Cerimónia de Lançamento da «Colecção de Fontes Documentais para a História das Relações entre Portugal e a China»

Universidade de Macau
19 de Fevereiro de 1997


Quero agradecer aos presidentes do Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Fundação Macau a amabilidade do seu convite, que tive muito prazer em aceitar.
Estão de parabéns ambas as instituições por esta iniciativa e pelo seu apoio à obra notável do Professor António Vasconcelos de Saldanha, responsável pela edição destes magníficos volumes, que são uma referência indispensável da história diplomática portuguesa.

Os historiadores e os estudiosos das relações entre Portugal e a China passaram a dispor de um instrumento único para o seu trabalho, que é, igualmente, precioso para os responsáveis políticos. Em política, e designadamente na política externa, não pode haver uma decisão rigorosa sem uma compreensão do passado, nem é possível desenvolver uma visão estratégica sem conhecer o traçado, por vezes tão sinuoso, de um longo percurso, como é
o caso das velhas relações luso-chinesas.

O acordo assinado por Portugal e pela República Popular da China, em 13 de Abril de 1987 — a Declaração Conjunta luso--chinesa sobre Macau — é, sem dúvida, um marco histórico nas relações entre os dois Estados. Mas outros deixaram igualmente o seu rasto na história do relacionamento antigo entre Portugal e a China, que dura há mais de quatrocentos e oitenta anos, e que criou em Macau o paradigma do encontro de civilizações.

No século xvi, para a Europa, a China era pouco mais do que uma ideia difusa, herdada da antiguidade clássica, envolta nos mitos que a representavam como um mundo maravilhoso.

O espírito renascentista, com a sua irreprimível vontade de perseguir o desconhecido, lançou os Portugueses no caminho das descobertas, abrindo as rotas marítimas à procura desse fascinante império dos Chins, terra de sonhos, riqueza e aventuras.

Do lado chinês, a imagem da Europa era, se possível, ainda mais remota. Os anais do Império do Meio registavam, sobretudo pela via dos seus contactos com o Islão, a existência dos longínquos ocidentais, os Francos ou Folanji.

Folanji chamaram os Chineses aos primeiros Portugueses. Depois, os Jesuítas puderam explicar, mais precisamente, quem eram e donde vinham: vinham do Grande Reino do Mar Ocidental, a designação para Portugal, que perdurou pelos séculos.

Em 1513, Jorge Álvares foi o primeiro português a pisar terras chinesas, dando início a uma primeira fase nas relações entre os dois países. Foram precisos trinta anos até se chegar ao Assentamento de 1554, o primeiro acordo entre Portugal e a China, pelo qual se regulam as trocas comerciais e se criam as condições para o surgimento de Macau, que passa a ser a charneira do relacionamento luso-chinês, sem, todavia, o limitar.

Nos séculos xvii e xviii, Portugal e a China são os actores principais das relações entre a Europa e a Ásia. É a fase das grandes embaixadas enviadas ao Imperador da China, a primeira das quais, dirigida por Manuel de Saldanha, chegou a Pequim em 1667, e é também neste período que o Imperador Kangxi envia, pela primeira vez, um seu embaixador ao rei D. João V, o jesuíta português António de Magalhães, recebido no Paço em Lisboa, em 1722.

Na fase seguinte, durante o século xix, num período de declínio, as relações entre Portugal e a China perderam a sua centralidade, e passaram a concentrar-se nos assuntos de Macau. A presença de potências rivais tornou necessário procurar obter um enquadramento jurídico estável para o estatuto do Território, de certo modo redutor da realidade própria de Macau como ponto de confluência, aberto e pragmático, de interesses e culturas.

Esse percurso prolonga-se no nosso século, depois das revoluções republicanas em Portugal e na China, na busca de definições jurídicas para Macau, dos seus limites territoriais e da fixação convencional de direitos e deveres no plano internacional. Em 1949, a suspensão das relações oficiais entre os dois Estados não impediu a continuação de um diálogo informal, no respeito recíproco pelas realidades existentes.

O fim do regime autoritário português, em 25 de Abril de 1974, tornou possível iniciar uma nova fase das relações entre os dois Estados, a partir do estabelecimento de relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China, em 8 de Fevereiro de 1979.

Nesse contexto, reuniram-se as condições para a definição mais precisa de sempre do estatuto formalde Macau e do seu futuro, por acordo entre os dois Estados, através da Declaração Conjunta de 1987 e dos seus Anexos.

Este longo percurso criou responsabilidades que obrigam ambos os Estados. Ultrapassados traumas conjunturais, Portugal e a China podem reconhecer, sem complexos, as virtudes e os pecados de um passado comum. Para as duas partes, é imperativo assegurar que Macau, com as suas características únicas, continue o seu caminho no futuro, reforçando uma identidade própria feita de séculos de história.

É necessário projectar as relações luso-chinesas para lá de 1999, indo buscar ao património comum a sabedoria do seu desenvolvimento.

A História mostra-nos um passado em que Portugueses e Chineses aprenderam a aceitar-se, não a rejeitar-se, e a compor os seus diferendos, com flexibilidade, paciência e imaginação. É essa a lição, válida para todos os responsáveis políticos, dos registos da história diplomática das relações entre Portugal e a China, tão oportunamente publicados.

O respeito pelos compromissos não exclui o respeito pelo passado.