Comemorações do 90º Aniversário do Castelo de Santa Maria da Feira

Santa Maria da Feira
29 de Outubro de 1999


O caso do Castelo de Vila da Feira e a sua preservação é um exemplo para todo o país. Ao ser afirmado que “importa decisivamente aos interesses desta terra a guarda, a reparação e o restauro do seu castelo” Vila da Feira demonstrou, de forma pioneira, a importância do envolvimento local na defesa do património, sobrepondo-se a prioridades definidas pelo poder central e levando mesmo o poder central a acompanhar e apoiar as decisões locais.
Em Vila da Feira um grupo de pessoas interessadas neste exemplar único da nossa arquitectura, símbolo de poder e baluarte de defesa nacional, tão ligado à nossa identidade e história, decidiu tomar a seu cargo o restauro e a conservação do Castelo, que permanecera cerca de 200 anos (de 1700 a 1909) em abandono.
Apesar da classificação do Castelo, em 1881, como monumento nacional, nada resultou de concreto que travasse a sua degradação, como então acontecia em muitos monumentos.
Os apelos que foram sendo lançados por ilustres feirenses impediram a derrocada do Castelo, salvando esta verdadeira jóia da arquitectura. Afonso Teixeira do Couto lançou uma subscrição pública, em 1905, a que se juntaram apoios de muitas figuras da terra permitindo realizar reparações urgentes.
Estes trabalhos voluntários conduziram à criação da Sociedade dos Amigos do Castelo da Feira que reunia muitos feirenses que, assim, ligaram os seus nomes a tão singular iniciativa, que a memória não esqueceu.
A génese da Comissão de Vigilância pela Guarda e Conservação do Castelo de Vila da Feira demonstra um elevado sentido de responsabilidade, único no país, para uma comunidade que vê neste monumento parte integrante dos seus valores, dos quais não quer abdicar, revelando uma profunda identificação da terra e da população com este monumento.
A história da “Comissão de Vigilância pela Guarda e Conservação do Castelo de Vila da Feira” que data de 29 de Outubro de 1909, (e sucedeu à “Sociedade dos Amigos do Castelo” de 1905) representa uma iniciativa tão heróica quanto as batalhas que às suas portas se travaram. Vila da Feira demonstrou, no dealbar do século XX, a importância da mobilização das consciências e vontades numa plena afirmação de cidadania.
É necessário que os feirenses e todos aqui presentes continuem esta acção de defesa do património cultural, é importante que Portugal tome este caso como exemplo.
Por isto, quis estar presente neste jantar para destacar a nobreza de ideias e a firmeza na acção dos feirenses e dos membros da “Comissão de Vigilância pela Guarda e Conservação do Castelo de Vila da Feira”. Quero também saudar a Associação Empresarial de Portugal que deseja empenhadamente prosseguir esta obra.
Uma nota final sobre o sentido com que encaro a defesa do património aqui exemplificada.
Nunca será demais sublinhar que cuidar do património é cuidar do futuro, respeitar e valorizar a memória colectiva faz parte integrante dos nosso deveres para com o futuro colectivo.
Respeitar não implica uma atitude passiva de submissão, de mera contemplação, ou sequer de exclusiva conservação. Pelo contrário, respeitar significa estudar, dialogar com, preocupação em compreender e também em acrescentar. Acrescentar novos patrimónios é afinal dar continuidade ao passado, fazer dele um momento no processo criativo das sucessivas gerações.
Também gostaria de pôr em destaque que devemos reforçar o vínculo entre a defesa do património e a cidadania. Esse estatuto - o da defesa do património enquanto promoção da cidadania - sairá dignificado se fizermos do património uma oportunidade: para actividades de formação, e não apenas de divulgação; de formação designadamente de novos públicos e não apenas de transmissão de saber em circuito fechado; para estimular e desenvolver a participação cívica e comunitária; para trazer ao contacto e à fruição do património grupos normalmente menos despertos para os problemas culturais; para criar uma opinião mais esclarecida sobre a salvaguarda e sobre a reutilização, em suma sobre as várias soluções de recuperação e valorização patrimonial.
Tal como tem sucedido noutros países europeus, creio que a defesa do património constitui um ensejo exemplar para um consenso nacional - entre o nacional e o local, entre grupos e sobretudo entre gerações.
Estou interessado em tudo o que possa contribuir para formular e aprofundar esse contrato nacional. Estou convencido, como disse, que ele importa às tarefas da construção do futuro colectivo. Podem por isso contar comigo.