Visita à Câmara Municipal de Aveiro

Aveiro
09 de Junho de 1999


Excelências,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
 
Ao decidir realizar em Aveiro as celebrações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, quis em primeiro lugar, no contexto desta data de tão elevado significado nacional, homenagear nesta Cidade a luta pelos ideais democráticos em Portugal.

Comemoramos neste ano o 25º Aniversário da Revolução de 1974. As múltiplas iniciativas evocativas do 25 de Abril que por todo o País se desenvolveram sublinharam, muito justamente, que a democracia portuguesa é mérito de um povo inteiro, assim se homenageando e fazendo justiça às mulheres e homens, militares e civis, actores anónimos da História que lutaram corajosamente contra a ditadura, ou participaram nas acções que levaram ao derrube do regime anterior.

À Cidade de Aveiro, que em períodos particularmente difíceis da ditadura acolheu os Congressos da Oposição Democrática, atribuí no ano passado o grau de membro honorário da Ordem da Liberdade, como reconhecimento pelos contributos dados à causa da Liberdade e dos ideais da Democracia.

A escolha de Aveiro para as comemorações do Dia de Portugal nos 25 anos do 25 de Abril é, uma vez mais, a expressão desse reconhecimento, no qual envolvo, naturalmente, todos os democratas aveirenses, de sucessivas gerações, que lutaram contra o anterior regime e ajudaram a construir a nossa Democracia.

Aveiro é hoje uma Cidade renovada e virada para o futuro. A sua população é das mais jovens do País e continua a crescer, dispõe de uma Universidade prestigiada e em expansão, e tem uma base económica e empresarial forte e diversificada.

As condições de desenvolvimento equilibrado que Aveiro apresenta, como cidade motor de uma região, são em boa medida o resultado do trabalho realizado ao nível local. Devem-se a uma visão moderna das políticas municipais, no virar do século.
Há hoje, em Portugal, bons exemplos sintomáticos de maturidade no exercício do poder local autónomo, 25 anos após a sua criação pelo regime democrático. Esta é também a mensagem que quero deixar em Aveiro, saudando, perante vós, os responsáveis eleitos nos municípios e freguesias em todo o País.

É reconhecido por todos o relevante contributo das autarquias portuguesas na prestação de serviços básicos e na criação das infra-estruturas indispensáveis à transformação da qualidade de vida dos portugueses, num esforço acentuado após a integração europeia de Portugal.

Essas tarefas de infra-estruturação básica podem considerar-se em boa medida concluídas. A administração local enfrenta hoje desafios que são já qualitativamente diferentes dos problemas tradicionais.

Exigem-se agora, nas palavras do historiador César de Oliveira, também ele um autarca - e saudoso amigo - “políticas municipais de investimento no imaterial”.

Trata-se de uma nova cultura de intervenção local, que tem por pressuposto básico a noção de que o reforço da malha urbana portuguesa e, particularmente, das cidades, só pode ser bem sucedido se tiver por base um planeamento estratégico que oriente os programas a desenvolver.

Que tem de assentar em regras claras e eficazes de ordenamento do território e urbanização, definidas e actualizadas através de processos participados de contratualização com as comunidades.

Que não pode prescindir de incorporar uma política adequada de desenvolvimento sustentado e ambientalmente equilibrado.

Passam também, esses novos desafios, pelo investimento na formação, na cultura, na animação urbana, e na humanização do espaço público.

Exigem-se políticas municipais agregadoras, de integração das minorias, de combate à exclusão social, à marginalização e à insegurança.

Às autarquias cabe igualmente uma acção decisiva, em colaboração estreita com o Estado e com as organizações da sociedade civil, para fazer face ao problema das drogas e da toxicodependência que, todos o sabemos bem, vai progressivamente minando a vida colectiva nos meios urbanos.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Tudo isto pressupõe a adesão à ideia, que tem ainda de fazer maior caminho entre nós, de que muitos dos interesses públicos em causa, pela sua transversalidade, não são prosseguíveis de forma adequada na perspectiva estrita do espaço geográfico municipal.

Rejeitada pelos portugueses a instituição de um modelo de regionalização, cabe-nos agora, a todos, dar os passos imprescindíveis para aprofundar a descentralização administrativa, reforçando o nosso sistema municipal.

Aos portugueses pouco aproveita saber quem perdeu ou quem ganhou no referendo nacional que realizámos.e a verdade se diga que ninguém se preocupou com isso.

