Sessão Solene no Senado dos Estados Unidos Mexicanos

Cidade do México (Visita de Estado ao México)
11 de Novembro de 1999


Quero, em primeiro lugar, agradecer muito penhoradamente as tão amáveis palavras que Vossa Excelência acabou de proferir.
É para mim uma grande honra ser hoje recebido em sessão solene no Senado dos Estados Unidos Mexicanos. Reconheço esta distinção como um acto com profundo significado e interpreto-a como um gesto que, dirigindo-se ao Chefe de Estado de Portugal, se estende a todo o Povo português.
É pois em seu nome que quero saudar, calorosa e afectuosamente, o Povo mexicano, nesta casa que tão dignamente o representa. É uma saudação que me permito formular igualmente em nome da importante delegação de parlamentares que, enquanto representantes do Povo português, me acompanharam neste tão simbólico momento.
Reencontrei no México um país amigo que, como todos os portugueses, de há muito aprendi a admirar. Orgulhosos herdeiros do fecundo legado aqui deixado pelas multiseculares culturas pré-colombianas, os mexicanos souberam, como poucos povos, forjar uma identidade original e plural, que nos impressiona pela sua força de afirmação, pelo seu génio criativo, pela sua abertura.
Ao longo da sua história, o Povo mexicano lutou denodada e corajosamente pela defesa dos valores perenes da independência, da liberdade, da justiça e da paz. À custa do seu esforço e da sua vontade, importantes conquistas sociais e políticas foram aqui alcançadas muito antes de conseguirem vingar noutros países deste imenso continente. Presto-lhe aqui a minha homenagem.
Senhora Presidente
Senhoras e Senhores Senadores
Nesta viragem do século, os valores da democracia vêm-se impondo em todo o mundo de uma forma paulatina mas continuada, como uma vaga imparável, desde a deposição do regime autoritário em Portugal, passando pela queda sucessiva das ditaduras na América Latina e, mais tarde, na Europa Central e Oriental.
Poderemos estar perante um ponto de viragem histórico, capaz de configurar uma nova era. Sabemos contudo quão difícil é, quase sempre, o caminho a percorrer para consolidar processos democráticos, tornando-os irreversíveis.
É necessário, por isso, valorizar constantemente as sedes da legitimidade democrática e do pluralismo político. Naturalmente é também este o sentido da minha presença nesta sessão solene do Senado, instância privilegiada para o debate das ideias e dos projectos em que se molda cada dia o devir e o futuro deste grande país.
Sabemos que não há democracia sem igualdade, que não há igualdade sem justiça, que não há justiça sem Estado de Direito, como não há cidadania sem responsabilidade. O reforço e a credibilidade dos nossos regimes democráticos supõem um constante aprofundamento dos valores em que se fundamentam. Um aprofundamento que exige transparência e rigor no exercício do poder político, equidade na administração do Estado, proximidade entre governantes e governados, percepção aguda do interesse público, acesso a uma informação livre e isenta, aceitação da alternância enquanto imanência da vivência democrática, respostas concretas e eficazes para as necessidades de um mundo em acelerada mutação.
Sabemos ainda que a vitalidade das democracias se afere igualmente pela seriedade e rigor das forças partidárias na formulação, discussão e execução das propostas e dos projectos políticos, necessariamente plurais e quase sempre divergentes.
Creio que se forem permanentemente valorizados estes princípios, se esta gramática for rigorosamente aplicada, várias são as possibilidades que se abrem à nossa imaginação criativa, como várias serão as vias capazes de pôr de pé projectos políticos mobilizadores e portadores de desenvolvimento e de progresso.
Se assim for, com certeza que poderemos contar com a indispensável adesão dos nossos cidadãos às políticas que lhes são dirigidas, tornando-os cada vez mais partícipes na vida pública; eles que são afinal a razão de ser das nossas democracias, em nome de quem concebemos e executamos as políticas.
Senhora Presidente
Senhoras e Senhores Senadores
Vivemos na era da globalização. Não duvido que a este fenómeno imparável no domínio económico deverá corresponder um processo de mundialização de valores e de princípios, que traduza uma aposta política solidária no futuro da nossa aldeia global.
Na última Cimeira Ibero-Americana, que Portugal teve o privilégio de acolher na cidade do Porto, os máximos dignatários da nossa comunidade mantiveram um útil debate sobre este tão importante tema, nas suas múltiplas vertentes. Mediante um debate aberto, participado, com o precioso contributo de todos, e em especial do México, foi possível alcançarmos uma assinalável convergência de perspectivas e um entendimento comum sobre os principais desafios que a globalização convoca neste quase dealbar de um novo século.
Reforçámos a consciência de que importa encontrar respostas conjuntas para problemas que nos são comuns e para desafios que - afectando-nos embora de forma diversa - apelam à solidariedade de todos.
Dentro de poucos dias, na Cimeira de Havana, prolongaremos a reflexão iniciada no Porto, discutindo a situação financeira internacional numa economia globalizada, matéria que já havia sido objecto específico de uma declaração na reunião do ano passado.
É verdade que não se verificou, como muitos temiam há uma ano atrás, uma crise financeira global. Mas continua a ser necessário vencermos vários desafios.
