Sessão Comemorativa do 150º Aniversáriodo Tribunal de Contas

Lisboa
10 de Novembro de 1999


É com grande satisfação que presido a esta cerimónia que assinala a passagem de 150 anos sobre a criação do Tribunal de Contas.
A história desta casa está intimamente ligada à história da Administração Pública e das Finanças Públicas portuguesas.
A criação do Tribunal de Contas, pelo Decreto de 10 de Novembro de 1849, insere-se no contexto de uma necessidade, vivamente sentida, de modernização da Administração e de contenção das despesas públicas.
É elucidativa, a esse propósito, a discussão parlamentar ocorrida por ocasião da aprovação da lei de autorização legislativa que propiciou o referido decreto; e é também muito elucidativo que a Constituição de 1838 bem como o Acto Adicional de 1852 contivessem normas nas quais se dispunha sobre a existência de um Tribunal de Contas.
A instituição assim criada sob o impulso modernizador do liberalismo, aproveitando embora uma tradição de séculos no domínio da fiscalização dos dinheiros públicos apresentava, no entanto, características muito marcantes e inovadoras em relação a experiências precedentes: um estatuto de assinalável independência dos seus juizes e a fixação de uma competência de fiscalização claramente diferenciada da competência de administração.
Ao longo de 150 anos a evolução da instituição não foi linear, acusando, naturalmente, as vicissitudes políticas do país.
Sob o regime derrubado em 25 de Abril, o Tribunal de Contas, embora revestido de grande dignidade formal - como se ilustra até pela grandeza desta sala das sessões em que nos encontramos – foi transformado em mero braço disciplinar da actividade financeira da Administração Pública, no âmbito das reformas empreendidas logo nos anos trinta.
Com a Constituição de 1976, o Tribunal de Contas readquire o seu estatuto constitucional e ganha um lugar de corpo inteiro, que nunca havia tido, ao lado dos restantes tribunais.
E foi na sequência deste estatuto constitucional, aliás melhorado nas revisões de 1989 e 1997, que o Tribunal adquiriu a sua actual fisionomia, através da legislação estatutária publicada nos últimos anos, e de que lhe adveio um alargamento significativo da sua competência e da sua jurisdição.
Para além daquilo que resultou directamente dos textos legais, o Tribunal, pela acção dos seus juizes e pelo labor incansável dos seus técnicos, alcançou um significativo prestígio na sociedade portuguesa.
De resto , é inegável a importância crescente que nas sociedades democráticas assumem as instituições de controlo externo e independente das finanças públicas.
A contradição latente entre as necessidades sociais, que exigem crescentes gastos públicos, e a dificuldade de aumentar as receitas, por possível indisponibilidade dos cidadãos para suportar agravamentos da carga fiscal, apenas pode atenuar-se por uma gestão rigorosa dos recursos disponíveis, pautada por regras de economia, eficiência e eficácia.
Por outro lado, a arrecadação das receitas apenas pode impor-se moralmente aos cidadãos contribuintes se for acompanhada de racionalidade e probidade na execução das despesas.
É certo que é ao Parlamento que compete, em primeira linha, como assembleia representativa dos cidadãos e como orgão donde emana o Orçamento, a fiscalização da execução orçamental e a aprovação das respectivas contas.
E é também no Parlamento que deve fazer-se a avaliação da gestão, em termos de responsabilização política por deficiente ou ineficaz execução dos Orçamentos.
Na verdade, constitui sequência necessária desse momento marcante e significativo da democracia representativa que é a aprovação do Orçamento o acompanhamento parlamentar, atento e interessado, de todo o ciclo orçamental.
Mas justamente para acorrer a esta nobilíssima parcela da actividade parlamentar é imprescindível o apoio de instituições superiores de controlo como o Tribunal de Contas.
Assim sucede na generalidade dos países democráticos em que o beneficiário por excelência da actividade destas instituições é o Parlamento; será desejável que, cada vez mais, assim seja entre nós.
Uma evolução nesse sentido, bem como a crescente complexidade das tarefas do Estado com repercussões financeiras, aconselha, de resto, a uma reflexão sobre a própria natureza desta instituição.
Concebida conceitual e constitucionalmente como um Tribunal – órgão que administra a justiça – há-de ter-se em conta que esta configuração pode não esgotar a vasta competência de que desfruta nem a capacidade de actuação que possui.
Recordemos, por exemplo, questões relacionadas com o poder de iniciativa, que detém, de desencadear por si só, sem dependência de qualquer outra entidade, o impulso fiscalizador.
Ou de como compatibilizar o estatuto judicial e o facto de no seu seio se desenhar a acusação e se ditar a sentença, utilizando em ambas as vertentes a mesma actividade de um corpo de funcionários especializados como é o dos Serviços de Apoio.
Uma palavra final para referir um aspecto da maior importância na actividade do Tribunal de Contas.
O Tribunal têm, normalmente, perante si, titulares de cargos políticos, altos funcionários, decisores públicos. Não é fácil ser gestor da coisa pública em Portugal. Sei do que falo por experiência própria.
Sei bem o que é a complexidade do acervo legislativo com que se tem de lidar no desempenho de cargos públicos.

As normas legais apelam ainda, frequentemente, à mera regularidade formal em desfavor da gestão racional dos dinheiros públicos.
Há uma tendência, velha de muitas décadas, de tudo regular minuciosamente, pela via legal, num paternalismo que sufoca a autonomia e o desempenho dos gestores.
Reconheço também quão difícil é, a uma instituição como este Tribunal, a aplicação do direito nestas circunstâncias.
Espera-se do Tribunal de Contas, um incremento da sua capacidade de diálogo com o legislador, da capacidade de o influenciar e de o sensibilizar, dado o excepcional ponto de observação que ocupa sobre a Administração Pública.
Mas também pode esperar-se, obviamente sem quebra da sua competência, um reforço das potencialidades do Tribunal no diálogo com os próprios titulares de cargos públicos, numa função pedagógica e orientadora da maior importância.
A modernização do Estado e da Administração Pública é uma tarefa crucial do nosso presente e nenhuma instituição pode alhear-se dela.
Precisamos de levá-la a cabo com entusiasmo e esperança, assumindo naturalmente algum risco, combatendo o conformismo e a lassidão.
Queremos poder contar com esta Instituição nesse caminho que necessariamente temos de trilhar, rumo ao futuro.