Sessão Solene nas Cortes de Espanha (Visita de Estado a Espanha)

Madrid
21 de Maio de 1996


EŽ com particular emoção que estou nesta Casa. Sinto-me muito honrado pelo alto privilégio de me poder dirigir aos representantes eleitos da comunidade política espanhola, e igualmente sensibilizado por me ser permitido tomar a palavra nas Cortes, instituição indissociavelmente ligada à transição para a democracia, garante dos valores da liberdade e do pluralismo que caracterizam a Espanha moderna.
As transições democráticas sucessivas, em Portugal e em Espanha, na década de 70, são um marco na história das suas relações e da evolução da Europa contemporânea. Significam, desde logo, a determinação dos Espanhóis e dos Portugueses para reconquistar a liberdade, que lhes fora longamente negada por regimes autoritários arcaicos e opressivos.

Com a institucionalização da democracia pluralista, Espanha e Portugal puderam sair definitivamente do seu isolamento, para recuperar o seu lugar natural entre os Estados europeus. Os processos de democratização, a comunidade de valores e o empenho comum na construção europeia mudaram profundamente o quadro das relações entre Espanha e Portugal. Tornaram possível ultrapassar as velhas suspeições, que tantas vezes dominaram a história dos dois Estados, bem como superar uma atitude tradicional de indiferença recíproca. A força da democracia e da europeização prevaleceu para tornar irrelevantes as antigas tentações ou os medos recorrentes.

Espanha e Portugal deixaram de poder viver de costas viradas e também não o querem.

O sucesso de ambas as transições, contra o cepticismo de tantos, completou a democratização da Europa Ocidental. Esse facto foi, por sua vez, um factor crucial para restaurar a confiança e a dinâmica do processo de integração europeia, que se refizeram, sobretudo, à volta da adesão de Portugal e Espanha, e culminaram com o alargamento das Comunidades Europeias, a par do aprofundamento das relações comunitárias, com o Acto Único Europeu. Para lá das fronteiras da Europa Ocidental, as transições democráticas portuguesa e espanhola constituíram-se como o ponto de partida de uma «vaga de democratização», que terminou os ciclos de recessão autoritária crónica na América Latina e marcou o fim dos regimes comunistas na Europa de Leste e da guerra fria.

Por vezes esquecemo-nos do significado, da importância de tudo isto.

Senhores Deputados,

Senhores Senadores,

Com a viragem democrática, Espanha e Portugal puderam voltar a intervir na feitura da história do seu tempo.

Quero, pois, prestar homenagem aqui aos partidos políticos, e aos homens e às mulheres que souberam levar a bom porto a empresa da democratização espanhola, em circunstâncias bem difíceis.
O seu exemplo, a sua capacidade para transcender as divisões ideológicas, subordinadas ao propósito comum de institucionalizar um regime de democracia pluralista. Os fundadores da democracia demonstraram, desde a primeira hora, a maturidade da sociedade espanhola e os seus altos valores cívicos. E quero, naturalmente, destacar nesta homenagem sincera Sua Majestade o Rei de Espanha, cuja acção, em todos os momentos, se revelou decisiva para o sucesso da transição democrática.

Creio ser esta a melhor forma de resumir, neste momento, o meu apreço de sempre por este grande País, pela sua história e pela sua vontade, sublinhando as mudanças que tornaram possível assentar em sólidos alicerces as relações entre Espanha e Portugal e abrir-lhes os caminhos do futuro.

Os desafios que confrontam a Europa no fim do século fazem re-cair responsabilidades acrescidas sobre todos os responsáveis políticos e, designadamente, sobre as instituições parlamentares, que são o cerne da vida política nos regimes de democracia representativa.

O fim da guerra fria, com as transições democráticas na Europa Central e Oriental, a unificação da Alemanha e a decomposição da antiga União Soviética, alterou profundamente os termos de referência das relações internacionais e, nomeadamente, os equilíbrios estratégicos que sustentaram a segurança e a divisão da Europa durante quarenta anos.

A ressurgência de velhos problemas de fronteiras, de minorias e de refugiados, a força crescente de tendências nacionalistas violentas e de movimentos separatistas, a importância das dinâmicas de fragmentação assinalam a multiplicação dos factoresde tensão e de conflito na Europa do pós-guerra fria.

No caso da antiga Jugoslávia, uma conjunção desses fenómenos provocou, tragicamente, o regresso da guerra ao nosso continente, pela primeira vez desde o final da última grande guerra, e veio demonstrar as limitações de um sistema de segurança baseado em premissas que deixaram de ser pertinentes.

