Sessão Solene na Universidade do Algarve

Faro
19 de Maio de 1999


Agradeço o convite que me foi dirigido pelo Senhor Reitor para visitar a Universidade do Algarve. Agradeço igualmente a sua disponibilidade para acolher e colaborara na organização de uma iniciativa que patrocinei relativa a Armação de Pera. Agradeço-lhe, também, e em especial, as suas palavras e a substância delas.
O contexto desta visita, quando se assinala a passagem dos 20 anos da Universidade, é adequado para dirigir as mais vivas felicitações a todos os que nela estudam e exercem as suas actividades profissionais. Quero pois prestar homenagem à Universidade do Algarve, pelo esforço aplicado em proporcionar um ensino de qualidade, desenvolver a investigação cientifica e a prestação de serviços à comunidade. É uma homenagem que envolve todos os que têm dado o seu saber e a sua dedicada, o seu empenhamento e a sua capacidade, nas diversas fases desta instituição e nas diversas escolas que a compõem, politécnicas e universitárias.
Entendo que devo estar especialmente atento ao domínio da educação. É um domínio que se prende com a realização pessoal dos portugueses, com o desenvolvimento do país, com a qualidade da nossa democracia.
Tenho seguido tão de perto quanto possível a evolução e os problemas dos ensinos básico, secundário e superior. Este ano lectivo foi para mim particularmente rico em contactos com o ensino universitário e o politécnico, que prosseguirei no próximo ano. Conheci melhor as novas instituições de ensino superior público, em especial no que toca às novas respostas pedagógicas e curriculares que têm produzido, e às parcerias em que participam surgidas no âmbito de programas de desenvolvimento.
A experiência da Universidade do Algarve, integrando na mesma instituição escolas universitárias e escolas politécnicas, com a sua diversidade e com a sua complementaridade, suscita o maior interesse.
Certamente que os desafios colocados por esta matriz, pioneira no nosso País, são difíceis e complexos, como aliás o Senhor Reitor sabe, melhor que ninguém. Sei que tem procurado o equilíbrio do desenvolvimento institucional, aperfeiçoando a articulação dos dois sub-sistemas de ensino superior.
Considero aliás que seria útil e oportuno promover uma reflexão aprofundada sobre esta dimensão do percurso da Universidade do Algarve. Constituiria certamente um dado de grande importância para o estudo do sistema binário português e ajudaria a desdramatizar a discussão sobre o tema. Não devemos perder esta boa oportunidade de aprofundar o conhecimento e valorização das experiências, competências e inovações de cada um dos sub-sistemas de ensino superior em causa.
Tem-se considerado que o ensino politécnico, de criação mais recente, trouxe ao sistema de ensino superior contributos relevantes, sobretudo no domínio das formações de teor eminentemente prático e ligadas ao mundo das profissões . Dizem-nos as estatísticas que os cursos politécnicos apresentam índices de empregabilidade elevados. Este é seguramente um aspecto que importa aprofundar. Será por outro lado necessário pensar o desenvolvimento do ensino politécnico de modo a criar condições para aumentar a sua capacidade de produção científica.
Em suma, acredito que a análise da diversidade de experiências e modelos constituirá um ensejo para enriquecer o debate sobre o presente e o futuro do ensino superior.
Minhas Senhoras e meus Senhores
Gostaria de me referir às três missões essenciais do ensino superior, a saber: o ensino, investigação e prestação em serviços à comunidade.
O primeiro vector – o do ensino - oferece-nos, no plano quantitativo, uma imagem positiva, que nunca é de mais realçar. O ensino superior português teve uma evolução sem paralelo na Europa. Com efeito deixámos para trás uma situação que era uma das piores da Europa e da OCDE, e hoje a taxa de frequência do ensino superior já ultrapassou 30% da população portuguesa com idades compreendidas entre 18 e 24 anos.
Esta democratização do acesso provocou grandes mudanças no panorama do ensino superior, tanto em termos de composição social, como regional e de género. Estas mudanças, muito rápidas, exigem adaptações não só ao nível da acção social escolar como ao nível da organização pedagógica e do acompanhamento dos alunos.
