Banquete Oferecido pelos Reis de Espanha (Visita de Estado a Espanha)

Palácio Real de Madrid
20 de Maio de 1996


Quero, em primeiro lugar, agradecer as amáveis e generosas palavras de Vossa Majestade, que são, uma vez mais, testemunho dos calorosos sentimentos, do verdadeiro carinho que nutre por Portugal e pelos Portugueses, e que muito nos honram e sensibilizam.
Quero igualmente manifestar a Vossa Majestade, assim como a sua Majestade a Rainha, o reconhecimento sincero de minha mulher, das personalidades que me acompanham e o meu próprio, pelo acolhimento tão cordial que nos tem sido dispensado desde a nossa chegada a Espanha.

Portugal tem em Vossa Majestade um amigo sincero; um amigo que conhece, como poucos, a realidade política, social e humana do meu país; um amigo que muito tem contribuído para o estreitamento das nossas relações.

Não esquecemos, em Portugal, os gestos constantes de Vossa Majestade em prol do reforço do entendimento fraterno e solidário entre os nossos povos, e orgulhamo-nos de tal amizade.

Majestade,

A visita de Estado que hoje inicio — a primeira que efectuo como Presidente da República Portuguesa — correspondendo ao amável convite que Vossa Majestade me transmitiu na manhã seguinte à minha eleição, realça não apenas a perenidade dos laços entre os nossos dois países, mas também o empenho comum numa concertação mútua cada vez mais estreita que nos permita afrontar e vencer os desafios que se colocam à Europa e ao Mundo neste final de século.

As relações entre Estados vizinhos revestem-se de aspectos específicos, muitas vezes marcadas por desconfianças e rivalidades.
O relacionamento entre Espanha e Portugal não escapou, historicamente, a este contexto. Mas a vizinhança directa é também geradora de fortes e variados interesses comuns que importa saber gerir em conjunto, quer no plano bilateral como multilateral.
E é isso que temos vindo a fazer e que continuaremos a fazer, na consciência plena do muito que compartilhamos. A institucionalização de regimes democráticos nos nossos dois países, a nossa comum integração na União Europeia, o facto de fazermos parte do mesmo sistema de alianças, permitiram ultrapassar, definitivamente, os factores que dificultavam uma cooperação efectiva entre a Espanha e Portugal.

Vizinhos e amigos, parceiros e aliados, democracias abertas ao progresso, defensores intransigentes dos valores essenciais da liberdade, dos direitos humanos, da justiça, os nossos dois países criaram já as condições para um desenvolvimento sereno e natural das suas relações, que serve os nossos povos. Relações que contribuem para a consolidação de um projecto europeu assente na igualdade e na solidariedade entre os Estados, para uma Europa mais forte e coesa, aberta ao exterior, que seja um efectivo factor de agregação, de estabilidade e de paz.

O melhor exemplo para o futuro das relações entre os nossos dois Estados está na participação conjunta de soldados portugueses e espanhóis na missão de paz da Organização do Tratado do Atlântico Norte na Bósnia-Herzegovina, onde se joga, em certa medida, o sentido da evolução da Europa. Essa participação marca o fim de um longo isolamento, que pôde ser ultrapassado pela vontade de demonstrar uma vinculação real à defesa da segurança europeia, pela determinação de Espanha e Portugal em voltar a intervir na feitura da história europeia. Quero, por isso, deixar aqui hoje uma sincera palavra de homenagem e respeito por todos aqueles que arriscam a sua vida para que a paz seja possível.

É necessário reconhecer que a grande vaga de esperança que resultou do fim da guerra fria e da divisão da Europa, com a perspectiva de uma nova ordem internacional baseada no direito e nos valores universais da liberdade e da democracia, veio dar lugar a uma longa transição, marcada pela incerteza, pelo ressurgimento de velhos conflitos e de nacionalismos violentos, bem como por tendências de fragmentação, que não podemos ignorar.

Não foram apenas a guerra na antiga Jugoslávia — a primeira na Europa desde o fim da última guerra mundial — e as dificuldades reais dos Estados europeus para a terminar que assinalaram, de modo dramático, os problemas da mudança nesta viragem do século. Esses problemas não se referem apenas à necessidade de assegurar uma maior capacidade de intervenção da Europa nas crises regionais, comotambém a crise do próprio modelo económico e social que garantiu o quadro de desenvolvimento sustentado das democracias europeias.

A nossa resposta a estas crises passa pelo fortalecimento das instituições multilaterais e dos processos de integração, sobretudo da União Europeia. Não podemos recusar o duplo desafio do aprofundamento e do alargamento. Para estar à altura das circunstâncias, a União Europeia deve, por um lado, poder consolidar decisivamente a sua capacidade de acção internacional, quer através da moeda única, quer pelo desenvolvimento de uma política externa e de segurança comum e, por outro lado, abrir as suas portas às democracias da Europa Central e Oriental.

Quaisquer que sejam as mudanças resultantes do aprofundamento e do alargamento, a União Europeia deverá preservar a sua natureza essencial como associação de Estados soberanos, vinculados a interesses comuns, à paz e à estabilidade regional. Uma comunidade de iguais, caracterizada pela solidariedade efectiva entre os seus membros, por uma crescente participação cívica e por políticas de coesão indispensáveis para avançar no caminho de uma convergência económica real.

Uma Europa aberta, decidida a consolidar as relações transatlânticas em todas as dimensões, capaz de valorizar as suas relações tradicionais com África e a América Latina, de desenvolver quadros de cooperação económica com a Ásia Oriental e de contribuir efectivamente para a estabilidade do Mediterrâneo.

