Mensagem por Ocasião da Sessão Comemorativa do Bicentenário de Sá da Bandeira

Santarém
06 de Janeiro de 1997


Impossibilitado embora de comparecer na cerimónia de hoje em Santarém, desejo associar-me à sessão evocativa do Marquês de Sá da Bandeira, saudando vivamente os promotores da iniciativa destinada a celebrar o bicentenário deste ilustre escalabitano.
Figura destacada da história contemporânea portuguesa, o Marquês de Sá da Bandeira foi um prestigiado oficial do Exército, merecendo as mais elevadas distinções das Forças Armadas. Igualmente brilhante foi a sua carreira política, no decurso da qual foi deputado, senador e par do Reino, sobraçou pastas ministeriais e chefiou por diversas vezes o Governo de Portugal.

Notável estadista, formulou um dos mais claros e coerentes projectos de desenvolvimento do património colonial africano patrocinados pelo Estado português no século xix. A historiografia tem sublinhado a circunstância de esse projecto, datado de 1839, ter por base a abolição do tráfico de escravos, preconizando uma reconversão da economia assente na valorização da mão-de-obra local e na mobilização de capitais para fins produtivos, e colocando um especial ênfase na necessidade de criar uma rede escolar nos territórios africanos sob administração portuguesa.

Este projecto que, aliás, suscitou incompreensões e resistências, e que apenas obteria execução parcial, ocupou boa parte da sua actividade de governante, na Secretaria de Estado da Marinha e do Ultramar, que fundou e que ocupou em vários ministérios.

Bernardo de Sá Nogueira foi um combatente pelo regime liberal, de que foi um dos construtores, e esse não será o título menos relevante pelo qual evocamos a sua acção, dois séculos transcorridos sobre o seu nascimento. A sua própria época o consagrou como referência política tutelar de todo um regime.

Conheceu o exílio, na Europa e no Brasil, e participou na organização da resistência, acompanhando D. Pedro na acção revolucionária pela constitucionalização do regime monárquico, em 1832-34. Voltaria ainda a pegar em armas, nos tempos conturbados que antecedem o meio século, participando no vivo confronto entre partidários de distintas soluções acerca do relacionamento entre Estado e sociedade civil.

O conjunto das iniciativas incluídas no programa evocativo do bi-centenário do Marquês de Sá da Bandeira terá certamente acrescentado novos elementos e perspectivas de compreensão do seu papel no Portugal de Oitocentos. É esse aliás o saldo que, de alguma forma, legitima a mobilização de meios e o esforço dos que nelas se envolveram.

Lembrar os protagonistas da nossa história sendo um acto de preservação e de valorização da memória, importa igualmente abrir o espaço comemorativo à actualização, isto é, ao presente e ao desejo de futuro que inevitavelmente condicionam o nosso modo de sentir e de desenhar o peso da história.

É possível que um dos efeitos da revisão que o nosso tempo julgue oportuno propor à história se reporte justamente à reconsideração do lugar dos protagonistas na leitura da vida colectiva do passado. Sá da Bandeira quem sabe se não recobrará, assim, novas dimensões porventura obscurecidas?

Permanece no entanto o plano da luta pela cidadania, do reconhecimento dos seus privilégios e da afirmação dos seus imperativos, em que se inscreveu a sua acção. A generosidade do seu combate pela liberdade, com risco de segurança pessoal e de vida, o empenhamento na obra de regeneração nacional aí estão para o testemunhar, com uma exemplaridade que diversas gerações puderam reconhecer e admirar.