Noto, por vezes, que esta última dimensão – pedagógica – nem sempre ocupa lugar tão relevante quanto seria desejável nas reflexões dos responsáveis. Ele reporta-se ao acompanhamento pessoal dos alunos, ao diagnóstico das causas do insucesso escolar, à descoberta de estratégias de motivação sintonizadas com as aspirações culturais e profissionais dos estudantes.
Trata-se de uma limitação que importaria ultrapassar de uma forma decidida: creio, com efeito, que nenhuma comunidade educativa poderá realmente ser inovadora e criativa, se não for capaz de mobilizar a inteligência, a disponibilidade afectiva e até mesmo o inconformismo entusiástico dos estudantes.
Ora, para que uma tal mobilização possa acontecer e dar os seus frutos, é indispensável começar por reconhecer as mudanças operadas na própria natureza e composição da população estudantil.
Elas foram impostas quer pelo forte incremento das taxas de escolarização no ensino superior quer pelas transformações da estrutura social portuguesa. E a própria mutação, no plano das aspirações colectivas, decorrente de fenómenos de mobilidade geográfica e social da população portuguesa, também tem de ser tida em conta.
Com tantas e tão profundas alterações ocorridas entre nós nas últimas décadas, é inevitável e saudável que o sistema do Ensino Superior português acolha hoje jovens com características muito diferenciadas.
Sem dúvida, essas características são globalmente bem distintas, nos seus horizontes culturais, das que, ainda há pouco, era normal encontrarmos neste nível de ensino.
Saibamos estar atentos a tal mudança, já que a desatenção pode, no caso, levar a duras formas de incomunicação e a quotidianos bem menos estimulante do que os que idealmente associamos às comunidades universitárias.
Admito que uma perspectiva de actuação centrada no envolvimento activo dos estudantes possa conter alguns riscos de dispersão para os docentes, tão solicitados que já são, quantas vezes, pelas exigentes tarefas da investigação e da actualização científica. Mesmo assim, não quero deixar de apelar aos professores, investigadores e autoridades académicas para que não descurem a reflexão sobre os modos mais eficazes de melhorar a qualidade do ensino superior.Com isso, estarão, afinal, a promover, no exercício da sua profissão, a formação de novas gerações mais preparadas no plano do conhecimento, mais respeitadoras dos valores universalistas da Ciência e da Criação Artística e, seguramente também, mais empenhadas na transformação fundamentada da sociedade em que vivem.
Contribuirão igualmente para diminuir as taxas de insucesso e abandono escolares que deverão ultrapassar os 40%, sendo fonte de um enorme desperdício e desencanto.
No que diz respeito à missão de ensino gostaria ainda de colocar um problema que constituirá porventura o grande desafio para as instituições de todos os níveis de ensino nos próximos anos. Se Portugal deu passos muito significativos no acesso dos jovens ao ensino, existe um profundo desfasamento cultural destes face às gerações que os precederam, constituídas por pessoas que estarão ainda no mercado de trabalho duas ou três décadas e que têm níveis de formação muito deficientes. Esta situação constitui um obstáculo ao nosso desenvolvimento para o qual é necessário encontrar respostas eficazes. Por isso a educação ao longo da vida de que tanto se fala hoje deve ser cada vez mais assumida pelas instituições de todos os níveis de ensino.
Minhas Senhoras e meus Senhores
Refiro-me agora a outra missão do ensino superior que é a investigação.
É, hoje quase consensual que, para ser um bom professor do ensino superior, é indispensável dominar os instrumentos e metodologias da pesquisa, trazendo para o espaço da aula o fervilhar de ideias e de interrogações , aliado ao gosto pela abordagem racional da realidade, constitutivos do espírito científico.
Mas este último tem de estar presente, com particular relevo, naquele tipo de actividades que, segundo muitos, melhor define a especificidade da vida das instituições de ensino superior – refiro-me à investigação científica propriamente dita.
A verdade é que, actualmente, a possibilidade de realizar pesquisa de qualidade, especialmente em determinadas áreas, não se compadece com orçamentos demasiado reduzidos, nem com financiamentos sujeitos a flutuações imprevisíveis. Exige, por outro lado, uma boa inserção dos cientistas nacionais nas comunidades de especialistas dispersas pelo mundo e a criação de condições de alguma atractividade para o prosseguimento de carreiras neste domínio profissional tão exigente.
