamento das admissões ao programa de metadona, tendo como única justificação o reduzido número do quadro de técnicos: 5 médicos incluindo o director e 8 técnicos, a prestar assistência a um número de toxicodependentes que não deixava de aumentar à média de 50 por mês. Desta decisão foi dado prévio conhecimento às hierarquias superiores. Continuaram a ser admitidos os seropositivospara o HIV previamente confirmados, grávidas, doentes com patologia psiquiátrica grave e os toxicodependentes que tinham levado a termo a sua desintoxicação.

O objectivo desta decisão era o de sensibilizar o Governo para a situação de o Centro não ter capacidade de dar resposta ao número crescente de doentes que procuravam este tipo de tratamento.

Pelos próprios toxicodependentes foi enviado um abaixo assinado às entidades representativas do país, incluindo os partidos representados na Assembleia da República.

Da parte da Direcção foi dirigida a todas as entidades uma exposição na qual foram apresentadas as razões da suspensão das admissões. As entidades governamentais foram alertadas para as possíveis consequências. O aumento da criminalidade veio a ser confirmado nos meios de comunicação, no Verão seguinte, via Polícia Judiciária. Também os prováveis riscos para a saúde pública foram mencionados com o previsível aumento da seropositividade dos toxicodependentes, bem como a degradação física, consequente ao desinteresse pelos cuidados básicos de saúde próprios destes doentes.

Durante os nove meses que vigorou o cancelamento das admissões, a Instituição teve conhecimento do falecimento de 7 indivíduos que previamente tinham interrompido o tratamento, 5 por overdose e 2 por suicídio. Este dado é extremamente significativo quando comparado com o número de doentes falecidos enquanto em tratamento entre 1978 e 1989. A sua correspondente taxa anual de mortalidade não diferiria da expectativa da média de vida anterior à introdução da metadona nos Estados Unidos, particularmente em Nova Iorque.

Quadro 13 Taxa de mortalidade enquanto em tratamento

(média 2 anos)

Total Causa da morte

Acidentes de viação Violência/ Overdose

Doenças físicas (Medicamentos

psicotrópicos)

18,19% 45,45% 36,36%

11 2 5 4

 

O quadro 13 tipifica as causas de morte enquanto em tratamento.

Quadro 14 Taxa de mortalidade Junho 1979 a Outubro 1989

Idade média (28,7 anos)

Total Masculino Feminino

1,50% 26 (01,18% 0 (00,31%

33 26 (78,79%) 7 (21,21%)

 

O quadro 14 mostra a taxa de mortalidade dos toxicodependentes que passaram pelo Centro no período compreendido entre 1988 e 1989.

Todos estes dados foram recolhidos através de familiares, de outros doentes em tratamento e ou através dos meios de comunicação social.

Pelo Decreto-Lei n.Ί 20-A/87 é criado o Centro das Taipas destinado ao tratamento, recuperação e reinserção social dos toxicodependentes. Este Centro introduziu a medicação alternativa por a2 agonista privilegiando este tipo de tratamento. Pela Portaria n.Ί 42/89 são criados os Centros de Apoio a Toxicodependentes da Cedofeita no Porto e do Algarve com a atribuição, para além do tratamento, da recuperação e reinserção social igualmente a da prevenção. Enquanto o Centro da Cedofeita seguiu um modelo de tratamento farmacológico idêntico ao Centro das Taipas, o do Algarve passou a ser o segundo Centro que funcionalizou o tratamento por narcótico substituto. Pelo Decreto-Lei n.Ί 83/90 o CEPD com Centros Regionais são integrados no Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência criado pelo mesmo Decreto.

A introdução da medicação por antagonista principiou em Portugal em 1985 na Clínica privada. A partir de 1988 os primeiros doentes medicados com naltrexone passaram a ser seguidos, responsabilizando-se o Centro somente pelo controlo da urina e o apoio psicológico.

O LAAM um metadonol levogero administrado 3 vezes por semana, foi pela primeira vez experimentado em 1973 sob proposta da NIDA e FDA em doentes seleccionados dos programas de me-
tadona da Stanford University e da cidade de Boston/Harvard University, não tendo apresentado vantagens quando comparado com a metadona, o que levou a FDA à não autorização da sua comercialização, pelo menos até 1995. Estudos posteriores revelaram o risco de overdose por efeito acumulativo, ao contrário da metadona, uma droga de margem de segurança muito elevada, além de outras complicações físicas.

Em Fevereiro de 1992 com a substituição da direcção, o modelo de tratamento pela metadona do Centro passou por uma descaracterização intencional. Foram suspensos praticamente todos os protocolos da admissão, incluindo o exame físico ao doente e foi autorizado o levantamento das doses de metadona pelo doente, chegando a permissão das saídas a ser mensal. A metadona passou a circular no mercado ilícito. A actual Direcção está no processo de corrigir aqueles excessos.

