Sessão de Encerramento do I Congresso de Agricultura do Norte

Vila do Conde
06 de Dezembro de 1996


Nesta primeira intervenção que profiro no Norte do País sobre problemas mais especificamente de ordem agrícola, não posso deixar de saudar de modo particular os agricultores, os empresários e gestores de empresas do sector, os seus cientistas e técnicos públicos ou privados, os operários agrícolas, os estudantes, e, em geral, todos os que partilham das preocupações e afazeres das produções do campo — o que tem particular significado para os familiares dos agricultores desta região que em boa parte o são a tempo parcial.
Aproveito para homenagear com saudade um vulto grande entre os técnicos agrícolas portugueses deste século: O Eng.º Agrícola e Silvicultor Artur Castilho. Aluno distinto da «alma mater» dos agrónomos portugueses, ele esteve entre os fundadores da mais antiga revista do sector, a Agros, iniciativa da Associação dos Estudantes do Instituto Superior de Agronomia. Depois exerceu a sua actividade sobretudo no Norte, onde foi não só um notável tecnólogo como percorreu uma carreira ímpar de extensionista e divulgador, cabendo-lhe iniciativas como a famosa Gazeta do Agricultor. Em paralelo com o grande exemplo cívico que a sua vida de democrata, em tempos tão difíceis, sempre revelou.

Em democracia como a nossa o associativismo profissional é da livre iniciativa dos agricultores, embora naturalmente sujeito às finalidades do bem comum e às regras de convivência cívica.
O seu papel no diálogo económico-social está geralmente plasmado em legislação apropriada.

A Revolução de Abril, ao restaurar as liberdades, deu origem a uma corrida tumultuosa também no associativismo agrícola. Extinguidas as Corporações e a sua Câmara, criaram-se variadas associações livres, ligadas às correntes ideológicas que discutiam o futuro da sociedade portuguesa. Não vamos fazer essa história, mas só lembrar que pesaram essencialmente para os caminhos por fim dominantes o quadro mental dos nossos agricultores e o destino das infra-estruturas que, eles e o Estado, haviam anteriormente criado.

Mas se na indústria e nos serviços, estas infra-estruturas dum modo geral foram todas para as associações que sucederam a Grémios e Federações, no sector agrícola a parte mais significativa foi para o associativismo cooperativo — pois eram quase sempre pequenas estruturas de comércio e produção de serviços.
(O grande Instituto dos Cereais havia sido estatizado no governo de Marcelo Caetano.)

Quanto ao associativismo de base geográfica, ele tinha boa tradição em Portugal, trazida pela revolução liberal: os «sindicatos agrícolas» de agricultores. Mas depois veio a má memória: sob o corporativismo, o associativismo não cooperativo tomou-se único e obrigatório e de base dominantemente geográfica. O associativismo profissional, com reduzido significado, ligava-se às políticas governamentais de fileira (o caso da FNPT). A pirâmide edificava-se do Grémio da Lavoura concelhio à cúpula nacional, passando pela federação distrital. Obviamente que o modelo não era democrático, não havia liberdade de associação, nem diversidade nem transparência.

No nosso sector agrário, em que pela dimensão reduzida das empresas muito pouca expressão têm os acordos de empresa, predominam o associativismo profissional e o associativismo empresarial cooperativo, cujas diferenças são agora menos claras pela divulgação da figura de agrupamento de produtores que a UE patrocina activamente.

As Câmaras de Agricultores têm sólida tradição nalguns países da União Europeia, por exemplo na França e na Bélgica e nalgumas regiões de Espanha.

O modelo francês é o mais aprofundado pois não só tem em conta o interprofissionalismo como, com as Câmaras, coordena outros e diversificados interesses, nomeadamente os dos trabalhadores assalariados, os dos municípios e até alguns serviços.

O associativismo regional justifica-se por fornecer uma componente geográfica ao associativismo agrícola profissional, seja ao facilitar a cooperação dos diferentes parceiros a nível local, seja servindo de entidade de diálogo entre as grandes associações e o sector público regional, seja articulando problemas nacionais e componentes locais.

Para tal, não deve haver exclusividade nem exclusão na filiação; como sempre a abertura e a transparência terão de ser paradigmáticas. Não devo deixar de referir que uma parte das associações do Norte não se inseriram na primeira fase institucional desta Câmara.

É interessante lembrar que o Ministério da Agriculturafoi o primeiro a ser desconcentrado; as Direcções Regionais foram criadas em 1977, há quase duas décadas, com dignidade administrativa igual à das Direcções-Gerais. Por alturas desta desconcentração, a pena lúcida de Francisco Sousa Tavares lançou para a mesa precisamente as Câmaras Agrárias a fim de ajudarem o diálogo com o Ministério da Agricultura!

Existe uma experiência recente, a criação de núcleos empresariais distritais do sector industrial que pode ajudar a descobrir um modo eficaz de funcionamento. Mas tal só será possível desde que exista um clima de entendimento, cooperação e entreajuda entre os parceiros agrícolas mais representativos da região.

Parte-se do princípio de que esta Câmara jamais será um factor adicional de fragmentação do associativismo; o seu trabalho só se pode conceber como elemento agregador num país de presença de uma só Nação, de uma única língua, de uma só matriz ideológico-cultural dominante e com fronteiras quase milenárias.

