Discurso de SEXA PR por ocasião da Cerimónia de Lançamento do livro "Estudos e Ensaios em Homenagem a Eurico de Figueiredo"

Lisboa
07 de Setembro de 2005


Os Chineses gostam de citar uma velha maldição : "Que vos seja dado viver em tempos interessantes".

Os textos reunidos neste volume de Estudos e Ensaios em Homenagem a Eurico de Figueiredo, editado pelo Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade e pelas Edições Afrontamento, incluindo o meu próprio texto e os textos do meu amigo Eurico de Figueiredo, servem, desde logo, para demonstrar, até de uma maneira excessiva, que ele viveu em tempos muitos interessantes - e nós vivemos esses tempos com ele.

Vivemos o fim do regime autoritário do Estado Novo e, logo a seguir, vivemos uma revolução, uma revolução que pôs em causa todos os mitos da nossa juventude e realizou, contra todas as expectativas, a nossa vontade profunda de constituir um regime de liberdade e de democracia politica.

Vivemos o fim do regime franquista, que tinha sobrevivido paredes meias com o salazarismo, e vivemos mais uma transição democrática, que tornou a Europa ocidental sinónima da democracia pluralista e tornou possivel o alargamento das Comunidades Europeias a Portugal, a Espanha e à Grécia.

Vivemos, paralelamente, o fim de uma sociedade patriarcal, repressiva e fechada. Vivemos uma mudança radical nos hábitos e nos costumes, por toda a parte, com a igualdade de direitos da mulher, a sua inserção politica, social e profissional, que é talvez a mais importante mudança do nosso tempo.

Vivemos o fim do colonialismo, da opressão de outros povos e dos mitos de superioridade racial, que legitimaram as piores violências e os piores excessos durante séculos e prejudicaram o nosso processo de desenvolvimento e de modernização, subordinado a visões arcaicas sobre o lugar e o destino de Portugal.

Vivemos o fim da Guerra Fria, da divisão da Europa e da União Soviética e o fim das grandes ilusões sobre as utopias revolucionárias e a construção do socialismo sem liberdade. Vivemos a primeira tentativa de unificação pacifica das democracias europeias, que se iniciou nesse momento.

Vivemos tempos interessantes, e vivemos esses tempos a fundo, com ansiedades, dúvidas e angústias, mas também com uma visão clara sobre o sentido necessário das mudanças, em cada uma das encruzilhadas.

A maldição chinesa foi a nossa sorte, pelo menos até à data, numa altura em que já podemos olhar para trás e avaliar, com serenidade, o longo caminho que percorremos em conjunto - e creio que estivemos juntos no essencial.

Mas também temos a consciência do caminho à nossa frente. Os tempos continuam a ser interessantes, embora, por vezes, num sentido mais próximo da máxima oriental.

O nosso sentimento de segurança foi posto em causa pela escalada da violência, revelada pelos massacres terroristas de Nova York, de Bali, de Madrid, de Baghdad ou de Londres, que nos obrigam a consolidar os nossos valores e não deixar perder as palavras da tolerância, indispensáveis para evitar o domínio dos fanatismos. A evolução económica e social, os efeitos extraordinários do último ciclo de modernização, não só tornaram mais evidente a necessidade de impor os valores da justiça, como não nos podem fazer esquecer as dificuldades do presente e o regresso das incertezas. O pessimismo que tende a prevalecer com a crise europeia evoca, para nós, a necessidade de manter a confiança e fazer valer as lições da adversidade. O nosso radicalismo, se posso apropriar-me por instantes da divisa politica de Eurico de Figueiredo, resulta tanto do nosso temperamento, como da nossa confiança no futuro da democracia portuguesa.

Temos a certeza de que vivemos e continuaremos a viver tempos interessantes. Espero que os possamos enfrentar amanhã no mesmo espírito com que os enfrentámos no passado e, se possível, continuando a estar juntos nos combates decisivos.