Conferência no Instituto Universitário Europeu de Florença


25 de Setembro de 1996


E´ para mim uma honra e um prazer associar-me às comemorações do vigésimo aniversário do Instituto Universitário Europeu e poder dirigir-me a uma assistência tão particularmente interessada no processo de construção europeia.
Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as palavras que quis ter a amabilidade de me dirigir, que me honram e que honram o país que aqui represento.

Antes de mais, queria prestar a minha sincera homenagem a todos quantos trabalham ou trabalharam nesta Instituição, contribuindo para um melhor conhecimento da Europa na sua diversidade política, cultural, económica e social.

A criação da Cátedra Vasco da Gama ilustra, por si só, a importância que Portugal atribui ao Instituto e ao seu trabalho de análise dos aspectos mais relevantes do processo de integração do nosso continente, suscitando pistas para o seu aprofundamento, fazendo avançar, em suma, a prossecução dos ideais e dos valores que nos norteiam.

Que me seja permitido, neste contexto, mencionar especificamente Emile Noel. Colaborador próximo de Jean Monnet, Secretário-Geral da Comissão Europeia e Presidente deste Instituto, a sua dedicação aos ideais europeus, a sua capacidade de organização, a sua persistente acção, ao longo de décadas, em prol de uma Europa mais coesa e mais unida, constituirão sempre uma fonte de inspiração valiosa. O seu desaparecimento, há poucos meses, enlutou compreensivelmente todos quantos partilham, como eu, estes ideais.

Testemunho da visão dos pais fundadores do processo de integração europeia, a ideia de uma Universidade Europeia surgiu inevitavelmente logo no imediato pós-guerra.

Como tantas outras iniciativas, a sua concretização conheceu as peripécias decorrentes das hesitações e das contradições inerentes à evolução do próprio projecto europeu.

Se se poderá lamentar que não tenha sido possível ir mais além em termos da criação de uma verdadeira Universidade, multidisciplinar, livre de estender os seus campos de investigação a todas as áreas do saber, teremos de reconhecer que o balanço destes vinte anos é, a todos os títulos, largamente positivo. Dispomos de um centro, solidamente estabelecido, de pesquisa e de difusão do saber relativo ao processo de integração da Europa nas suas vertentes histórica, política, social, económica e jurídica.

Isto não quer dizer que nos devamos contentar com este acquis. A dinâmica da integração europeia, o seu constante e necessário aprofundamento, os desafios com que nos defrontamos, exigem certamente que tentemos ir mais longe, ultrapassando tabus e defesos que já não têm sentido.

Parecer-me-ia igualmente útil que os diversos centros de investigação e de difusão do saber, criados no âmbito europeu, encontrassem formas de uma articulação mais estreita e eficaz entre si, tal como creio que um maior envolvimento do Instituto no quotidiano das instituições europeias traria benefícios mútuos, aumentando o grau de percepção recíproca e da capacidade de se responder a alguns dos importantes desafios que se colocam às nossas sociedades democráticas.

Forçoso será reconhecer que as instituições europeias não souberam gerar o «dinamismo popular» desejável em torno da «ideia europeia». Trata-se de um problema grave de compreensão, de adesão e de participação que temos de enfrentar sem rodeios, sob pena de vermos esboroarem-se as condições essenciais à realização do projecto europeu.

O Homem, o cidadão, será sempre a origem, o destinatário e a razão de ser de toda a política. Neste mundo em constante mudança, a Ciência e o seu uso revelam-se, assim, instrumentos fundamentais de participação e de adesão dos cidadãos.

A democracia precisa de Ciência. Porque, ou se aprofundam continuamente as bases científicas do conhecimento sobre a natureza, sobre o ser humano e sobre a sociedade, promovendo--se paralelamente o espírito crítico e participativo, ou assistiremos a um processo de destruição, porventura lento mas inexorável, dos saberes argumentativos e, com o apagamento destes, da legitimidade da própria ordem em que assenta a sociedade democrática.

Se, na linguagem de todos os dias, não se afirmarem e não circularem os valores e as percepções de índole científica e tecnológica, será a capacidade de representar a realidade que se encontrará severamente limitada. As escolhas não serão então, certamente, as mais adequadas aos tempos e aos contextos em que vivemos, tal como se tornará mais difícil a formulação de juízos informados acerca de acontecimentos frequentemente noticiados nos media.

A União Europeia dispõe de meios financeiros e de programas que permitem, em articulação com os Estados membros, reforçar os mecanismos da política científica, apoiar a investigação de base e a investigação tecnológica, valorizar os seus resultados e lançar iniciativas de divulgação da cultura científica em larga escala.

