Jantar Comemorativo do 20º Aniversário da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações

Lisboa
15 de Fevereiro de 2005


Nos últimos nove anos foram muitas as ocasiões em que tive o prazer de participar em congressos e iniciativas da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações, bem como dos seus sócios e empresas associadas.

É assim natural que, uma vez mais, me junte a vós neste jantar comemorativo dos 20 anos da APDC.

A Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações acompanhou os últimos 20 anos de desenvolvimento da sociedade portuguesa e tal como ela também mudou, transformou-se, cresceu e afirmou-se.

Foi graças ao papel dos seus corpos sociais, dos seus associados e presidentes, alguns dos quais, infelizmente, já não estão entre nós para comemorar este aniversário, que se criou um fórum de discussão e de troca de ideias sobre a área das comunicações e o seu futuro, o qual tem permitido analisar as mudanças em Portugal e, também, nos mercados mundiais em que muitos dos aqui presentes actuam.

O Portugal de hoje é claramente diferente do de há vinte anos. E há que referir que social, política e economicamente o nosso país ganhou um desafio, o de fazer nessas duas décadas o que a maioria dos nossos parceiros europeus levou quase toda a segunda metade do século XX a atingir. Essa aposta ganhou-se a muitos níveis, basta olhar para as estatísticas nacionais e internacionais para o perceber.

A APDC e os seus membros são também um exemplo do contributo do sector das comunicações para a mudança de Portugal e detêm, justamente, a sua quota-parte nesse triunfo.

No entanto, o facto, de face à incipiência do nosso ponto de partida, termos ganho um primeiro grande desafio, não significa que nos devamos sentir confortados.

A este propósito, proponho-vos uma breve reflexão. Durante o XII Congresso das Comunicações apelei para a necessidade de olhar este sector como um dos motores de desenvolvimento das sociedades actuais, salientando que muitas das decisões políticas, educacionais, culturais e económicas tomadas hoje pelos Estados e Empresas influenciarão em muito o modelo de Sociedades Informacionais que iremos conhecer e legar às próximas gerações.

Foi nesse quadro que vos convidei a envolverem-se no processo preparatório da Cimeira Mundial da Sociedade de Informação de 2003.

Se aqui faço esta chamada de atenção é porque, no quadro da realização da Cimeira, tive a ocasião de verificar que, em muitas das áreas consideradas pelos analistas e investigadores como prioritárias para o crescimento económico e desenvolvimento da sociedade de informação, Portugal ocupava em muitas comparações uma posição entre os 35 primeiros países a nível mundial.

Com esta nota não quero dizer que nos devamos contentar com esse objectivo atingido; pelo contrário, acho que temos de fazer melhor e continuar a inovar. No entanto, quando pensamos nas quase duas centenas de países com os quais partilhamos a nossa economia global e os nossos níveis de bem-estar, teremos de concordar, julgo eu, que Portugal consegue vencer desafios complexos, mesmo quando, por vezes, nós próprios não o reconhecemos.

Em Novembro deste ano, em Tunes, iremos de novo ser confrontados com a discussão de matérias fundamentais para o desenvolvimento das comunicações na Cimeira Mundial das Nações Unidas sobre a Sociedade de Informação.

Valerá a pena, por isso, de novo, salientar a necessidade de os presentes nesta sala fazerem ouvir a sua voz junto das diferentes instituições da República sobre o contributo que Portugal pode trazer a essas discussões e negociações, identificando os temas que nos são caros e que devem ser defendidos e propostos, por forma a fazer valer os interesses do sector das comunicações portuguesas no País e no quadro global.
Minhas Senhoras e meus senhores,

No exercício do cargo de Presidente da República, tenho procurado, em diferentes ocasiões, dar a necessária expressão pública às principais questões que, num contexto económico e social global cada vez mais marcado pelos impactos das novas tecnologias da informação e da comunicação, se colocam a sociedades como a portuguesa.

As comunicações são um elemento fundamental para o progresso de qualquer país, não só pelo número de pessoas que empregam e pela riqueza que criam, mas também porque, sem qualidade e eficiência nesse sector, todos os restantes segmentos da economia sofrem danos.

Nas Sociedades Informacionais em rede, e nas economias do conhecimento, as telecomunicações, a televisão, o multimédia e a Internet são elementos fundamentais para uma democracia consolidada, para uma economia de inovação, para um ensino e investigação científica de qualidade, para o desenvolvimento de novas formas culturais. Em suma, para uma cidadania plena, para o bem estar das populações e para a prosperidade económica.

Durante os últimos dez anos, assistimos a uma aposta generalizada na liberalização do sector das telecomunicações, no investimento numa nova economia assente na inovação constante e na convergência entre os sectores da comunicação social e das telecomunicações.