É urgente reformar o sistema financeiro internacional de modo a poder responder às novas exigências e às novas realidades de hoje. É preciso fortalecer a cooperação política entre países e espaços regionais. É essencial a concertação de esforços e de vontades tendendo para a criação de mecanismos correctores das tão marcadas assimetrias que cada dia vemos acentuarem-se, quer entre espaços regionais, quer no interior dos Estados menos prósperos. É fundamental encontrarmos um novo equilíbrio entre a lógica do mercado e os valores da equidade que o poder político tem o dever de promover e fomentar.
Senhora Presidente
Senhoras e Senhores Senadores
No primeiro semestre do próximo ano, Portugal assumirá a Presidência da União Europeia, o que acontece pela segunda vez desde que aderiu às então chamadas Comunidades Europeias, em 1986.
Somos um velho país com vocação universalista. Não estranhará pois que tenhamos apoiado sempre com firmeza o fortalecimento do relacionamento da Europa com outras regiões do mundo, a Ásia, a África e, em particular, a América Latina. Assim continuaremos a fazer.
Entendemos que para aproveitar de forma positiva a globalização é essencial fortalecer os vários processos de integração e aumentar a sua complementaridade.
O natural empenho de Portugal no reforço das relações entre os nossos dois continentes ficou bem patente na ainda recente Cimeira do Rio, cuja presidência, do lado latino-americano, o México partilhou com o Brasil, contribuindo para o seu sucesso; um sucesso que constitui um estímulo seguro para o futuro do nosso relacionamento.
Quero também exprimir a minha esperança na conclusão do Acordo de Livre Comércio entre a EU e o México, o qual, confio, virá imprimir um renovado impulso às nossas relações.
A experiência portuguesa de integração europeia deu-nos a consciência de que não estamos sós perante os problemas que se nos deparam e demonstrou-nos as vantagens de procurar soluções comuns, colectivamente decididas e assumidas. Este é, sem dúvida, um dos muitos aspectos positivos que dela retirámos.
Quis aludir a esta experiência porque ela nos aponta também os caminhos para um relacionamento e um diálogo frutífero entre espaços regionais. Diálogo e relacionamento que serão tanto mais efectivos e objectivos quanto maior for o grau de coesão e desenvolvimento de cada um desses espaços.
Creio que os processos de integração só poderão ser plenamente sucedidos se incluírem uma dimensão política, claramente assumida e partilhada, assente nos valores perenes da democracia, da solidariedade e da justiça.
Senhora Presidente
Senhoras e Senhores Senadores
Na sua acção externa, tanto no plano bilateral, como na União Europeia e no quadro multilateral, Portugal tem constantemente perseguido o objectivo de promover os princípios e valores da democracia, do estado de direito, assim como o respeito pela dignidade da pessoa humana.
No contexto dos propósitos que acabo de enunciar, não posso deixar de evocar a questão de Timor Leste.
Como é sabido, a anexação deste pequeno território nunca foi reconhecida pelas Nações Unidas. Ao longo de mais de duas décadas Timor foi ilegalmente ocupado. No passado dia 30 de Agosto, num histórico referendo organizado pela ONU, os timorenses escolheram de forma categórica o seu futuro, numa
votação que decorreu com um sentido cívico que a todos nos impressionou.
A tragédia vivida nos dias que se seguiram ao anúncio do resultado desta consulta popular indignou o mundo e provocou uma reacção enérgica que quero aqui saudar. A mobilização de uma força multinacional encarregue de garantir a paz e a segurança daquele território mostra que a Comunidade internacional é capaz de reagir com determinação a situações inaceitáveis no plano político e moral.
Devemos igualmente congratular-nos pela histórica resolução da Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas adoptada na última Sessão Especial, da qual resultou a formação de uma Comissão de Inquérito Internacional, para cuja aprovação tanto pesou o indefectível apoio de quase todos os países da América Latina.
Quero acreditar que os valores que tão repetidamente enunciamos poderão um dia ser efectivamente garantidos. Quero acreditar que situações em tudo idênticas no plano dos princípios merecerão idênticas respostas. Quero acreditar que estamos a dar passos firmes no sentido da edificação laboriosa mas possível de uma nova sociedade internacional, na qual a salvaguarda dos princípios constitua condição de legitimidade dos interesses.
Señora Presidenta
Señoras y Señores Senadores
Los portugueses conocemos y admiramos la historia del pueblo mexicano, un pueblo con el que siempre hemos mantenido una relación amiga, una relación de confianza, que deseamos profundizar y desarrollar cada vez más.
Esta visita de Estado, y en particular mi participación en esta sesión solemne del Senado, pretende hacer eco, junto de los representantes del pueblo mexicano, de esta admiración, esta amistad y esta confianza en el futuro de nuestras relaciones.
Permitánme concluir citando las palabras sabias y certeras del gran escritor mexicano Carlos Fuentes, pronunciadas en esta misma sala hace poco más de un més, cuando le fue otorgado el Premio Belisario Domínguez. Creo no haber mejor forma de expresarles mi profundo agredecimiento por la tán cordial y calurosa bienvenida que me han brindado y de homenajear su labor, ustedes que son hombres de palabra y de acción:
“ (...)
Destino de los actos.
Destino de las palabras.
no es cierto que sólo la acción cuente y la palabra no importe.
la palabra y la acción caminan de la mano, en días de sol y en noches turbias.”