Em 1992 foi lançado um estudo simultaneamente com outros Centros que fazem parte do grupo European Collaborating Centres in Addiction Studies e que vinham periodicamente desde 1987 a reunir-se, sendo um dos seus objectivos contribuir para a divulgação dos programas de tratamento com a metadona.

 

A Função Sustinente da Metadona (cuidar)

(Avaliação: 4 anos)

População: Doentes em tratamento de metadona

Doentes em manutenção *: N=50

Readmissões: N=15

Primeiras Admissões: N=35

* Manutenção entre 7 meses e 7 anos.

Início do estudo: 1992-1993 (no início do estudo 6 doentes eram seropositivos para o HIV)

Fim do estudo: 1996-1997 (4 anos)

Quadro 15 Resultados

N HIV Altas Abandonos Falecidos

clínicas

Início 99 5 – 1 (15 dias depois) –

2 anos 82 2 – 15 (2 presos + 2 C.T.) 1

4 anos 66 + 1 2 7 7 (2 presos) 2 (SIDA)

Total 67 4 (94) 7 22 (14 pediram reentrada 3

no programa)

 

O quadro 15 apresenta os dados de uma amostra de 100 casos no período de 4 anos entre 1992/1993 e 1996/1997, dividido em duas coortes de 50 casos cada; representando a primeira um grupo da população em manutenção de pelo menos 6 meses, e a segunda as primeiras admissões e readmissões. O objectivo era avaliar a eficácia do programa de metadona na contenção do HIV, o ajustamento dos comportamentos sexuais e a integração social além de outras variáveis como a contenção de outros consumos incluindo o álcool.

Para o estudo não foram estabelecidos quaisquer critérios de selecção. Uma equipa controlava 50% dos casos de cada coorte enquanto os outros 50% estavam distribuídos pelas outras 3 equipas, sendo estes admitidos ao estudo na mesma ordem da sua admissão ao programa (exemplificado no abandono anteriormente ao preenchimento dos requisitos de readmissão, caso que não foi substituído, coorte 2).

Quadro 16 Coorte 1

Resultado HIV Altas Abandonos Falecidos

clínicas

Início 50 4 – – –

2 anos 43 – – 7 (2 presos) –

4 anos 5 2 4 2 2 (SIDA)

Total 35 2 (46) 4 9 (pediram reentrada 2 (SIDA)

no programa)

Quadro 17 Coorte 2

Resultado N HIV Altas Abandonos Falecidos

clínicas

Início 50 – 1

  Readmissões 15 (1) 1 – 1 (15 dias depois) –

  Primeiras admissões 35 0 – – –

2 anos

  Readmissões 11 0 – 3 1

  Primeiras admissões 28 2 * – 5 –

4 anos

  Readmissões 9 2 3 – –

  Primeiras admissões 22 – – 3 (2 presos) –

Total

  Readmissões 9 2 3 – –

  Primeiras admissões 22 (47) – 13 –

 

O aspecto mais significativo das conclusões deste estudo foi o dos doentes da coorte 2 adquirirem comportamentos com resultados idênticos aos doentes em manutenção, coorte 1. O falecimento do participante da coorte 2 ficou devido a um acidente de viação a caminho do emprego. Existe forte suspeita que um dos doentes da coorte 2 que seropositivou poderia estar no período de incubação aquando da sua admissão. As duas conversões da coorte 1 enquanto em tratamento são os membros de um casal que frequentemente davam urinas positivas à cocaína nas colheitas ad random mensais.

A Suíça foi um dos países no qual o primeiro programa com a metadona organizado por Deglon J. J. no Centro Lancy, Fondation Phenix, não foi acolhido favoravelmente pela classe médica e foi ignorado pelas entidades oficiais. O Centro Lancy é o único membro do ECCAS que não pertence a um país da Comunidade Europeia. Somente em 1990, o Governo Suíço, alarmado com as notícias publicadas nos meios de comunicação social e internacional, mencionando Zurique como a cidade europeia com o maior número de adictos à heroína eum surto epidémico de seropositivos de números alarmantes, inverteu a política para a toxicodependência (quadro 3), dando origem a uma legislação reguladora de programas de metadona que se expandiram pelos cantões.

O rápido escalar das admissões aos programas de metadona na Suíça, ou significava que o problema estava oculto e o consumo era maior do que se suspeitava, ou o tratamento teve uma rápida aceitação. A experiência Americana, de Amsterdão e do Porto, indicaram que embora o reconhecimento dos benefícios pela comunidade destes adictos tenha sido rápido, o processo que levava à sua admissão passava pela antecipação de movimentos contraditórios internos que bloqueavam e prolongavam o momento da decisão.

