Aos Presos Políticos

Peniche
13 de Março de 1999


Agradeço à Câmara de Peniche o convite para esta visita e a oportunidade para tomar contacto com alguns projectos em desenvolvimento na cidade.
Quis porém que esta visita se não resumisse a uma presença meramente protocolar. Aliás, poder-se-ia mesmo dizer que os problemas e as realizações que ocorrem nas nossas cidades e concelhos são demasiado importantes para que lhes dispensemos meras passagens protocolares.
Estou pois aqui hoje - como procuro estar nas deslocações que efectuo - para ver e para ouvir, para exprimir uma solidariedade concreta e para valorizar as iniciativas igualmente concretas.
Os portugueses têm exercitado, nas últimas décadas, uma capacidade colectiva de realizar e absorver mudanças fundamentais. Para muitos, essa capacidade era talvez insuspeitada. Não me canso, por isso, de sublinhar os exemplos concretos dessa capacidade e de apelar à energia e ao esforço nacionais para melhorar as nossas condições de existência e aperfeiçoar as condições da igualdade de oportunidades e da equidade.
A visita a Peniche abrange, além da Fortaleza, as instalações portuárias, a cooperativa CerciPeniche e a associação dos Bombeiros – em suma, organizações e locais onde todos os dias se combate pelo futuro, seja contra a exclusão e pela reabilitação da pessoa deficiente, pela competitividade das nossas actividades marítimas, ou pela segurança das pessoas e bens em situações de emergência.
Quero aproveitar para, de uma forma especial, dirigir uma saudação a Peniche, à cidade e ao concelho.
Permitam-me que, nessa saudação, destaque em primeiro lugar a Peniche dos pescadores, que, durante séculos, foi a alma da povoação e da sua economia; essa é uma Peniche de grandes sofrimentos, de determinação e de solidariedade; uma Peniche de heroísmo e de trabalho, cujas marcas fazem parte da nossa cultura. Quero dizer que, apesar das dificuldades de ontem e de hoje, essa Peniche não é dispensável, temos o dever de tudo fazer para poder continuar a contar com ela.
Saúdo também os outros ramos de actividade e os outros profissionais de Peniche - uma cidade que se expandiu fortemente em áreas de serviços e indústrias, as quais ajudaram a fazer de Peniche uma cidade moderna. Acredito que com o seu empenhamento e sua iniciativa será possível continuar a resolver os problemas complexos que a cidade tem pela frente e que o seu município, em colaboração com o Estado central, está a combater.
Tem esta fortaleza onde nos encontramos e bela idade de 354 anos, se li bem a lápide da porta de armas. É um lugar de memória para Peniche e para o país.
Visitei esta fortaleza em 1991, já então aqui se desenvolviam actividades culturais e se perspectivava para este local um centro cultural e de lazer. Creio que esse projecto está hoje mais próximo, com a afectação de parte das instalações a uma pousada, contribuindo não só para a preservação deste património, como para a valorização do seu papel na vida cultural e económica da cidade.
Durante 40 anos, entre 1934 e 1974, esta fortaleza foi depósito de presos políticos. Vindo aqui hoje, quero também evocar essa circunstância, porque ela faz parte da nossa história colectiva.
Faço-o serenamente. Sem qualquer assomo de ajuste de contas com o passado, mas também sem passar ao lado dos factos, por mais incómodos que pareçam.
Por aqui passarem muitos portugueses que, com a sua palavra e os seus actos, desafiaram a Ditadura. Quis, de forma muito simples, lembrá-los a todos, sem excepção e por isso convidei alguns deles a acompanhar-me hoje nesta visita.
Quero agradecer-lhes o terem aceite o meu convite, caros Manuela Bernardino (em memória de José Bernardino), Dias Lourenço, Carlos Brito, Domingos Abrantes, António Borges Coelho, Edmundo Pedro, Fernando Pereira Marques, António Peres Metelo, José Luís Saldanha Sanches, Fernando Brederode Santos, Rui D`Espinay e Manuel Serra. Por vosso intermédio quero saudar todos os que por aqui passaram.
É um reconhecimento devido em nome da Democracia - sem a qual não estaríamos aqui – pelo facto de terem tornado possível a Liberdade. Na vossa pluralidade - de gerações, de orientações, de proveniências - vocês representam a Dignidade de Portugal, forjada na afirmação da autonomia individual, na reivindicação de uma cidadania plena e na convicção de que se há um destino que vale a pena é o da Liberdade. É graças à Resistência que Portugal pode dizer, pelas palavras de Jaime Cortesão, referindo-se à Liberdade:
“Bem sei que é necessário conquistar-te/ A cada dia e a duro preço. / Por ti tenho sofrido quanto os homens/ Podem sofrer. Por isso te mereço”.
Jaime Cortesão esteve aqui, detido nesta fortaleza, em 1940.
O regime da Liberdade que hoje vivemos é indissociável do pluralismo. Foi esse tributo ao pluralismo que quis simbolizar neste convite a personalidades tão diversas para me acompanharem nesta visita. É o pluralismo que defende a Liberdade, que defende e consolida.