Sessão Comemorativa do 85.º Aniversário do Instituto Superior Técnico

Instituto Superior Técnico
04 de Outubro de 1996


A criação no nosso país de universidades modernas deve-se, como se sabe, ao regime republicano saído da Revolução de 1910, que amanhã justamente se comemora.
Com efeito, é por decreto promulgado no ano que se lhe segue que se criam duas novas universidades fundadas sobre o princípio da investigação: a de Lisboa e a do Porto. É também no mesmo ano que é criado o Instituto Superior Técnico que viria a integrar a Universidade Técnica de Lisboa aquando da sua fundação, em 1930.

Permitam-me, apenas de passagem, uma nota pessoal e afectiva.
É que à criação desta casa me ligam laços familiares, já que entre os seus fundadores se encontra o meu familiar Alfredo Bensaúde. E também nos ligam laços político-culturais: ninguém da minha geração e das subsequentes, com interesse pela realidade, pelo mundo das ideias e de liberdade, foi indiferente ao papel que esta escola, sobretudo a sua Associação de Estudantes, desempenhou nas nossas vidas. A presença da Senhora Presidente da Associação Académica entre nós, e de tantos estudantes, numa escola felizmente transformada, é para nós símbolo que vale a pena lutar. Desejo, por isso, aos estudantes as maiores felicidades neste mundo de mudança.

O contributo do IST para a modernização de Portugal é inquestionável, quer em termos do número e qualidade dos seus licenciados, mestres e doutores, quer em termos das instituiçõesque se criaram à sombra da sua pujança pedagógica e científica, quer ainda em termos da participação dos seus investigadores docentes em programas de investigação de âmbito nacional e internacional.

Quero, por isso, simbolizar e expressar com a minha presença aqui o reconhecimento que é devido por um trabalho de décadas e deixar a todos uma palavra de incentivo para o importante contributo que Portugal espera do Instituto Superior Técnico para a sua modernização.

Se a República trouxe consigo a criação de modernas Universidades, a Democracia portuguesa, garantida pelo 25 de Abril, trouxe consigo um aumento considerável da rede de ensino superior, tendo criado novas oportunidades a milhares de jovens e novos pólos que se espera possam vir a contribuir para a modernização e o desenvolvimento de Portugal.

Essa rede, fruto da evolução dos últimos vinte anos, expandindo-se entre o sector público e o sector privado e cooperativo, possui hoje, na sua diversidade, sectores de grande qualidade científica, tecnológica e cultural com espírito de iniciativa e capacidade de realização que importa promover, apoiar e incentivar. Vão para eles a minha homenagem e reconhecimento, como Presidente da República, pelo importante contributo que prestam ao País.

Portugal figura entre os países da União Europeia onde o crescimento do ensino superior foi mais acentuado. De entre todas as virtudes e méritos desse desenvolvimento — que naturalmente tem também os seus problemas — quero sublinhar a importância da democratização do acesso que esse crescimento permitiu. Essa é para mim uma das importantes realizações da democracia portuguesa com a qual me congratulo.

Mas quero, por outro lado, realçar que numa sociedade como a portuguesa o aprofundamento da democratização do acesso exige que se continuem a melhorar os apoios sociais. Reconheço com apreço, todavia, o grande esforço já realizado para compensar as insuficiências.

Considero que esta evolução global trará, inevitavelmente, consequências muito positivas no desenvolvimento do País. Vivemos, a meu ver, um dos períodos mais promissores para o ensino superior. Mas este é também um momento de maior rigor e exigência nesse grau de ensino.

Não vos esconderei, por isso, as minhas preocupações quanto a este sector, onde existem, como natural consequência do crescimento, crises de identidade dos seus subsectores, grandes desafios quanto à generalização dos processos de avaliação já iniciados, que acredito poderão constituir factor decisivo para a qualidade pedagógica e científica e, existindo, também, ao mesmo tempo algumas indefinições quanto a modelos de financiamento.

É, aliás, importante que se realize com sucesso o processo de negociação sobre o modelo de financiamento do ensino superior já iniciado. Esta é uma questão crucial.

Para atingirmos padrões europeus no que diz respeito a níveis de formação, o crescimento terá de prosseguir ainda. Mas a fase de transição que atravessamos exige que se repense o sistema de ensino superior que temos e exige que se invista na sua qualidade.

Tenho seguido com o maior interesse os estudos e debates sobre a especificidade e identidade dos vários subsistemas do ensino superior. A sua diversidade — que conta hoje com a importância do ensino superior politécnico e do ensino superior particular
e cooperativo — será seguramente enriquecedora para o País. Acredito, porém, que, para que tal aconteça há que aprofundar o debate sobre objectivos e criar incentivos ao desenvolvimento dos processos de avaliação.

Creio que a profunda mudança operada nem sempre foi acompanhada de estratégias de avaliação e correcção das disfunções que inevitavelmente surgem no lançamento de qualquer inovação.

Temos perante nós uma nova realidade. Temos, perante esta nova realidade, de avaliar com rigor e apostar na qualidade, na exigência.