Necessariamente e por isso, a recente decisão de pretender oficializar a cedência de heroína aos adictos, merece alguns comentários. Não está em causa que um número impossível de quantificar do grupo hard core possa beneficiar com a prescrição de heroína e que esta abordagem seja considerada. Quem trabalha com estes pacientes e reconhece a limitação das suas intervenções tem de aceitar aquela possibilidade, mas não como alternativa de tratamento.

A experiência Britânica foi considerada como um sucesso relativo até à década de 60. Certamente porque o número de adictos à heroína era reduzido e somente um número equivalente usufruía da heroína prescrita. Contudo, com a explosão do consumo da heroína nos anos 70, aumentou o número de prescrições dos seus beneficiários, passando esta mesma heroína a circular livremente no mercado ilícito. Doentes que entraram no programa de metadona no Porto referiam que compravam aos toxicodependentes em Londres a heroína que estes levantavam nas farmácias com prescrições dos seus médicos assistentes. Estes abusos levaram a que fossem implementados oficialmente critérios de controlo rigorosos e selectivos.

O que se pretende com a decisão Suíça poderá ter como objectivo, a redução de riscos, (HIV, hepatites e comportamentos associais) ou deverá ser um acto arbitrário sem fundamento cujo significado único é o de afirmar o direito de opção do «outro».

Quadro 18 Follow-up após 19 anos da população na unidade de internamento

CRN/CEPD (1978/1997)

Morfina/Heroína Polidrogas e drogas

medicamentosas

1978/1989 25 5

Doentes em programa

de metadona (1997):

  — HIV Positivo 2 * –

  — HIV Negativo 4 –

Doentes fora do programa

de metadona:

  — HIV Positivo 1 –

  — HIV Negativo (na altura da alta) 8 –

  — Não testados 5 ***** 4******

Doentes Falecidos:

  — SIDA 3** 1***

  — Outras causas 2**** –

* 1 doente foi confirmado no primeiro rastreio (1987) e estava em programa de manutenção; o outro seropositivou em tratamento e o caso é citado como o 4.Ί caso dos seropositivos em tratamento.

** Readmitidos como seropositivos, um dos quais fez parte do estudo ECCAS.

*** Seropositivo quando admitido ao programa de metadona.

**** Falecido antes do início do primeiro rastreio, overdose, suicídio (quadro 13).

***** Doentes saídos do programa antes do rastreio.

****** Perdido o contacto após a saída do internamento.

O pano de fundo no qual decorre o trágico do adicto à heroína foi recriado neste trabalho. Como o Coro na peça grega o outro participante, o terapeuta, modela a sua fala carregada de predições e premonições até ao epílogo.

 

Conclusões e Recomendações

Não podendo derrogar atitudes negativas e sem desvalorizar as outras modalidades de tratamento é necessário definir de imediato uma política nacional que implemente ou expanda programas de metadona em todos os Centros do SPTT (quadro 3). Amsterdão e o CEPD/Norte são experiências afirmativas. O caso da Suíça é o exemplo a seguir.
O quadro técnico da actual Lei Orgânica é suficiente para implementar esta filosofia.

Independentemente da descentralização dos Serviços operacionais, estes devem reger-se por um modelo cujo processo e respectivos requisitos, normas e regulamentos, sejam próximos, embora ajustados e actualizados, daqueles que o CEPD/Norte criteriou.

Dadas as particularidades dos programas de metadona independentemente de outras prestações de cuidados, os Centros devem funcionar com o número mínimo de duas equipas.

Não devem ser permitidas listas de espera. As suas consequências são dramáticas, todos os programas de tratamento pela metadona devem funcionar em regime aberto.

A dispensa da metadona deve ser permitida desde que sejam respeitados critérios específicos, devendo a dose máxima oficializada ser reajustada tendo em consideração doentes tomando tuberculostáticos, e outros que têm grandes dificuldades em abdicar da heroína.

Doentes social e profissionalmente integrados em programas de metadona poderão ser encaminhados e seguidos em Centros de Saúde e consultórios médicos de família, mas sempre em coordenação com os Centros da retaguarda.

Deve ser retomada a desintoxicação pela metadona em regime prisional, bem como manutenções limitadas pelo mesmo medicamento.

 

Resumo

A natureza da experiência de cada modalidade de tratamento precisa de ser avaliada na dialéctica da sua compreensão. A eficácia dos vários modelos está há muito estabelecida nas suas funções aglutinante e abrangente não devendo ser desvalorizado o factor económico quando se tem de dar resposta a fenómenos vicariantes, as doenças associadas.