Sessão Comemorativa do 50.º Aniversário da Escola Secundária Alfredo da Silva

Barreiro
12 de Janeiro de 1997


As minhas primeiras palavras dirigem-se a todos os professores, alunos e funcionários que viveram nesta Escola ao longo dos últimos cinquenta anos. Quero exprimir-vos as minhas felicitações e dar-vos testemunho da importância que concedo a estas comemorações. Quero, igualmente, dizer do meu grande apreço por esta «vila operária», hoje cidade do Barreiro. Aqui se desenvolveu uma das mais antigas concentrações da indústria portuguesa, que deu origem a uma importante dinâmica empresarial, mas também a uma cultura operária de características muito próprias.
A 12 de Janeiro de 1947. Nestes anos do pós-II Guerra Mundial, o Estado Novo lança reformas de fundo do ensino liceal e do ensino técnico. A criação desta Escola insere-se claramente nesta política que tem dois grandes objectivos: libertar os liceus de um número excessivo de alunos e responder às novas realidades do mercado de trabalho. O ensino técnico surge como uma via alternativa ao ensino liceal, reproduzindo, no interior do sistema educativo, um conjunto de hierarquias e de desigualdades sociais.

E, no entanto, é justamente neste nível de ensino que se vão realizar algumas das experiências pedagógicas e educativas mais interessantes do século xx. Permitam-me que refira duas importantes inovações legislativas que têm lugar nesta Escola.

A primeira diz respeito à introdução de uma espécie de ciclo preparatório. Reconhecia-se então que, tendo em conta a idadedos alunos, não era aconselhável «fazer seguir imediatamente à escola primária o ensino profissional» e que se impunha a organização de um ciclo preliminar de estudos comuns. Era o prenúncio das reformas da década de 60 e, sobretudo, das políticas de unificação do ensino da década de 70.

A segunda inovação diz respeito à criação de uma comissão de patronato, constituída por representantes locais, e que detinha importantes atribuições em relação aos planos e programas de ensino, à instalação e funcionamento da Escola, à realização dos estágios profissionais e à inserção dos novos diplomados no mercado de trabalho. Vocacionada para estabelecer um «enlace entre a escola e o contexto social», esta Comissão foi essencial para a consolidação de uma comunidade escolar forte. Foi através dela que se concretizou a participação da CUF e dos Caminhos de Ferro Portugueses no projecto da escola, companhias que asseguraram a realização de muitos estágios de aperfeiçoamento e a posterior integração dos alunos nos seus quadros de pessoal.

Na primeira fase da vida da Escola assistiu-se à emergência de uma cultura própria, construída em grande medida por contraponto com a cultura dos liceus. Foram tempos de importantes apostas pessoais e sociais, que deixaram marcas profundas em todos quantos por aqui passaram. Mas é preciso não esquecer que foram, também, tempos de discriminação e de exclusão social, nos quais o destino escolar e profissional de grande parte dos alunos era precocemente traçado.

E, por isso, impunha-se caminhar no sentido de uma unificação do ensino. No princípio da década de 70, Portugal continuava a ocupar os últimos lugares das estatísticas europeias em relação ao analfabetismo, às taxas de escolarização ou ao investimento público no sector da educação. E era urgente mudar este estado de coisas.

A ideia de unificação do ensino era portadora de um projecto de democratização do sistema educativo. À imagem da maioria dos países europeus, entendia-se que era essencial a criação de um «tronco comum», no quadro da generalização de uma escolaridade básica de 8 ou 9 anos. Não se tratou de uma medida ditada pelo ambiente revolucionário de 1974-1975, como erradamente se tem dito, mas antes de uma evolução natural das políticas prosseguidas na década de 60 e reelaboradas pela reforma Veiga Simão no início da década de 70.

Mas, no campo educativo, as boas intenções nem sempre se transformam em realidade. E é preciso reconhecer que muito ficou por concretizar. De facto, não se assistiu a uma verdadeira unificação do ensino, mas antes a uma extinção do «ensino técnico», com o alargamento do «modelo liceal» ao conjunto do sistema. Isto mesmo reconhece Rui Grácio, um dos responsáveis pelo lançamento do ensino unificado, que lamenta a forma como o projecto inicial foi desvirtuado, tendo desaparecido algumas das suas dimensões essenciais, tais como a cultura tecnológica, a ligação da escola ao mundo do trabalho e a formação cívica.

Nos últimos 25 anos conseguiram-se avanços notáveis, concretizando-se o desígnio histórico de dar a todos os portugueses uma escolaridade de base. Mas as condições de cumprimento desta escolaridade estão ainda longe de serem as ideais. Para utilizar uma expressão corrente: depois da democratização do acesso à escola é preciso trabalhar no sentido da democratização do sucesso.

E para atingir este objectivo, gostaria de chamar a atenção para três ideias que fazem parte da memória desta Escola Secundária Alfredo da Silva.

A primeira diz respeito à necessidade de dar um estatuto renovado às formações propedêuticas no ensino básico, criandomodelos flexíveis de desenvolvimento curricular e acentuando as vertentes tecnológicas, o ensino experimental e científico e
as dimensões artísticas, para além de um conjunto de pré-aprendizagens vocacionais.

A segunda ideia refere-se à urgência de reforçar as componentes profissionalizantes no ensino secundário. Segundo dados recentes, apenas 19% dos alunos portugueses seguem vias profissionalizantes, enquanto a média europeia se situa nos 59%. Esta diferença enorme é, sem dúvida, uma das consequências nefastas da forma como se extinguiram as escolas técnicas no nosso país. Importa pois, e sem qualquer visão nostálgica do passado, lançar dinâmicas novas de formação profissional, que contribuam para dotar os jovens de melhores condições de acesso ao mercado de trabalho.

A terceira ideia prende-se com a concessão de uma maior autonomia às escolas, que lhes permita a produção de uma cultura organizacional própria e a consolidação de redes fortes de ligação ao meio local. Sabe-se que em Portugal a participação dos sectores industriais na formação profissional sempre foi bastante limitada: o caso da CUF e desta Escola é uma excepção. Mas, hoje em dia, é essencial que se criem condições de participação e de responsabilização de todos em torno do projecto de cada escola.

Estas três reflexões retomam memórias da Escola Alfredo da Silva, mas situam-nas em desafios totalmente diferentes. Neste final de século, a formação profissional tem muito pouco em comum com o ensino técnico dos anos 40 ou 50. Já não se trata de aprender um ofício, mas antes de possuir competências para um conjunto alargado de actividades. Já não se trata de actuar numa perspectiva estreita de especialização técnica, mas antes de formar para um espectro largo de intervenções profissionais. Já não se trata de preparar definitivamente para um emprego, mas antes de fornecer as bases de uma formação que continuará ao longo de toda a vida.

As nossas escolas têm de estar mais atentas às mutações tecnológicas e económicas que ocorrem a cada dia. A questão do emprego e, em particular, do emprego dos jovens, é um dos grandes dilemas das sociedades actuais. Não só por razões económicas, mas também por razões de cidadania e de realização pessoal. Articular a educação e a formação é uma forma de abordar esta problemática pelo prisma da integração social e do desenvolvimento pessoal, da partilha cultural e da criação de uma identidade própria.

As dicotomias tradicionais já não são úteis para pensar os tempos de hoje e para enfrentar os desafios do futuro. Temos de as substituir por novas visões do trabalho escolar. É preciso, como disse um dia António Sérgio, que a educação se organize sob a ideia directriz do trabalho produtivo, única forma de garantir ao mesmo tempo a realização individual e o desenvolvimento social.