É forçoso, pois, que as grandes prioridades destes programas sejam orientadas por princípios que claramente estimulem atitudes a favor da ciência nos seus aspectos mais fundamentais, bem como que promovam expectativas integradas a nível europeu onde as ciências sociais encontrem um quadro correcto de articulação com outras ciências.

O caminho para uma Europa mais justa para os seus cidadãos e mais solidária com os outros povos deste mundo não pode repousar apenas em aperfeiçoamentos de carácter técnico e tecnológico: porque na sua dimensão e na sua alma, cujas bases radicam nas épocas geniais do renascimento e dos descobrimentos, estão o espírito crítico, a verificação pela experiência e a criação científica.

A Europa tem de se adaptar constantemente às exigências da modernidade e do progresso. Tem de ultrapassar, com sucesso, a encruzilhada em que se encontra, assumindo, claramente, um projecto político mobilizador e participado.

São estas questões que pretendo aqui discutir convosco sob o título genérico «o futuro da União Europeia».

Minhas Senhoras e meus Senhores,

A minha visão sobre o futuro da União está, naturalmente, marcada pelo meu ponto de partida: vistos do extremo ocidental da Europa, os principais problemas da crise europeia são porventura influenciados pela própria distância.

Só posso invocar, em defesa desta visão, aquilo que Machiavelli dizia quando afirmava que os vales se vêem melhor da montanha e as montanhas dos vales, presumindo a sua pertinência para o caso de um olhar da periferia para o centro.

Vivemos um período de crise e uma fase de transição na Europa originados pelas grandes transformações causadas pela deposição dos regimes comunistas na Europa Central e Oriental, pela unificação da Alemanha e pela decomposição da União Soviética, uma crise que resulta do significado, da rapidez e da própria imprevisibilidade dessas mudanças.

O fim do comunismo encerrou um século de guerras e de revoluções, o fim da guerra fria alterou radicalmente a posição internacional da Europa, o recuo e o desaparecimento do império soviético modificaram o mapa político do continente.

A aceleração da História, que marcou a viragem iniciada com as profundas modificações verificadas na Europa a partir de 1989, constituiu, em si mesma, um factor de crise. As nossas próprias concepções e os nossos pressupostos foram postos em causa.

Como era inevitável, a crise reproduziu-se tanto no processo como nos modelos de integração comunitária. A mudança das fronteiras da democracia na Europa, a ressurgência da Alemanha como principal potência regional, o fim da divisão imposta pela rivalidade bipolar assinalavam, de facto, o fim de um ciclo na construção europeia.

Esta viragem marcou o início de uma fase de transição, na procura dos modelos, das formas e dos arranjos institucionais mais adequados para reconstituir um quadro de estabilidade e de segurança na Europa.

Este estado de crise condiciona naturalmente os comportamentos políticos, tal como implica um processo de enorme fluidez, que resiste à imposição de um enquadramento estável.

É forçoso reconhecer que a Europa deixou de ser, como durante a guerra fria, o centro da política internacional e que foi remetida para um estatuto regional, cuja importância será definida mais pelos seus próprios méritos do que pela competição entre grandes potências externas. Paralelamente, as principais potências regionais recuperaram um estatuto de autonomia política e estratégica.

A reunificação alemã contribuiu igualmente para reforçar tendências de renacionalização que já se verificavam na política das principais potências europeias e que, levadas às suas últimas consequências, poderiam pôr em causa a integração comunitária.

Neste quadro, a integração interna da Europa assume uma importância crucial, já que dela dependerá a possibilidade de garantir a essa mesma Europa um peso crescente numa lógica de competição internacional dominada pela emergência de grandes espaços regionais e pela globalização da economia.

Encontramo-nos pois numa encruzilhada. As primeiras fases do processo de integração europeia serviram, em larga medida, para resolver o passado, para ultrapassar os pressupostos da guerra, os proteccionismos internos, as fronteiras. O que se lhe exige agora, também, é um contributo para construir o futuro e enquadrar as novas realidades deste final de século. Deste contributo dependerão, afinal, o progresso, a estabilidade e a segurança da Europa.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

O fim da velha divisão da Europa e a restauração democrática na «outra Europa» criaram uma oportunidade rara para realizar a unificação das democracias europeias.