Hoje estamos a avaliar o resultado dessas escolhas e a perceber não só o que foi entendido pelos agentes económicos, isto é empresas e Estado, como opção correcta, mas também o que falhou, o que não foi feito, ou o que foi menos bem feito e que necessita de ser corrigido em nome da saúde económica do sector e dos seus utilizadores finais, cidadãos e empresas.

Este é, pois, o momento necessário de reflexão que, combinado com a capacidade de investimento e inovação, pode consolidar crescimentos económicos emergentes no sector das comunicações em Portugal e nas áreas geográficas onde as nossas empresas actuam ou pretendem vir a actuar.

Na mensagem que enviei a um anterior congresso das comunicações promovido pela APDC, referi que vivíamos momentos de reflexão necessários para o sector. Passados dois anos sobre essa data, creio que o balanço entretanto realizado mostra alguns resultados positivos quer na perspectiva da inovação de produtos no sector das telecomunicações, quer no das tecnologias de informação, bem como na própria televisão e rádio.

No entanto, a manutenção dessa inovação num quadro de médio, e não curto prazo, requer algo pelo qual me tenho vindo a bater, com a ajuda de muitos de vós, através da COTEC e da visibilidade dada a algumas das experiências de sucesso que muitos dos presentes têm protagonizado.

Quando me refiro a inovação, não me canso de salientar que ela está estreitamente ligada aos níveis de educação da nossa força de trabalho, dos nossos empresários e dos interlocutores do próprio Estado.

Muito do que é inovação passa pelo conhecimento adquirido em vias informais, através da experiência individual e da sua combinação com aprendizagem formal na escola.

A inovação manifesta-se de muitas formas. Inovação no quadro empresarial, das ideias aos produtos e processos. Mas também inovação organizacional nas nossas empresas e no modo como elas podem articular entre si objectivos comuns em mercados externos. Inovação na forma como as escolas e as universidades, no ensino e investigação, se relacionam com as empresas e como estas últimas podem encontrar pontos comuns de diálogo e acção com a escola. E ainda na forma como o Estado pode apoiar as empresas a conquistar mercados e como estas últimas podem ajudar o Estado a atingir o seu objectivo de um país mais justo e economicamente mais sólido.

Como bem sabemos, os objectivos para um país e uma empresa nunca terminam, são apenas substituídos pela próxima meta de excelência. As empresas portuguesas têm de continuar a apostar na qualidade dos seus serviços e produtos. As entidades de regulação têm de assegurar o bem público e a concorrência, respondendo assim às necessidades e aspirações das empresas e dos cidadãos.

A estes cabe igualmente um duplo papel: o de defesa dos seus direitos, a par da responsabilidade de contribuírem para um país mais desenvolvido no quadro de uma União Europeia construída sobre uma aposta no acesso generalizado à informação, na criação de conhecimento e na inovação.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Todos quantos se encontram aqui presentes conhecem melhor que ninguém a realidade de uma Sociedade Informacional, que está a desenvolver-se a um ritmo acelerado na Europa. E também sabem como a interligação em rede entre telecomunicações, multimédia e tecnologias de informação e comunicação está a criar novos produtos e serviços e também novos modelos de economia.

Esse processo dinâmico promete uma mudança fundamental em muitos aspectos da nossa vida, incluindo a disseminação do conhecimento, uma maior interacção social, práticas económicas e de negócios inovadoras, mais e melhor participação política, novos papéis e responsabilidades dos media, novas formas de lazer, educação e saúde.

Em países como Portugal, que chegou tardiamente à industrialização e se encontra em transição para uma sociedade em rede, cabe-nos a todos discutir qual a visão partilhada de Sociedade Informacional que pretendemos para o nosso país e como se insere ela na comunidade internacional.

Importa, pois, desenvolver um quadro de normas e acções que assegure que os benefícios das tecnologias de informação e comunicação para o desenvolvimento sejam maximizadas e os obstáculos minimizados.

Não podemos correr o risco de aceitar, com a mesma infeliz naturalidade com que muitos aceitam a persistência de analfabetismo entre os portugueses, a existência ainda de cidadãos sem telefone fixo ou telemóvel, instrumentos de inclusão social numa sociedade de informação.

Importa, igualmente, não esquecer que todas as comparações europeias nos colocam em má posição na disponibilidade de acesso e utilização da internet. A utilização de computadores ligados à internet e o uso de telemóvel são hoje indicadores de desenvolvimento tecnológico sugeridos pela própria Organização das Nações Unidas para hierarquizar países.

Devemos ter presente que, embora em termos de negócio seja importante vender muitos telemóveis e muitas ligações à internet, o que sustenta economicamente um sector das comunicações é, efectivamente, o número de pessoas que fazem uso de uma tecnologia e aquilo que nos importa como país, é como esse uso se pode traduzir numa mais valia produtiva e de valorização pessoal.

