Discurso de SEXA PR por ocasião da cerimónia de Entrega do prémio Bial 2004

Lisboa
29 de Abril de 2005


Quero começar por cumprimentar os responsáveis pela Fundação Bial, que têm desenvolvido uma importante actividade na promoção da investigação na área da Saúde, e felicitar os autores que hoje são distinguidos com prémios atribuídos por esta Fundação.

Tenho procurado dar relevo ao trabalho desenvolvido pelas ciências da saúde, no sentido de identificar os principais problemas que, a este respeito, são sentidos pelas populações, as suas determinantes, os programas desenvolvidos para os enfrentar e a avaliação dos resultados.

O modelo de saúde deve conferir uma grande importância a requisitos sociais essenciais como a educação, a qualidade da habitação, da água, do ar, bem como privilegiar o trabalho interdisciplinar e intersectorial. Devemos aproveitar as oportunidades para desenvolver os programas de promoção da saúde e por isso devemos dedicar mais atenção à discussão, aplicação e avaliação do Plano Nacional de Saúde 2004/2010.

Nas discussões sobre estes temas, em que tenho participado com grande e genuíno empenhamento, temos, talvez, conferido demasiado relevo aos hospitais, à sua organização, aos modelos de gestão, aos poderes que lá se exercem, desvalorizando, por vezes, até na formação dos profissionais desta área, aspectos centrais para a promoção e para a defesa da Saúde Pública, em todos os seus domínios e níveis.

Tem-se a impressão, por outro lado, que, se as aproximações multidisciplinares têm acompanhado o desenvolvimento da investigação científica, o mesmo não se passa no plano institucional, particularmente na administração pública.

Temos que encontrar fórmulas mais aperfeiçoadas, modernas também, de conhecer e resolver os problemas transversais sem esquecer os vários saberes envolvidos, sem esquecer o adquirido sobre o tema em concreto, mas combatendo as duplicações, que conduzem necessariamente a ineficiências, e as omissões, que se traduzem sempre em inequidades.

Na Saúde, temos pela frente um grande desafio - o de conferir maior dinamismo, inteligência e coordenação às diversas intervenções que vão no sentido de melhorar a saúde dos cidadãos.

E esta coordenação, que aliás se impõe noutros domínios do serviço público, deve fazer sentir-se quer ao nível das políticas, quer ao nível da gestão.

Para tentar tornar mais clara esta minha preocupação, permitam-me que, perante vós, investigadores e professores de saberes diversos, coloque a questão seguinte.

A mortalidade perinatal em Portugal apresentava, em 1980, o pior resultado da Europa, com 23,9 óbitos por mil nados vivos; vinte anos depois, o nosso País chega a valores melhores que a média comunitária e superiores a sete dos quinze países que então formavam a União Europeia.

Como foi possível este resultado tão positivo?

Dir-me-ão, nomeadamente o Senhor Ministro da Saúde, prestigiado académico e investigador de economia da saúde e de políticas públicas, que não é estranha a esta evolução a aprovação do Programa Nacional de Saúde Materno-Infantil em 1989. E que este Plano integrava uma Rede de Referenciação Materno-Infantil, composta por centros de saúde, hospitais de apoio perinatal e unidades coordenadoras funcionais, tendo sido definido, para cada uma, competências e funções, equipamentos, técnicos e formação.

Ou seja, definiu-se o problema, fixaram-se os objectivos, o processo assentou numa excelente coordenação e liderança, da qual não deve ser esquecido o nome de Albino Aroso, e conseguiram-se excelentes resultados.

Mas, por outro lado, porque não somos capazes de, em relação à SIDA, melhorar da mesma forma os resultados?

Sei bem que este é um domínio em que as estratégias adequadas têm de enfrentar a ignorância, o silêncio e o preconceito, e em que é urgente substituir os apelos meramente retóricos, pela divulgação de boas práticas e por grande e persistente atenção aos profissionais que se encontram no terreno.

Sei bem que é necessário aprofundar a ligação com as autarquias e com as organizações não governamentais, estudar, em particular, o problema das prisões e da toxicodependência.

É necessário, em suma, coordenar de forma mais efectiva os meios de que já dispomos e incentivar respostas activas, fazendo com que os serviços saiam das instituições e vão ao encontro das dificuldades e das pessoas que sofrem.

Nesta cerimónia em que distinguimos a investigação científica no domínio da Medicina, permitam-me que conclua, pois, com dois apelos.

O primeiro é o de um maior investimento na promoção da saúde, com orientações estratégicas claras e métodos conhecidos de avaliação e de prestação de contas.

O segundo é o de maior investimento na coordenação das políticas que permita enfrentar com êxito a multifactorialidade dos problemas e a tradicional verticalização na organização dos serviços.

A insistência nos problemas do País – que, como é habitual, faço questão de colocar ao lado das conquistas e sucessos que, com a consolidação da democracia, também vão marcando, felizmente, o nosso percurso colectivo – essa insistência, repito, resulta, neste caso, da certeza de me encontrar perante um conjunto de cidadãos verdadeiramente empenhados no progresso de Portugal.

Não hesito, por isso, em apelar aos presentes para que nunca esmoreçam e participem, cada vez mais, com a força que os argumentos cientificamente fundamentados sempre acabam por obter, nas múltiplas e estimulantes tarefas de um projecto de desenvolvimento económico-social sustentado para Portugal.

Um projecto que seja capaz de colocar a saúde, os direitos sociais e a dignidade das pessoas como suas referências fundamentais.