O dilema que se coloca à construção europeia é o de saber como articular a extensão das fronteiras comunitárias com o processo de integração económica e monetária, sabendo-se que a estabilidade regional reclama a integração dos países da Europa Central e Oriental, cuja exclusão poria em causa o sentido último de uma verdadeira união europeia.

Maastricht representa uma primeira tentativa para responder a estes problemas. O Tratado travou certamente os riscos de fragmentação, reiterando o compromisso de todos os Estados membros no processo de integração; definiu os marcos formais de um período de transição, no caminho para uma refoma das instituições e para a União Económica e Monetária; permitiu o alargamento à Áustria, à Finlândia e à Suécia.

Neste sentido, o Tratado constitui o quadro de referência para realizar as mudanças indispensáveis para o próximo ciclo da construção europeia. Os próximos três anos, com a conclusão da Conferência Intergovernamental e a reforma institucional, a terceira fase da União Económica e Monetária e o alargamento aos países da Europa Central e Oriental, serão cruciais para a resolução da crise europeia.

Todas estas questões exigirão dos responsáveis políticos uma capacidade acrescida de orientação e de decisão, para ultrapassar as dificuldades e os obstáculos que se têm multiplicado na via da integração europeia.

Creio ser necessário reiterar, neste momento, que o desígnio da integração terá de continuar a ser um desígnio político e estratégico, cujas dimensões económicas e sociais são, em última análise, os instrumentos indispensáveis para aliar à estabilidade democrática e à segurança regional, os factores relevantes de modernização e de progresso.

Não será por de mais repeti-lo: a construção europeia precisa de um desígnio político. A Europa não pode consumir-se num debate sobre a sua própria organização, sob pena de se transformar numa abstracção. A Europa não poderá circunscrever-se nem à integração económica, nem à convergência nominal. A Europa que desejamos exige sobretudo não apenas consumidores, mas cidadãos.

A primeira razão de ser do projecto europeu é garantir a paz entre os Estados da Europa, num quadro de consolidação das democracias. Para todos nós, tornar impensável a guerra foi e continuará a ser o propósito constante.

A segunda razão de ser da construção europeia é o fortalecimento dos seus Estados membros; só assim se justifica e se assume a partilha colectiva de soberanias enquanto modo de assegurar
a estabilidade interna e de reforçar a posição externa.

A terceira razão é a formação de uma entidade inédita nas relações internacionais, uma «potência civil», um espaço onde os Estados se subordinam aos princípios do direito não apenas na ordem interna como nas relações entre si. Trata-se de um elemento essencial na definição da identidade europeia, sinónimo de democracia e de primazia do Direito, pedra-de-toque na formação de uma sociedade internacional.

A quarta razão do projecto europeu tem a ver com a dimensão de desenvolvimento económico solidário que tende permanentemente a corrigir as assimetrias, a garantir um espaço de progresso equilibrado entre as diversas regiões da Europa, a congregar o empenho e a participação dos cidadãos. Em suma, a dimensão da coesão e da solidariedade europeias, sem a qual não existirá um projecto de integração europeia digno deste nome.

E, como pano de fundo da nossa maneira de sentir e de pensar, como «razão acima das razões», a nossa comum matriz cultural, diversificada nas suas expressões mas radicada num mesmo apego aos valores da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos inalienáveis do ser humano, do Estado de Direito e da solidariedade. Uma matriz cultural comum que não exclui naturalmente, antes se enriquece, nas identidades próprias e na variedade que caracterizam a Europa.

Como já referi, penso ser necessário afirmar a natureza política e a importância estratégica da construção europeia.

Só assim poderemos definir com clareza o seu significado, tão frequentemente submerso em debates exóticos e irrelevantes sobre a arquitectura institucional ou a contabilidade da convergência monetária, que tornam incompreensível, para os cidadãos, o sentido do futuro da União Europeia.

Creio que chegámos ao momento de acabar com as discussões exotéricas. A construção da Europa exige a participação activa dos cidadãos.

Para tal exige-se transparência, definição rigorosa dos objectivos, proximidade, diálogo, clareza nos propósitos e nos sacrifícios que tantas vezes lhe serão associados, respostas às ansiedades que fazem crescentemente o dia-a-dia do cidadão comum, confrontado com o espectro do desemprego, da exclusão, da marginalização social relativamente a si próprio ou aos seus filhos.

Creio que a primeira condição para superar a crise da União Europeia passa pela afirmação clara dos seus desígnios políticos e estratégicos. Só assim se poderá exercer uma verdadeira função de orientação, indispensável neste período de incerteza, onde os caminhos de futuro se tornam opacos.