Porque existe uma correlação muito forte entre grau de educação e uso da internet, Portugal tem um duplo desafio: temos de manter mais tempo no sistema de ensino os nossos jovens e fazer regressar os mais velhos à escola.

Só assim haverá uma mão-de-obra mais qualificada no sistema de emprego; mais preparada para as necessidades de um tecido económico de maior inovação e, ao mesmo tempo, um mercado mais amplo para o sector das comunicações; e, tão importante como o atrás referido, cidadãos mais realizados numa democracia mais aprofundada.

Não gostaria de terminar esta alocução sem partilhar convosco algumas das interrogações para as quais considero ser essencial o vosso contributo, pois será a partir dele que é possível traçar objectivos a longo prazo para Portugal sobre o tipo de Sociedade Informacional que pretendemos construir.

A primeira interrogação refere-se às dimensões da produtividade e da competitividade da economia portuguesa. Embora tenhamos presente que a extensão da nossa economia informal distorce as nossas estatísticas de produtividade, é também verdade que numa economia do conhecimento as regras para o aumento de produtividade também se modificaram. O que representa essa mudança para uma economia como a portuguesa?

Uma segunda interrogação passa pelo papel das tecnologias de informação e comunicação na reforma organizacional e modernização tecnológica do sector público. Isto é, como pode a internet possibilitar essa necessária mudança do sector público, de forma a torná-lo numa imagem do seu próprio tempo e das necessidades dessa sociedade?

E qual o papel dessa tecnologia e das telecomunicações na transformação de sectores tão decisivos como são o da saúde e da educação? Qual é, então, o potencial das tecnologias de informação no curto, médio e longo prazo, para a mudança das relações entre Estado, cidadãos e empresas?

Uma outra matéria que deve também merecer a nossa atenção, pelo papel que tem vindo a desempenhar como factor de alavancagem em economias de elevado crescimento, como a Chinesa, Indiana, Brasileira e Chilena e também como fonte de inovação e criatividade em países considerados líder como os Estados Unidos da América e Finlândia, é a questão das tecnologias Open Source. A este propósito, há que discutir as suas implicações na redefinição dos modelos de propriedade intelectual e da forma de se alcançar um desejável equilíbrio entre os modelos tradicionais de criação e produtividade e uma economia que vive muito da experimentação.

Nesta minha listagem de preocupações há ainda lugar para discutir qual o papel das media nas nossas sociedades e como a relação com a internet os mudou, ou não. Questões como a das funções dos jornais, rádio e televisão na construção da identidade são matérias fundamentais para um mundo que é global mas que vive também da afirmação da diferença cultural e de valores. Outra matéria que deve merecer a nossa atenção em termos de políticas públicas, e aposta de investimento empresarial, é a dimensão Wireless da Internet e as novas articulações que esse modelo de difusão pode trazer na relação com outros media e telecomunicações.

Terminaria este elenco de questões, centrando-me de novo na dimensão política. Concretamente, que políticas de transição para uma sociedade em rede deveremos seguir?

Há claramente opções a tomar e lições a retirar do que outros países e regiões fazem e fizeram. E creio que teremos muito a ganhar se soubermos compreender a génese do modelo finlandês de sociedade informacional.

Neste caso, provou-se que houve ganhos consideráveis baseados em níveis elevados de coesão social, em forte identificação nacional em torno de um objectivo comum, na elevada confiança de cada cidadão nos seus concidadãos, a par de um Estado capaz de oferecer serviços de saúde, segurança social e educação de qualidade, combinando-os com inovação.

Foi ainda condição de sucesso deste modelo, a procura da flexibilidade, longamente negociada, nos modelos de trabalho e de gestão, em conjunto com uma articulação de objectivos entre sistema financeiro e Estado na oferta de capital de risco. E, bem assim, uma aposta do sistema educativo na formação de mais novos e mais velhos, conjugada com inovação, algo só possível através da liberdade criativa no sistema de investigação estatal e também ao nível das empresas e, obviamente, do rigor empresarial e do Estado na gestão dos objectivos comuns de desenvolvimento do país.

Ouvindo este enunciar de condições e conhecendo todos nós bem o nosso país, é óbvio estarmos perante metas difíceis de atingir, mas esse é o desafio de gerir recursos e ideias, algo que todos nós partilhamos no nosso dia a dia.

Reconheço que as condições atrás enunciadas são alcançáveis, mas temos de perceber que não as atingiremos já – impõe-se-nos, obviamente, traçar objectivos nacionais para além do trimestre ou do ano.

Há a necessidade de olhar mais longe. Fazê-lo pelo menos a 10 anos - essa é, aliás, a medida de tempo que nos permite compreender a mudança quando olhamos para trás.

Termino, endereçando os meus parabéns aos actuais corpos sociais da APDC e seus sócios pelos 20 anos de trabalho realizado e os votos que continuem a realizar os objectivos que estiveram na génese desta associação.

Obrigado pela vossa atenção.