Sessão de Abertura do Colóquio sobre “Sociedade, Tecnologia e Inovação Empresarial”

Fundação Calouste Gulbenkian
17 de Fevereiro de 2000


Mesmo um olhar apressado sobre as transformações e os montantes transaccionados nos mercados mundiais, por força dos processos de globalização da economia, não pode fazer esquecer as enormes assimetrias que se cavam no nosso globo.
O século XX, um século de grandes extremos, que experimentou uma transformação sem precedentes no domínio da ciência e da tecnologia, ficou também marcado por destruições, totalitarismos, instabilidades e exclusões.
Poucos Estados ou organizações poderão hoje em dia pretender influenciar e muito menos determinar as linhas de força da globalização.
Quer isto dizer que a temos que tomar como uma realidade, tentando antecipá-la para melhor gerir, na verdadeira acepção da palavra, os seus efeitos.
Sabemos todos que futuro não é uma fatalidade, não se encontra escrito ou armazenado em nenhuma base de dados. O futuro é o que resulta das lutas e dos choques das forças em presença. O futuro começa todos os dias.
Por isso, a nossa tarefa colectiva mais importante é a de arquitectar um grande desígnio, racionalizando as visões e as aspirações que vemos emergir na sociedade. É definir um rumo que permita destinguir, na vida económica, as ameaças das oportunidades. É explicitar a direcção que pode acolher e reforçar a diversidade das estratégias dos agentes.
Mas as transformações que as economias dos países ocidentais têm experimentado tem sido cada vez mais rápidas.
A inovação é, por este motivo, crucial para o nosso país. A manutenção de processos ou formas de organização caducos e a recusa em experimentar e avaliar novos procedimentos paga-se caro, neste mundo de concorrência acrescida.
Temos que apelar a todas as iniciativas que estimulem um clima favorável à tecnologia e à inovação, que criem condições concretas para que a competitividade das organizações e a produtividade das empresas portuguesas se eleve. Condições que devem incentivar não só a inovação tecnológica como a inovação na gestão e nos próprias relações de trabalho, que dêem o devido valor ao potencial inovador dos trabalhadores.
E neste aspecto o associativismo empresarial tal como o sindical poderá ter um papel de primeiro plano.
A inovação resulta de um processo de confronto contínuo entre a mudança tecnológica e o ajustamento social a essa mudança.
O sucesso de uma economia baseada na inovação repousa, assim, na capacidade de ajuste social à mudança. Que, por sua vez, permite um novo ciclo de transformação.
A criação da indústria de alta intensidade tecnológica, na segunda metade do século XX, veio confirmar a importância central das aplicações da ciência nas sociedades do mundo industrializado.
A prática empresarial e societal passou pois a depender fortemente de novas ideias cuja origem está intimamente associada ao esforço científico, isto é, não deriva da linguagem natural ou do saber comum. O processo de desenvolvimento tecnológico transformou-se radicalmente.
Por outras palavras, é preciso que os nossos valores e atitudes acolham e assumam uma base científica e tecnológica explícita.
É preciso, pois, que sobre a cultura vigente uma nova cultura se afirme, onde a par do saber ler, escrever e contar dos primórdios da industrialização, se junte agora o saber experimentar e inovar e, também, o saber comunicar em todos os media.
Desafio maior, a que o sistema educativo terá que saber dar uma resposta cabal. Desafio maior, pois de outro modo as empresas não conseguirão fazer emergir comportamentos favoráveis à inovação. Nem legitimar a atitude de assumir riscos face à incerteza nem, concomitantemente, de a financiar.
Não me tenho cansado de afirmar que é preciso estimular uma atitude científica no debate sobre as grandes questões do desenvolvimento da sociedade e da sua sustentabilidade. Tal implica uma atenção e valorização constantes das actividades de investigação, mas também o de através delas conseguir despertar nos mais novos e em toda a sociedade o gosto e a curiosidade de experimentar e de inovar.
Só com um grande apetite pela investigação pode uma sociedade viver e conviver com a inovação. Só com empresas inovadoras pode uma economia competir num espaço cada vez mais globalizado.
A aposta nas pessoas, na sua educação e formação, é hoje um factor decisivo de identidade cultural de um país. O Estado deve, por isso, garantir que os sistemas de ensino e de formação respondam capazmente a essa necessidade estratégica das sociedades modernas.
Deve igualmente garantir a operacionalidade de uma infraestrutura técnica e tecnológica adequada e interlocutora dos agentes mais inovadores da economia. E deve, naturalmente, assegurar um sistema de avaliação exigente e rigoroso que permita, de modo sistemático, aferir com seriedade o trabalho que se faz e orientá-lo face ao desejável.
Uma cultura de avaliação implica, assim, que se tenha a firmeza necessária para tirar as consequências dessa avaliação. É que a sociedade beneficia duplamente. Quer porque se podem tomar decisões, quando for caso disso, baseadas numa avaliação legítima e competente. Quer porque se ganha confiança num sistema que não se limita a produzir relatórios, mas que os transforma em acção política consequente.
São estes, pois, temas de grande alcance e actualidade. Muitas interrogações certamente eles nos suscitam. Mas só através do seu esclarecimento saberemos encontrar um caminho.
Como formar redes de inovação, como sedimentar ambientes inovadores, como estimular, enfim, as atitudes culturais geradoras de inovação? E, como atribuir maior relevância às relações entre as empresas e as universidades?
Como desenhar os esquemas de apoio adequados que permitam que nenhuma inovação séria seja bloqueada por falta de recursos ou de oportunidades de financiamento?
Como reforçar as condições que permitem às empresas, no contexto técnico e tecnológico que é o nosso, introduzir inovações tecnológicas e contribuírem decisivamente para essa inovação?
E, porque a inovação empresarial não se faz sem os trabalhadores, como encarar as relações de trabalho e a formação num ambiente de inovação?
Foi para debater temas como estes que tomei a iniciativa de organizar o presente colóquio, agradecendo desde já a presença de todos, em particular daqueles que se disponibilizaram para proferir as conferências e fazer parte dos painéis que o integram.