Nesse contexto, a nossa prioridade deve ser a definição de uma fórmula estável para um novo modelo de equilíbrio multipolar, que possa assegurar a paz e a estabilidade nas circunstâncias do pós-guerra fria. A Europa foi, mais uma vez, o epicentro das grandes transformações e será na Europa onde, antes de mais, se terão de encontrar as respostas necessárias aos novos desafios.

Creio que esse novo modelo deverá basear-se na valorização, com flexibilidade, das virtualidades das organizações de que já dispomos, designadamente a União Europeia e a Aliança Atlântica, bem como da União da Europa Ocidental, do Conselho da Europa e da Organização de Segurança e Cooperação Europeia.

É preciso saber articular as suas funções diferenciadas e respeitar a sua especificidade, por forma a criar um quadro estável de segurança para a Europa no seu todo, sem exclusões desnecessárias.

Não podemos, de facto, esquecer todos aqueles que na Europa Central e de Leste se empenham na consolidação dos seus processos de democratização e que anseiam, legitimamente, por partilharem o mesmo espaço de estabilidade, de progresso e de valores comuns.

A estabilidade não será, todavia, possível sem um fortalecimento do processo de integração europeia, cuja chave é a nossa resposta ao duplo desafio do aprofundamento e do alargamento da União Europeia. De certo modo, a construção europeia encontra-se numa encruzilhada. A incerteza e as dificuldades do momento têm levado a um adiamento sucessivo de decisões que são tão urgentes, como difíceis.

Para avançar, devemos ter uma ideia clara da Europa que queremos edificar, sabendo que não existe, para os nossos Estados uma alternativa melhor, fora de um processo de integração que continue a garantir um espaço de liberdade, de progresso e de paz. Os riscos da marginalização e da periferização são reais, tal como os perigos da fragmentação e da paralisia, e exigem da nossa parte uma atitude determinada e uma visão positiva e mobilizadora do futuro da Europa.

Queremos uma União Europeia que preserve a sua natureza essencial como uma associação de Estados soberanos, vinculados por interesses comuns, uma comunidade de iguais, onde se mantenha a posição relativa de cada Estado membro, assente nos princípios da solidariedade e da coesão, indispensáveis para garantir a perspectiva de uma convergência económica real.

Queremos uma União Europeia cujas fronteiras coincidam com as fronteiras da democracia na Europa, abrindo gradualmente as suas portas para integrar os países da Europa Central e Oriental e assegurar a consolidação dos seus processos detransição democrática e a reconstrução das suas economias.

Queremos uma União Europeia com instituições mais fortes e uma maior participação dos cidadãos na construção europeia, uma comunidade de direito e de direitos, empenhada na defesa dos valores da liberdade, da justiça e da tolerância.

Queremos uma União Europeia aberta ao exterior, com condições efectivas de acção internacional, o que implica completar o processo da União Económica e Monetária, bem como desenvolver a política externa e de segurança comum e uma identidade europeia de defesa e segurança. Uma comunidade que assuma a vocação universalista da Europa, atenta ao agravamento dos desequilíbrios e das desigualdades, intransigente na defesa dos valores do humanismo, da liberdade e da dignidade da pessoa humana.

Esse grande desígnio europeu só será possível se puder captar a imaginação e o idealismo das nossas comunidades políticas e garantir a participação efectiva das instituições políticas e sociais. Por isso, permito-me insistir nas responsabilidades dos responsáveis políticos e, sobretudo, dos parlamentos, cuja acção, como sedes da representação nacional, me parece insubstituível.

Senhor Presidente,

Senhores Deputados e Senadores,

As relações entre Estados vizinhos têm qualidades próprias e são, frequentemente, marcadas pela desconfiança e mesmo por uma cultura adversarial. A história de Portugal e Espanha, nos séculos em que se forjou a dualidade peninsular, não é excepção a essa regra. Creio, porém, que a institucionalização paralela de regimes de democracia pluralista nos dois países, bem como a sua integração nas Comunidades Europeias criaram as condições necessárias para ultrapassar os reflexos do passado.

As relações entre Espanha e Portugal tornaram-se significativamente mais importantes, quer pela anulação de velhas barreiras, como pelo empenho comum na construção de uma Europa unida, mais forte e coesa, aberta ao exterior, garante da paz e da segurança. Nesse sentido, é nossa obrigação aprofundar o nosso relacionamento num quadro de estabilidade política e de cooperação efectiva, tanto no plano bilateral, como multilateral.

Para Portugal, as relações com Espanha tornaram-se uma prioridade efectiva da sua política europeia. Por isso, esta é a primeira visita de Estado que efectuo como Presidente da República, acedendo ao tão amável convite de Sua Majestade o Rei de Espanha. Quero, deste modo, sublinhar a minha confiança profunda na evolução das nossas relações bilaterais, em todos os domínios, incluindo uma crescente cooperação em instâncias internacionais.