Excelências,

O ensino superior apresenta-se hoje como um dos expoentes da actividade científica em qualquer país do mundo. As primeiras universidades modernas, fundadas sobre o princípio da investigação científica, nas quais o ensino decorre dos trabalhos criativos dos seus mestres, difundem-se a partir do centro da Europa apenas nos começos do século passado. O seu modelo, que instituía uma forte ligação da actividade universitária à prática das academias de ciências, teve um significado político importante: a nova universidade constituía um foco nacional de civilização e de cultura, baseado na articulação e na complementaridade dos saberes.

O que confere identidade e individualiza a actividade de investigação universitária é a definição de centros ou institutos de investigação dentro das universidades, isto é, de conjuntos organizados e formalizados de laboratórios e de espaços destinados exclusivamente à actividade científica.

O prosseguimento de actividades sistemáticas de pós-graduação, que se traduz pela realização continuada de mestrados e de doutoramentos, é uma das mais importantes contribuições das universidades nos tempos contemporâneos, no que se refere à sua função de certificação da qualidade do sistema de ensino — e aqui vemos como a capacidade de investigação sediada na universidade pode assumir um papel da maior relevância na sociedade.

Temos que reconhecer, contudo, que o peso dos aspectos relacionados com a ciência e a tecnologia que concorrem para a formação da cultura da sociedade portuguesa é ainda muito pequeno; basta lembrarmo-nos de que uma das principais fontes de inovação no nosso país continua a ser o conhecimento importado do exterior; que a atitude prevalecente geral é a de que a ciência é para os cientistas e que as empresas é que se devem preocupar com a tecnologia; que os problemas que nos afectam no dia-a-dia raramente são analisados e encarados sob uma perspectiva científica e tecnológica.

Ou seja, em Portugal, ao contrário de grande parte da Europa a que pertencemos, não existe ainda uma linguagem que veicule, no quotidiano, as preocupações do mundo da ciência e tecnologia, permitindo o diálogo e a interacção entre este e o mundo que o rodeia.

Claramente, a ideia que pode justificar o nosso esforço colectivo com vista ao aproximar do próximo século não pode ser a de um Portugal acientífico e acrítico, a de uma sociedade contra a ciência; deste modo, reforçar a componente científica e tecnológica na cultura portuguesa contemporânea constitui uma tarefa essencial do presente. A universidade tem aqui uma missão cujo alcance é fundamental realçar.

Por outro lado, é necessária a contribuição do ensino superior para uma sociedade mais culta e solidária.

Para que tal aconteça, é importante que os cursos de ensino superior, para além da formação para uma profissão, incluam elementos susceptíveis de promover o interesse pela intervenção sócio-cultural e cívica.

As instituições de ensino superior não valem apenas pelas suas matérias curriculares, mas também pelo ambiente cultural e científico que proporcionam e pelo seu contributo na educação para uma cidadania activa.

De igual modo as instituições de ensino superior, detentoras de saber científico e cultural, têm como missão fazer chegar esse saber à sociedade em geral. Deste modo poderão contribuir para a formação de um pensamento mais rigoroso e exigente na população.

A modernização do País depende fortemente da percepção de que o papel social das instituições se alterou significativamente. A capacidade de adaptação à mudança é uma condição decisiva da modernização. Ninguém pode ignorar esta realidade. Nem o sistema político. Nem as instituições.

A escola desempenha, neste sentido, um papel insubstituível.
A aposta na Educação, em geral, e no Ensino Superior, em particular, constitui, por isso, uma base essencial do desenvolvimento. A formação cultural da sociedade portuguesa tem de estar mais fortemente imbuída dos aspectos relacionados com a ciência e a tecnologia. A divulgação científica é uma base cultural essencial ao desenvolvimento do País.

A proximidade entre o cidadão e as novas tecnologias não pode ser posta em causa por uma visão restrititiva da ligação entre a escola e a sociedade nem por custos de acesso a novas tecnologias que se tornem num novo factor de descriminação e exclusão.

Reforçar a componente científica e tecnológica na cultura portuguesa contemporânea e democratizar o acesso às novas tecnologias constitui uma tarefa prioritária da modernização.

Excelências,

À guisa de conclusão, direi, com redundância propositada, o seguinte:

Estamos, irreversivelmente, num momento onde se impõe maior rigor e maior exigência no ensino superior. A avaliação do sistema e a exigência na qualidade são também condições de modernização do País.

Só assim, aliás, faz sentido insistir na importância do aprofundamento da democratização do acesso. Esse aprofundamento, trazendo para dentro de escolas de qualidade um número crescente de portugueses é também ele condição de modernização do País.
A melhoria necessária dos apoios sociais é garante de correcção mínima de certas e incontornáveis desigualdades sociais.

Por fim esse caminho terá necessariamente de correr a par da conclusão da negociação ponderada sobre o modelo de financiamento do ensino superior.

Excelências,

Termino estas palavras retomando a associação que inicialmente fiz entre a criação do Instituto Superior Técnico e a implantação da República. O 5 de Outubro foi uma revolução que trouxe uma nova dimensão cívica à participação política dos cidadãos. Mas foi também um movimento ideológico que comportava uma mentalidade científica que associava intimamente a produção de ciência e a sua divulgação à função das instituições e à sua relação com a sociedade em que se inseriam.

Hoje, como então, o ensino superior, como centro de inovação e de formação exigente das novas gerações tem, cada vez mais, pelo ambiente cultural e científico que proporciona e pelo contributo que deve dar na educação para uma cidadania activa de desempenhar um papel essencial na modernização do País.