Sabe-se que alguns problemas de financiamento da pesquisa são resolvidos através da vertente de prestação de serviços à comunidade. Esta é a terceira vertente da missão do Ensino Superior que me propus abordar. É graças a ela que tem sido possível elevar o potencial tecnológico e o conhecimento em áreas estratégicas do desenvolvimento das regiões e do país.
Mas existe alguma ambiguidade no exercício dessa função. Assim, se, por vezes, a procura de um serviço específico não impede nem desvia a instituição dos seus objectivos científicos primordiais, verifica-se outras vezes que a prestação de serviços ao exterior, e em especial, às empresas, cede em demasia às exigências e urgências de solicitações mais ou menos pontuais. Neste último caso, corre-se o risco de despender esforços e energias criativas que seria vantajoso canalizar para tarefas mais enriquecedoras.
Permitam-me avançar a opinião de que é possível, com lucidez e um debate aprofundado sobre os objectivos estratégicos do Ensino Superior, encontrar, a este respeito, os equilíbrios necessários e razoáveis. Não vejo que, para cumprir metas ambiciosas em termos de avanço do conhecimento científico, seja necessário abdicar de responder a procuras formuladas pela comunidade. Pelo contrário: acredito firmemente que a promoção do desenvolvimento económico e social de uma região, assim como afirmação plena de identidade de uma Academia, só terão a ganhar com o aperfeiçoamento empenhado deste intercâmbio.
Atrevo-me, de resto, a ir um pouco mais longe, sugerindo que ao Ensino Superior pode caber um papel absolutamente inovador nesta matéria, tomando a iniciativa de formular projectos que visem a análise e resolução de problemas económicos e sociais da comunidade envolvente. Em domínios tão variados com os do aproveitamento de recursos naturais e da protecção ambiental, do planeamento e reconversão urbanísticas, da modernização e humanização das organizações económicas, da formação ao longo da vida, para não falar de muitos outros, parece-me razoável prever para as Universidades e Politécnicos um papel activo, e não apenas reactivo, na redefinição do âmbito dos serviços à comunidade ao seu alcance.
Minhas Senhoras e meus Senhores
A Universidade do Algarve dedicou este dia à Biblioteca, uma peça justamente considerada fundamental no crescimento da instituição. E, também muito justamente, ligou a ocasião a uma homenagem à Drª Aliete Galhoz, investigadora e Doutorada Honoris Causa por esta Universidade. Quis desta forma simbolizar, se bem percebi, a atenção que numa Universidade construída sob um forte impulso das tecnologias e das ciências “duras”, merecem igualmente as humanidades e as ciências sociais.
Quis também associar-me à homenagem à Drª. Aliete Galhoz, atribuindo-lhe, a insígnia de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. Fi-lo, tendo em conta a sua vastíssima obra de poesia, de ficção e de ensaio, com destaque, neste último campo, para os estudos das obras de Mário de Sá Carneiro, José Régio e Fernando Pessoa (cuja “Obra Poética), pela primeira vez editada no Brasil, organizou).
A investigação nos domínios da Literatura e das Tradições Populares constitui igualmente um trabalho do mais alto valor e uma referência fundamental do nosso Património. Personalidade discreta, mas de grande exigência consigo própria, Drª Aliente Galhoz é, como escritora, investigadora e divulgadora da nossa licenciatura, autora de uma obra caracterizada pelo rigor intelectual, pela probidade científica e por um exemplar sentido de serviço e de dedicação à cultura.
Minhas Senhoras e meus Senhores
Cumpridas duas décadas de vida desta Universidade, nunca será demais sublinhar a importância do trabalho que aqui se realiza, numa grande diversidade de domínios estratégicos. Aliás, a pertinência da investigação aqui realizada e o alcance da formação ministrada são amplamente reconhecidas na região e no país.
O papel revitalizador da sociedade e da economia que a Universidade do Algarve tem desempenhado é fundamental e hoje claramente insubstituível. Vejo, com satisfação, que a Universidade continua a crescer tem em execução projectos de reforma e modernização de cursos e equipamentos.
A todos os órgãos académicos, aos funcionários, estudantes e professores quero dirigir os meus votos de melhor êxito. A si, Senhor Reitor, que tenho o privilégio de conhecer e estimar há muito , quero igualmente desejar as maiores felicidades na realização dos objectivos que se propôs para a Universidade do Algarve.