Partilhamos, Portugueses e Espanhóis, uma vocação universalista, que nos levou à descoberta de novos mundos e que queremos fazer perdurar num espírito de abertura no contacto entre as civilizações e as culturas. Esta vocação é crucial para projectar o ideal europeu, e a nossa voz continuará a fazer-se ouvir, nas instâncias comunitárias, em defesa de uma União Europeia aberta aos desafios do nosso tempo.

Reunir-nos-emos, ainda este ano, com países irmãos, no âmbito da Conferência de Chefes de Estado e de Governo ibero-americanos, o que constituirá mais uma demonstração concreta e benéfica, não duvido, de uma solidariedade internacional bem compreendida e mutuamente vantajosa.

No quadro do reforço da cooperação que Portugal prossegue com os demais países lusófonos — que constitui uma prioridade da nossa política externa — terá lugar em Lisboa, a breve trecho, a Cimeira que institucionalizará a Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa, elemento importante no aprofundamento da cooperação profícua que existe já entre sete países que partilham uma longa história comum e que expressam, na mesma língua, a riqueza das suas culturas diversificadas.

Apenas lamento que Timor-Leste não possa, ainda, participar plenamente nesse projecto, como povo livre e senhor do seu futuro. Portugal, enquanto potência administrante do território, tem responsabilidades específicas e um dever inalienável, perante os Timorenses Orientais e a comunidade internacional. Prosseguiremos, sob os auspícios do Secretário-Geral das Nações Unidas, todos os esforços para alcançaruma resolução política justa e internacionalmente reconhecida da questão de Timor-Leste, que pressupõe a defesa dos direitos humanos dos Timorenses e o exercício efectivo do seu direito à autodeterminação, através de uma consulta livre e democrática, sob a supervisão da comunidade internacional.

Majestade,

Referia há pouco o conjunto de interesses comuns que a nossa vizinhança suscita, que exige esforços conjuntos para uma melhor gestão de recursos, para procurar convergências, para concertar políticas e definir áreas de cooperação na defesa de acções globais ou sectoriais com impacto idêntico nos nossos dois países, designadamente em sectores estratégicos essenciais para o desenvolvimento, como sejam os transportes, as comunicações e a energia. Muito foi feito já neste sentido e o enquadramento comunitário que partilhamos facilitou um apreciável aumento das nossas trocas comerciais, do investimento recíproco e da cooperação industrial.

A nível institucional, as cimeiras anuais a nível de Chefes do Governo de Espanha e Portugal, assim como os encontros regulares entre responsáveis governamentais dos dois países, constituem um instrumento eficaz de concertação bilateral que importa reforçar por forma a abarcarem todas as possíveis áreas de interesse comum; mas são igualmente importantes e deverão ser estimulados os contactos entre representantes da sociedade civil, nos mais variados sectores, com o objectivo de reforçar um diálogo permanente e fecundo entre os nossos Povos e Culturas.

Espanha e Portugal dispõem hoje de um relacionamento sereno e profícuo.

É neste quadro de diálogo, de confiança mútua, de colaboração estreita, é neste contexto positivo, dizia, que devemos continuar a trabalhar, já que é nele que encontraremos os melhores caminhos da colaboração e até de superação de contratempos que a proximidade geográfica poderá fazer surgir.

É nesta perspectiva que daremos, com confiança, um novo impulso às negociações que estão a ser levadas a cabo para a assinatura de um Convénio bilateral sobre Bacias Internacionais, que tenha em consideração a realidade das nossas presentes relações e possa ser redigido à luz dos mais avançados critérios de preservação ambiental, assim como no quadro das mais recentes normas europeias e internacionais em vigor nesta matéria da mais particular importância para os nossos dois países.

Majestad,

Permíta-me que concluya, con una nota más personal, por donde he empezado: por nuestra admiración et amistad por el Soberano de España. Los años pasados en Portugal han creado sentimientos que perviven.

Sigue bien vivos en nosotros la rica personalidade, el ejemplo y la dignidad del Conde de Barcelona. Espero tener el honor de asociarme, dentro de pocas semanas, a la creación, en Cascaes, de la Fundación Giralda, que constuirá un doble homenaje al Padre de Vuestra Majestad: por el mismo nombre de la Fundación y por el hecho de que constituye un nuevo espacio de encuentro entre españoles y portugueses, de profundización aún más íntima de nuestro conocimiento mutuo, como el Insigne habitante de aquella casa siempre ha propugnado.

En el Rey de España permítame que salude, Majestad, no solamente al amigo sincero de Portugal, sino al estadista que supo assumir con singular valor un papel histórico en la transición democrática de España, un Hombre que conquistó la admiración y el respeto de todos aquellos que sinceramente aprecian los valores de la democracia, la libertad y la dignidad humana.

Por ello, no ha constituido sorpresa para nosotros, los portugueses, el alto premio que Vuestra Majestad ha recibido, hace pocos días, testimonio internacional del continuado empeño de Vuestra Majestad en el prosseguimiento de los objetivos marcados por el Presidente Roosevelt en su discurso de 1941.

Esperamos sinceramente que Vuestra Majestad y la Reina Doña Sofia nos concedan en breve el honor y el placer de visitar oficialmente Portugal.

Majestade

Termino com uma certeza: a de que os nossos dois países encontrarão formas ainda mais concretas de estreitamento das suas relações bilaterais e que continuarão a dar, em conjunto, um significativo contributo para a construção de uma Europa mais solidária e mais coesa.

É com esta certeza que peço a todos que me acompanhem num brinde pelas felicidades pessoais de Suas Majestades o Rei e a Rainha, e pela prosperidade do povo de Espanha.