O que os portugueses certamente esperam é que o debate que então atravessou a sociedade portuguesa tenha um efeito útil, que não fique tudo na mesma, porque é ao nível da administração descentralizada que se jogam, na política concreta, muitos dos anseios e exigências dos cidadãos.
Aos líderes locais cabe também a responsabilidade desse novo impulso.

Arredemos definitivamente, pois, o conceito “bairrista” de que cada comunidade ou concelho pode desenvolver-se independentemente do contexto geográfico, económico e social da região mais vasta em que se integra, sobretudo num quadro, como é o português, em que é relativamente baixa a densidade população média dos municípios.

A esse conceito, ultrapassado, devemos contrapor cada vez mais o recurso a formas de associação e cooperação inter-municipal, não apenas para a construção e a gestão de equipamentos comuns, como já hoje acontece, mas também para um adequado planeamento conjunto das acções a desenvolver pelas diversas autarquias, face a problemas que são partilhados e cuja solução só se encontra numa lógica territorial mais vasta.

Num quadro de interdependências entre comunidades locais vizinhas, nem sempre faz sentido a competição entre si.

Pelo contrário, é a complementaridade que cria economias de escala, quando baseada numa “especialização” de cada um dos municípios e como resultado de processos de concertação inter-municipal ou regional, em espaços poli-nucleados.

Temos já hoje experiências bem sucedidas de articulação entre municípios para o exercício em comum das suas atribuições em diversos domínios.

Há que ter a visão e os instrumentos necessários para aprofundar esse processo, e dele obter melhores resultados ainda na perspectiva do desenvolvimento local e regional.

Para que assim aconteça, carecemos igualmente de formas específicas de organização administrativa, vocacionadas para potenciar a adopção pelos municípios portugueses de novos modelos de gestão, adequados à prossecução das políticas que os tempos de hoje requerem.

Pela minha experiência anterior como autarca, e porque conheço de perto a evolução por que têm passado as autarquias portuguesas e as experiências desenvolvidas em muitos pontos do País, tenho a certeza de que esta nova cultura de gestão local está já a fazer caminho em entre nós e é partilhada por muitos responsáveis eleitos dos municípios e das freguesias, progressivamente mais dotados dos instrumentos necessários para tanto.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Atribuo a maior importância às questões que acabo de vos enunciar. Elas são decisivas para a efectiva formulação de uma política para as cidades, e delas depende a qualidade das políticas públicas de incidência territorial no nosso País, no próximo milénio.

Por isso mesmo, irei realizar no final deste mês de Junho um programa de iniciativas e visitas temáticas sobre as políticas para as cidades e as formas de cooperação inter-municipal para a satisfação de necessidades colcetivas.

Tenho como objectivo dessa iniciativa, precisamente, estimular o debate sobre estes problemas e avaliar experiências inovadoras e com futuro, como tenho feito ao longo do meu mandato em diversos domínios da vida nacional.

No quadro desse programa realizar-se-á um Seminário com a participação de especialistas portugueses e estrangeiros, bem como de autarcas, visando debater o sentido da evolução que nestes domínios aconteceu noutros países e lançar perspectivas sobre a realidade da gestão urbana em Portugal. O Seminário terá lugar nesta vossa Cidade, e será organizado com a inestimável colaboração da Universidade de Aveiro, cujo contributo para a vitalização desta região merece o maior reconhecimento de todos.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

A presença do Presidente da República na sede do Município onde se realizam as cerimónias do 10 de Junho corresponde a uma tradição feliz, que cumpro sempre com gosto.

Pela minha parte, julgo ser uma excelente ocasião para sublinhar a importância política do trabalho autárquico, que os cidadãos cada vez mais reconhecem como essencial.

Tenho a convicção de que é na proximidade dos poderes públicos com as pessoas e com os seus problemas concretos que se fortalecem e se relegitimam, todos os dias, os laços de confiança dos cidadãos no sistema político. É essa mensagem que gostaria também de vos deixar hoje.

Termino agradecendo ao Município de Aveiro, na pessoa de V. Exa., Senhor Presidente da Câmara Municipal, a forma empenhada como acolheu as comemorações nacionais do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

É-me muito grato poder assim saudar mais uma vez os aveirenses e, especialmente nesta data, todos aqueles portugueses que, residindo e trabalhando noutros países para os quais emigraram, têm em Aveiro as suas raízes, as suas famílias e, seguramente, a sua identidade mais profunda.