Sessão de Abertura da XXIV Reunião Internacional da Amnistia Internacional

Tróia
13 de Agosto de 1999


Quero, em primeiro lugar, agradecer o amável convite para me dirigir a esta Convenção da Amnistia Internacional, convite a que acedo com muito gosto, dado o alto apreço que nutro pela actividade da vossa organização. Aproveito, aliás, a ocasião para prestar homenagem à Amnistia Internacional, cuja acção tanto tem contribuído para a salvaguarda dos direitos humanos por esse mundo fora.
Muitos são os portugueses devedores à Amnistia Internacional pelos seus esforços em prol de todos aqueles que, por motivos políticos ou de consciência, foram perseguidos, aprisionados, vítimas de maus tratos e de abusos de toda a ordem.
Quero igualmente manifestar a minha solidariedade com a campanha para a abolição da pena de morte conduzida pela Amnistia Internacional. Portugal, que aboliu esta sanção desumana em 1861, tem-se batido incansavelmente por esse objectivo. Estou certo que os vossos esforços darão um contributo importante para uma tomada de consciência mais larga e aprofundada, a nível internacional, de que a pena de morte já não deve ter lugar em nenhuma comunidade civilizada.
Quero, ainda, enaltecer aqui o labor desenvolvido pelas Organizações Não-Governamentais, das quais a Amnistia Internacional foi pioneira. A actividade das ONGs tem dado uma contribuição inestimável para despertar a consciência da opinião pública para as violações de direitos humanos em todo o mundo e a sua acção no terreno, tantas vezes mais célere e eficaz do que a dos Governos, desempenha hoje em dia um papel insubstituível na assistência humanitária a nível internacional.
A defesa dos direitos humanos e dos valores humanitários é um tema que tem vindo a ganhar crescente relevo na agenda política internacional. Afirma-se por todo o mundo a consciência de que a dignidade do ser humano e o respeito pelos seus direitos inalienáveis são valores universais que não podem ser escamoteados nem ignorados, a pretexto do primado da soberania.
Reconheceu-se progressivamente que os direitos humanos deixaram de ser uma questão puramente interna a cada Estado e que a condenação das suas violações, sobretudo quando assumem um carácter sistemático, interessam o conjunto da comunidade internacional.
Os princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Dezembro de 1948, obtiveram crescente aceitação e vencimento: o princípio de que o reconhecimento da dignidade inerente a todo o ser humano e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da justiça, da liberdade e da paz no mundo; o princípio de que há uma concepção comum dos direitos e liberdades fundamentais e de que a sua tutela tem uma dimensão universal; e ainda o princípio de que a organização política e a ordem jurídica dos Estados deve orientar-se pelo fim essencial da protecção dos direitos do homem.
Tudo isto representa um avanço notável no caminho para uma ordem internacional mais justa e solidária, baseada em critérios éticos mais do que na defesa de interesses egoístas. Portugal tem-se batido por esta concepção da política internacional, fazendo da defesa dos direitos humanos uma pedra basilar da sua política externa.
Batalhámos sem descanso, durante mais de duas décadas, pela causa de Timor Leste, pelo direito à auto-determinação do seu povo e pelo respeito dos direitos humanos naquele território. Foi um combate difícil e é de elementar justiça reconhecer aqui a grande ajuda que recebemos das ONGs e da própria Amnistia Internacional. É pois com legítima satisfação que encaramos hoje o processo político em curso naquele território. Não subestimamos as dificuldades que ainda terão de ser vencidas para o levar a bom porto, mas a evolução da situação nas ultimas semanas constitui motivo de ânimo. Apesar da situação de segurança inspirar ainda cuidados, o processo de recenseamento constituiu um inegável sucesso. As próximas semanas serão cruciais. Serão necessárias paciência, vigilância e determinação. Portugal, posso asseverar-vos, continuará totalmente empenhado em garantir que o povo de Timor, tão injustamente martirizado, tenha finalmente a oportunidade de se pronunciar sobre o seu futuro, em condições dignas e de liberdade. Pela nossa parte, não pouparemos qualquer esforço para o conseguir.
Qualquer que seja o resultado da consulta marcada para o dia 30 de Agosto, haverá que considerar-se uma vitória o facto dela se realizar. Cabe aqui prestar homenagem às Nações Unidas, pelo profissionalismo e isenção que têm demonstrado na condução de todo este processo. Mas a vitória pertencerá acima de tudo ao heróico povo timorense, cuja abnegação, coragem e determinação não é demais realçar neste momento decisivo para o seu futuro.
Senhor Presidente
Senhores delegados
O respeito pela pessoa humana, pela sua dignidade, pela igualdade de oportunidades que a todos deve ser oferecida, a rejeição de qualquer tipo de discriminação étnica ou religiosa, o combate sem tréguas contra o racismo e a xenofobia são valores e dimensões que se têm de impor a todos os Estados e critério incontornável do relacionamento internacional.
São valores que naturalmente alteram a maneira tradicional de conceber as relações entre Estados, que estabelecem limites à sua acção soberana, afectando a validade de conceitos que fizeram o seu tempo. Mas são valores que se impõem em nome do progresso da Humanidade, da paz e de uma efectiva estabilidade da ordem internacional no quadro de um processo acelerado de globalização que não desejamos apenas ditado pelas leis do mercado, mas igualmente enquadrado por valores de justiça, solidariedade e respeito pela dignidade da pessoa humana.
Forçoso é reconhecer, contudo, que nos falta ainda percorrer um longo caminho até podermos dar por adquirida essa visão das relações internacionais. Não podemos ignorar que, no relacionamento entre os Estados, a defesa dos direitos humanos entra às vezes em colisão com o respeito devido à soberania alheia ou interfere com outros interesses, de ordem política, económica, ou outra, porventura menos nobres mas igualmente legítimos, os quais também compete ao Estado defender.
Por isso, a acção dos Estados em prol dos direitos humanos na vida internacional é temperada por considerações de vária ordem e nem sempre é assumida com total imparcialidade e isenção.
É por isso que a actividade de organizações com a vossa, bem como de outras ONGs, assume um carácter tão importante. Alheias aos interesses tantas vezes contraditórios que tolhem a acção dos Estados nestas matérias, podem dedicar-se, de corpo e alma, à defesa das causas nobres que são a sua razão de ser. Merecem por isso a nossa gratidão e aplauso. Gostaria por isso de terminar esta curta intervenção, deixando a todos os delegados da Amnistia Internacional presentes nesta sala uma palavra de agradecimento e apreço pelo vosso esforço altruísta.
Muito obrigado pela vossa atenção.