Sessão de Abertura do 1.º Simpósio da Fundação BIAL «Aquém e Além do Cérebro»

Universidade do Porto
29 de Março de 1996


E´ com muito gosto e interesse que estou presente na sessão de abertura do 1.º Simpósio da Fundação Bial, dedicado ao tema tão cheio de actualidade «Aquém e Além do Cérebro».
Ao agradecer o amável convite que me fizeram para aqui estar, hoje, e as palavras tão gentis que me dirigiram, não posso esquecer que é a primeira vez que venho ao Porto, desde que iniciei oficialmente as minhas funções de Presidente da República. Quero, por isso mesmo, saudar o povo desta cidade de liberdade e de trabalho, cuja sociedade civil tem sabido estar aberta à inovação e à modernidade cultural.

As iniciativas de âmbito científico, educativo e cultural da Fundação Bial são um exemplo disso mesmo. Quero, por isso, felicitar o seu Presidente, Dr. Luís Portela, e incentivá-lo a que a Fundação prossiga a sua acção tão meritória.

Os temas deste Simpósio, o prestígio científico e a categoria das personalidades que nele participam — e que saúdo vivamente — dão bem a medida da sua importância e grande interesse deste acontecimento científico e cultural.

A ciência e a técnica constituem, como sabemos, a matriz que organiza a visão moderna do Mundo. Nos últimos anos, os avanços que nelas se verificaram mudaram a imagem que tínhamos do universo, da natureza e do homem, com vastíssimas consequências em todos os domínios da experiência humana. Tudo acelerou e se transformou vertiginosamente.

Um dos campos do saber científico em que essa revolução tranquila se está a operar com maior intensidade e fundura é precisamente o das ciências ligadas ao cérebro e à mente (neurologia e neurobiologia, psiquiatria, psicanálise, psicologia nas suas várias disciplinas, etc.). As implicações epistemológicas e filosóficas dos avanços do conhecimento nestas áreas são imensas, fascinantes e, em larga medida, imprevisíveis. Mas também levantam questões que, por vezes, são perturbadoras e mesmo preocupantes.

Temos de estar conscientes e preparados para os desafios que aí vêm e para os novos problemas que temos de enfrentar. É preciso uma atitude nova, respostas mais rápidas, uma renovação e actualização permanentes.

A circulação de informações e de saberes é uma exigência do nosso tempo. A necessidade de especialização cada vez maior e mais qualificada não pode nunca ser sinónimo da criação, na sociedade humana, de um outro e novo dualismo irredutível, de uma separação entre uma pequena elite que sabe, conhece e decide, e uma imensa massa automatizada e desinformada que obedece e ignora.

É, por isso, que a responsabilidade ética da ciência — que há algumas décadas ocupou um lugar central no debate político e filosófico — volta a estar na ordem do dia. Os cientistas, que dedicam as suas vidas ao trabalho em favor do conhecimento e da liberdade de criação e investigação, são os primeiros a sentir a importância destas questões e a assumir a responsabilidade de as equacionar e debater.

O acesso de cada vez maior número de cidadãos à informação científica tem de ser uma preocupação de todos e é condição de um progresso harmonioso.

Hoje, o grande desafio das sociedades é o da sua capacidade para investirem na educação, na ciência e na cultura. É isso que distingue as sociedades que querem e podem desenvolver-se daquelas que ficarão presas, como uma fatalidade, a um atraso crescentemente irrecuperável.

Estamos a viver uma grande transformação. Os instrumentos e os meios que fazem funcionar o nosso modo de vida contemporâneo deixaram de se basear no saber comum. São demasiado especializados. Têm que ser aprendidos e ensinados.

A necessidade de um enorme esforço colectivo de aprendizagem é fundamental no nosso tempo. Este esforço, que implica também um grande empenho no domínio da comunicação, baseia--se na criação e na investigação, no florescimento contínuo de saberes disciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares, na sua transmissão e difusão. Só assim se consegue o desaparecimento progressivo do fosso existente entre a cultura das elites e a cultura das massas, alargando-se o património cultural em simultâneo com o aumento da capacidade de investigar, criar hipóteses, conhecer, escolher e agir.

Para isso, é preciso aprofundar o conhecimento científico sobre a sociedade, sobre a natureza e sobre o próprio homem, e promover o espírito crítico e participativo. A alternativa terrível e que temos de saber evitar é a destruição lenta mas inexorável da ciência dos saberes argumentativos e, com ela, o ataque aos fundamentos que legitimam a própria ordem em que a sociedade moderna assenta.

É preciso «reencantarmo-nos com o mundo», no dizer feliz do grande cientista e Prémio Nobel Ilya Prigogine. É necessário reconhecermos — tirando daí todas as consequências — que os seres humanos e a natureza fazem parte de um mesmo universo.

A construção de um futuro justo, equilibrado e solidário, que respeita as diversidades porque visa a universalidade, precisa deciência e de boa ciência. Mas precisa também de consciência. Consciência do que está em causa neste final de milénio e que é o reencontro do homem consigo e com a Natureza, assegurando o desenvolvimento integral das suas capacidades, ao serviço de um Mundo melhor para todos os seres humanos.

Sei que esta reunião, directa ou indirectamente, vai tratar destas questões, na pluralidade das vozes, concepções e experiências dos cientistas que nela participam.

Agradeço a vossa atenção e desejo os maiores êxitos ao Simpósio. Aguardo, com muito interesse e curiosidade, as conclusões dos vossos trabalhos.