Cerimónia de Condecorações na Transferência de Macau

Macau
18 de Dezembro de 1999


É, para mim, uma honra e um prazer participar nesta cerimónia solene de homenagem a Macau, nas pessoas dos agraciados que representam tanto do melhor espirito de servir o Estado e a comunidade.

Para todos nós, creio, este momento vem carregado de história, de memórias e de emoções, mais fortes do que as nossas palavras. Os que partimos, temos já saudades desta cidade do Nome de Deus e das suas gentes, testemunho e penhor de uma missão, sempre inacabada, de aproximar povos, nações e culturas. A consciência do dever cumprido - um dever feito na história e para a história - deixa-nos partilhar o destino dos que ficam e comungar da sua confiança num futuro de paz e de liberdade numa comunidade tolerante e plural. Nesse sentido, este é, sobretudo, um momento de esperança.

Os homens e as mulheres da minha geração tiveram de enfrentar tempos de profunda mudança, em que as grandes decisões que marcaram o fim dos impérios europeus puseram à prova, repetidamente, as nossas capacidades, a nossa vontade e a nossa visão. Procurámos responder, como Portugueses, assumindo, com respeito, o nosso passado e, com sentido de responsabilidade, os novos desafios. É cedo para balanços e seria pretencioso antecipar os juizos da história. O tempo revelará se caminhámos na direcção certa.

Neste dia e nesta terra é forte a tentação de dizer que nos orientámos para um caminho seguro. A projecção externa de Macau sublinha as suas qualidades especificas, reconhecendo como, na encruzilhada das civilizações, foi possível estabelecer instituições políticas e judiciais sólidas, formar-se uma comunidade estável e tranquila e desenvolver-se uma economia dinâmica. Macau é uma cidade moderna, preparada para a mudança, feita para as suas gentes e pelas suas gentes - chineses, portugueses e macaenses, unidos pelo seu devir comum.

Portugal e os Portugueses têm boas razões para sentir orgulho em Macau. Desde a assinatura da Declaração Conjunta luso-chinesa, em 1987, foi possível garantir um trabalho continuado e persistente de adaptação das instituições, das leis e da administração, bem como garantir um quadro de articulação permanente, a todos os níveis, com a República Popular da China para assegurar o cumprimento rigoroso dos acordos bilaterais e tornar a transição, à partida tão complexa, numa prova de maturidade das relações entre os dois Estados. Do mesmo modo, contra as expectativas mais pessimistas, foi possível realizar uma estratégia de acelerado desenvolvimento económico e social, indispensável para reforçar as condições de autonomia de Macau, de que são exemplos eloquentes o aeroporto internacional e o Centro Cultural de Macau.

Como Presidente da República e em meu próprio nome, devo e quero realçar, Senhor Governador, os assinaláveis méritos de Vossa Excelência nessa grande empresa. A sua dedicação e a sua inteligência, as suas qualidades de governante demonstradas ao longo de tantos anos, nas boas e nas más horas, fazem do último Governador português de Macau um exemplo do espirito de bem servir, a quem tanto devem Portugal e Macau. Bem haja, Senhor General Rocha Vieira.

Minhas senhoras e meus senhores

A história não espera por nós. No fim do dia de amanhã começa um novo ciclo para Macau, bem como para as relações entre Portugal e a China.

A Declaração Conjunta luso-chinesa garante à futura Região Administrativa Especial de Macau um estatuto especial de autonomia. Durante os próximos cinquenta anos, Macau continuará a ter as suas instituições próprias, o seu direito, o seu modelo económico, o seu modo de vida. Os direitos cívicos e políticos das suas gentes estão assegurados, num quadro regido pelo primado do direito, que inclui, designadamente, as principais cartas de direitos internacionais.

As relações entre Portugal e a China, relações de séculos entre duas velhas nações e dois Estados tão antigos, puderam sair mais fortes do empenho comum, demonstrado pelos responsáveis ao mais alto nível, em fazer da transição de Macau um exemplo de respeito reciproco.

Portugal, membro de pleno direito da União Europeia, e a República Popular da China partilham crescentes responsabilidades na formação de uma sociedade internacional assente no direito, bem como na defesa dos equilibrios indispensáveis nas relações internacionais. A experiência do passado continuará a ser a referência segura da orientação futura das nossas relações bilaterais.

Minhas senhoras e meus senhores

Mandou-nos o poeta partir por mares nunca dantes navegados. Assim fizemos. Em Macau fica a marca desse destino e uma parte da nossa história, que esperamos sirva o futuro das gentes desta terra, à qual viemos prestar homenagem.

Muito obrigado.

Jorge Sampaio