Portugal, país de muitos climas e de diversificados solos, de quase tudo produz e por todo o país. Exceptuando poucas grandes manchas de vinha, de cereais de sequeiro, de hortaliças (ao redor de Lisboa e Porto) e de floresta-climace de sobro (manchas que só merecem o adjectivo grande pela reduzida escala do País), a especificidade da agricultura portuguesa é microgeográfica, pois não diz respeito sequer a conjuntos de Regiões Agrárias.

Se não vejamos o que acontece com os principais grupos de produção agrícolas, e isto só acontece no continente: os bovinos autóctones cobrem o rectângulo nacional do Barroso a Mértola e de Miranda do Douro ao «alentejano chamusco» de Santiago do Cacém; na vitivinicultura, provam-se desde os 44 «verdes» ao «Terras do Suão» (Granja-Amareleja) e do lendário embaixador «Porto» ao original Colares e até o algarvio Lagoa; na olivicultura existem denominações de origem geográfica de Trás-os-Montes ao Alentejo e por todo o país há tradição lagareira; nos lacticínios temos desde os estabelecimentos agrícolas das três/cinco vacas do Litoral de Aveiro às grandes vacarias dos arredores das principais cidades, com empresas transformadoras e magníficos queijos espalhados pelo País.

E por isso quando olhamos o valor acrescentado da nossa agricultura distribuído pelo território que corresponde às divisões administrativas, atrás aludidas, em nenhuma existe qualquer grupo de produções que represente mais de um terço do total nacional.

O Norte onde se insere esta Câmara, que junta as áreas de duas Direcções Regionais do Ministério da Agricultura, significa cerca de um quarto do Produto Agrícola Bruto. E um quarto dos cereais, dois quintos da batata, um terço do vinho e dos bovinos e um quarto do nosso azeite. Semelhante partilha tem o sub-sector florestal.

Mas há sinais de fracturas potenciais: dois exemplos recentes.
De um lado, murmura-se intencionalmente que os agricultores e trabalhadores rurais nalgumas regiões têm mais subsídios, mas que em todo o país se recebem de uma PAC que outros decidiram, esquecendo os críticos que se trata das zonas maispobres da Europa. E do outro, assume-se a doutrina de que as pequenas explorações não têm futuro — quando elas representam um sistema de agricultura «a tempo parcial», que é certamente essencial para o desenvolvimento rural.

Também não se deverá jogar com outro tipo de separação: o da correspondência biunívoca do Norte com o minifúndio e a de um Sul difuso com o latifúndio. É que este Norte não esgota a pequena propriedade — basta pensar nas Beiras Litoral e Alta e em boa parte da Estremadura e do Algarve. E não são poucas as grandes explorações (vitícolas, leiteiras e muitas outras) na região em que nos encontramos.

A agricultura portuguesa não suportará estes gérmenes de divisão, enfraquecida como está, seja ao nível dos rendimentos dos seus activos (os mais baixos entre os profissionais deste país), seja pelo seu pequeno contributo na UE (inferior a 2% do PAB europeu), seja por uma especificidade que tarda a transformar-se em competitividade.

É lugar-comum referir que a agricultura portuguesa atravessa graves dificuldades no quadro da integração na PAC e na globalização. Durante a discussão da entrada do nosso país na então CEE argumentou-se muito com as vantagens específicas da agricultura portuguesa. E apontavam-se subsectores, como o dos frutos e hortaliças que tirariam partido das condições climáticas privilegiadas do chamado Sul. Mas a breve trecho se percebia que muito mais importante que a especificidade seria a competitividade, onde muito mais pesam outros factores: gestão financeira, transportes, qualidade, conhecimento e oportunidade de mercados.

Não deixa também de ser verdade que a integração, tal como está a ser feita na Europa agrícola, cria dificuldades acrescidas às PME portuguesas que de facto se reduzem às muito pequenas.

A Política Agrícola Comum foi naturalmente ditada pelos interesses dos grandes países produtores agrícolas e pelo processo das principais produções arvenses — as mais ameaçadas pela globalização.

Há que fazer a mudança desta PAC para a Política Comum da Agricultura e de Desenvolvimento Rural. O que significa uma voz forte e unida na retaguarda das discussões de Bruxelas.

Encontram-se entre vós elementos que representam a maior empresa portuguesa do sector agrícola — a qual saúdo — pois representa um modelo organizativo da fileira láctea que integra a montante o agricultor e vai até ao retalhista, a jusante; modelo que permite concentrar a mais-valia no sector primário. É empresa cooperativa, mas nem por isso deixa de estar sujeita às apertadas regras da globalização. E neste caso ela mesmo sentiu necessidade de se alargar muito para além do Norte, indo ao Centro buscar maiores dimensão e estabilidade.

Em toda esta área de actividade há grande necessidade de coesão, unidade e participação para que também neste caso os agricultores sintam que a democracia serve para resolver os seus problemas e não para protagonismos institucionais vãos.

Estou certo que, enformada por tais princípios, esta Câmara fará bom trabalho a bem do País e em especial dos seus agricultores.

Como sempre tenho dito, não queremos Portugueses dispensáveis.