Estou em Espanha para conhecer melhor a sua realidade, tão rica e diversa, para fortalecer laços pessoais e estabelecer novos conhecimentos, para tratar, com a franqueza que só a verdadeira amizade permite, problemas e preocupações comuns, em suma, para dar um sinal inequívoco do nosso empenho no reforço permanente das nossas relações.

Esse reforço é tanto mais indispensável quanto a nossa vizinhança suscita, naturalmente, interesses comuns específicos, que devemos gerir conjuntamente, concertando as nossas políticas. É o que temos vindo a fazer e continuaremos esse caminho, estou certo, num quadro de diálogo aberto, de confiança recíproca e de colaboração efectiva entre os dois Estados, para encontrar as soluções mais adequadas para os problemas que legitimamente preocupam os nossos povos.

Senhor Presidente,

Senhores Deputados e Senadores,

Espanha e Portugal são velhas nações e Estados antigos, com uma história e uma cultura que os individualiza, ambos marcados por uma longa experiência de abertura e de contacto com outras civilizações.

Temos orgulho no nosso passado, e assumimos, sem equívoco, as responsabilidades que decorrem dos vínculos especiais, ditados pela história, com outros povos e culturas, que se exprimem num quadro de relacionamento entre Estados soberanos.

Prosseguimos uma política de reforço constante das nossas relações com África, a América e a Ásia, designadamente com os países que falam a mesma língua. Nesse contexto, têm sido positivos os resultados da concertação entre Espanha e Portugal, sobretudo nos esforços para o desenvolvimento das políticas de cooperação da União Europeia, num espírito de solidariedade internacional.

A Cimeira Ibero-Americana que se reunirá no final do corrente ano constituirá mais um passo na consolidação de um relacionamento entre os nossos dois países e a América Latina, que consideramos ser da maior relevância.

O reforço das relações entre os Estados de língua portuguesa, espalhados por quatro continentes, ficará, dentro de algumas semanas, assinalado pela institucionalização, em Lisboa, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Concretizaremos, assim, uma antiga aspiração, com a criação de um quadro importante de aprofundamento da nossa cooperação.

A ocupação brutal e ilegal de Timor-Leste pela Indonésia impede que o seu povo possa participar, por agora, neste projecto, onde teria lugar por direito próprio. É um facto que lamentamos com particular tristeza. Pela nossa parte, prosseguiremos todos os esforços para que os Timorenses Orientais possam exercer, livre e democraticamente, o seu direito à autodeterminação, através de uma consulta sob supervisão da comunidade internacional. Essa é uma condição elementar na procura de uma resolução política justa e internacionalmente reconhecida da questão de Timor-Leste, sob a égide do Secretário-Geral das Nações Unidas, que ponha fim a tantos anos de opressão e de violações sistemáticas dos direitos humanos, sucessivamente condenadas pela comunidade internacional.

Señor Presidente,

Señores Diputados y Senadores,

Permítanme que refiera mi condición de ex-diputado para reiterar la importancia decisiva que atribuyo a los Parlamentos, sobre todo en este período de incertezas, marcado por el resurgimiento de fenómenos de violencia y por tendencias anti-democráticas.

Nuestra respuesta debe centrarse en el refuerzo y la defensa del prestigio de la democracia representativa. Los Parlamentos son el lugar electivo de la democracia y del pluralismo político, el foro natural del debate libre de ideales y de proyectos que definen el porvenir de la comunidad política, la sede legítima de la formación de la voluntad nacional.

Para España y Portugal, la democracia ha significado no sólo la recuperación de la liberdad y del pluralismo, sino la reconciliación con la Comunidad internacional y una nueva era en las relaciones entre nuestros dos Estados. A esta nueva era corresponde una nueva generación de Españoles y Portugueses, formada en la democracia, sin el peso de mitos arcaicos. Para eses hombres y mujeres, que tienen el gusto de la liberdad, las concepciones autoritarias y aislacionistas del pasado no tienen sentido. Son ellos quienes nos exigen una relación normal y abierta entre nuestros dos Estados, en la que la defensa de los intereses recíprocos se realize en un marco de cooperación, libre de prejuicios inútiles.

Ao terminar, quero saudar daqui, em nome de Portugal e dos Portugueses, a grande nação espanhola. Estou consciente de que a honra que me foi concedida de me dirigir às Cortes constitui um testemunho inequívoco da sólida amizade e dos laços profundos que nos unem. Nesse espírito, saberemos encontrar as orientações seguras para o futuro das nossas relações.