Sessão Solene Comemorativa do VIII Centenário da Cidade da Guarda

Guarda
27 de Novembro de 1999


E difícil não sentir o peso da história. Oitocentos anos de cidade é um tempo que nos transcende e que na sua longa espessura dificilmente se evoca.
Alguns têm o privilégio de recorrer a erudição e nela apoiados percorrer os séculos, narrar glórias e desditas, convocar lendas e mistérios., citar personagens e narrativas das gentes que aqui, viveram e das tradições que deixaram. Mas não é esse o meu caso.
Só por exercício de imaginação olho na distância o recorte da Guarda e recrio o que terá representado há oitocentos anos aquela carta de foral e o fio do tempo que dai, ininterruptamente decorre até esta comovente sessão. Percorro o casco histórico da cidade e sinto o passado presente na estrutura urbana, na arquitectura, nos monumentos. Mas sinto, mais forte ainda, o presente desse passado. As pessoas. A sua vida. A vitalidade da cidade. E a força telúrica com que olham em frente, para a vida. Com orgulho, com legítimo orgulho por pertencerem a esta cidade. Com confiança. Com a inabalável confiança, com que encaram. o futuro, fruto de quem, ao longo de tanta historia,, aprendeu, quando necessário., a cerrar os dentes e a lutar pelo que é seu, mas também pelo lugar e pelo papel que a Guarda deve desempenhar no desenvolvimento de Portugal.
E quando sinto essa força que emana das pessoas que, confesso-vos, me apetece mais falar do presente e do futuro do que do passado. Só garantindo o futuro asseguramos a continuação do passado.
E o futuro é, em primeiro lugar, o futuro das pessoas. É pensando nelas que devemos abordar a realidade e perspectivar o desenvolvimento. Mas, onde estão as pessoas? Porque diminui a população deste interior? Para onde vão? Porque não ficam na sua terra? Porque é que o sonho e a esperança se sediaram aqui durante séculos e hoje parecem poder existir apenas no litoral?
Sem pessoas o território nem paisagem é. Sem possibilidade de desenvolvimento o presente não passará de um arrastar do passado.
A primeira homenagem a fazer à Guarda, neste dia., só pode ser a de assegurar que ao amor próprio, á coragem, á determinação e á riqueza humana da sua população corresponde, por parte do Estado, uma visão equilibrada e justa do desenvolvimento do país que permita às pessoas condições para continuarem a viver na terra que ajudaram a construir, a nela poderem.. com qualidade educar os seus filhos, a encontrar oportunidades de trabalho e de investimento para, em suma, não serem forçados ao exílio dentro do seu país.
Deixámos, durante demasiados anos, que a modernização se fizesse sem atender ao necessário equilíbrio de desenvolvimento entre as diferentes partes do todo nacional.
Hoje, temos um sério problema entre mãos. Temos de ter consciência que o impacto das políticas que afectam o desenvolvimento tem efeitos duradouros sobre as comunidades e que quando esses efeitos são negativos as suas consequências são difíceis de inverter.
Nos últimos quarenta anos acumulámos problemas a que hoje temos de dar resposta. Não são respostas fáceis. Por isso mesmo, e hoje necessário ouvir as pessoas, envolve-las nos processo de decisão, ajudá--las a pensar colectivamente o futuro da sua região, e, assim, a compreender e a partilhar as opções que o país, no seu todo tem de fazer.
As pessoas não querem que se lhes dê um futuro. Querem escolher o futuro.O que o Estado lhes deve fornecer e, por isso, por um lado, a informação, para que percebem as opções que se lhes colocam e as suas implicações nas outras comunidades, e, por outro, a possibilidade de debaterem os caminhos que afectam o desenvolvimento da sua região.
Sem o conhecimento e a consciência do desenvolvimento previsível para a sua terra, ninguém se sente comprometido com um futuro incerto que depende de decisões em que não participam e onde não encontram, por isso, esperança.
A Guarda tem de recuperar a possibilidade de desempenhar um importante papel no desenvolvimento do país. Tem para isso excelentes condições. Possui um belíssimo património natural, valores culturais riquíssimos, um vincada identidade histórico-cultural, uma qualidade humano que vos distingue. Tem uma localização, do ponto de vista geo-estratégico, muito importante podendo desenvolver todos as suas potencialidades como via de comunicação rodoviária e ferroviária transformando a Guarda num polo de desenvolvimento e numa plataforma logística no intercâmbio de mercadorias.
Mas é preciso dar a essas, entre muitas outras potencialidades, condições para se desenvolverem. E é preciso fazê-lo agora através de uma estratégia clara de desenvolvimento do interior.
Sei que a Guarda dará sempre o seu melhor para aproveitar as oportunidades de desenvolvimento. Mas temos de reconhecer que isso não depende apenas do vosso empenho. Há condições que só o Estado pode assegurar.
A Guarda, e todo este interior, precisa do IP2, condição necessária a uma correcta e equilibrada estruturação das relações interior-interior, norte-sul, e não apenas interior-litoral. Necessita de se articular eficazmente, com os mercados regionais transfronteiriços.
Não é hoje o dia para debater a estratégia de. desenvolvimento para a Guarda. O que quero realçar é que a capacidade de construir o futuro tem de ser pensada colectivamente, de forma aberta, clara e participada pelas populações. E que a todos, cidadãos autarquia e governo cabe uma porte da responsabilidade pelo desenvolvimento desta região.
A recuperação da actual assimetria de desenvolvimento é muito difícil. E necessário racionalizar e evitar a dispersão e descoordenação das entidades envolvidas no planeamento e na administração do território. Não se podem dispersar energias, nem aumentar os factores de disfunção já existentes.
Sobretudo, não se pode perder tempo. Todos têm dar o seu contributo de modo a ele poder ainda ser útil. De nada serve, por exemplo, fazer estradas se se tardou ao ponto de estar irremediavelmente debilitada a estrutura demográfica e produtiva que era suposto ajudar a revitalizar.
0 tempo é aquilo de que é feita a história destes oitocentos anos que hoje se comemoram. Mas o tempo do passado é um tempo certo, contado em séculos, anos, dias, horas, minutos. É um tempo apenas cronológico, já não muda. Já nada muda no passado. 0.nosso tempo, o tempo do presente, é um tempo por viver. Somos nós que construímos aquilo que nele se faz. No nosso tempo tudo pode mudar. Mas as coisas só mudam se as fizermos mudar a tempo.
0 interior de Portugal precisa de um outro modelo de desenvolvimento, mais equilibrado, mais equitativo, mais solidário, onde as pessoas percebam e confiem que é o mais importante que o futuro do país passa também por aqui. E preciso mudar a tempo de se poder construir um futuro melhor para todos os portugueses.
Viva a Guarda! Viva Portugal!