Trata-se de uma visão indispensável para responder ao desinteresse e às ansiedades dos cidadãos e às resistências crescentes contra o desenvolvimento do processo de integração, presentes em
todos os nossos Estados, e que podem prejudicar seriamente os consensos políticos internos indispensáveis à prossecução da construção europeia.

Uma segunda condição reside nas reformas institucionais.
É urgente superar os impasses e bloqueios que caracterizam o processo de decisão comunitário. O que está em causa é, por um lado, a eficácia e a credibilidade das políticas comuns e, por outro, as formas de participação dos representantes eleitos na definição dessas políticas.

O que está também em causa é a preparação das instituições para a realidade do alargamento, articulando os imperativos da eficácia com o princípio intransponível da igualdade entre os Estados membros, trave mestra do processo de integração europeia.

Por certo, a reforma institucional terá de respeitar a regra da fle-xibilidade, sob pena de paralisia da União Europeia.

A flexibilidade tem, no entanto, limites e a multiplicação de fórmulas relativamente à constituição de «núcleos duros»,
de «círculos concêntricos», de «geometrias variáveis», para além de contribuírem para a ilegibilidade do debate, podem provocar fracturas irreversíveis.

Meus amigos: estejamos cientes de que a criação de divisões dispensáveis será certamente o pior método para unificar a Europa.

Uma terceira condição para superar a crise respeita ao chamado dilema entre o aprofundamento e o alargamento. Digo-vos, desde já, que não gosto da palavra dilema pois evoca o estigma do imobilismo. Dilema haverá, mas o mais importante será saber como ultrapassá-lo.

Poderemos privilegiar o aprofundamento, já que nele residirá a condição sine qua non da solidez e da estabilidade do processo de construção europeia, mas não poderemos iludir ou ignorar o alargamento; ele está aí, intransponível, resposta necessária às aspirações de tantos quantos legitimamente anseiam partilhar do progresso, da estabilidade, da segurança democrática, em suma, do nosso projecto comum e sem os quais a Europa não seria a Europa.

Mas a intensificação das relações entre os Estados membros, como a expansão das fronteiras da União Europeia são necessárias.

Mas ambas exigem recursos muito importantes, cuja disponibilidade é tanto mais reduzida quanto vivemos uma fase de estagnação económica e de crise do modelo social europeu.

A União Económica e Monetária foi concebida como uma alavanca de mudança, como um instrumento crucial para a mudança de ciclo na construção europeia, susceptível, por si só, de criar as bases de um novo modelo de organização político-
-institucional. Mas esta estratégia tem vulnerabilidades que não podemos escamotear, tal como envolve riscos sérios relativamente à futura coesão indispensável da União. No entanto, não faz sentido recuar: o grau de convergência já atingido e os esforços já realizados para o atingir desaconselhariam tal renúncia, cujos custos seriam certamente muito elevados.

Mas a construção europeia não deve ficar refém da União Económica e Monetária e não pode realizá-la independentemente da realidade social. A UEM tem de ser compatibilizada com a reorganização institucional da União e com a coesão económica e social, para não correr o risco de se transformar num fim em si mesma e caminhar para um impasse.

Repito o que atrás aflorei: a UEM exige meios — e meios importantes —, nomeadamente orçamentais, para se não tornar numa utopia caricata ou num factor de divergência e de desagregação da União.

Não podemos esquecer que a UEM está a ser posta em prática num contexto económico e social de grande vulnerabilidade, marcado por uma restruturação muito profunda dos sectores produtivos, com as consequências que se conhecem no plano de emprego e com a emergência de fenónemos de exclusão em larga escala.

As sociedades europeias terão tendência para se tornar crescente e perigosamente dualistas, enfraquecidas na sua coesão interna e ameaçadas pela exclusão social macificada, reverso de uma realidade marcada pela conquista da competitividade económica num contexto de globalização da economia e de destruição de fronteiras. Este, porventura, o verdadeiro desafio e a ameça mais séria que se coloca às nossas sociedades e à Europa neste final de século. E como problema europeu deverá ser tratado, com políticas voluntaristas, determinadas, servidas por meios compatíveis com a dimensão do problema que se pretende atacar.

O alargamento é indispensável para garantir a consolidação dos regimes democráticos no Leste e Centro europeus e para assegurar uma estabilidade ameaçada por tensões sociais e étnicas e por conflitos militares potenciais que ameaçarão a segurança da própria União. Os avisos da tragédia na ex-
-Jugoslávia não podem ser ignorados, e a melhor maneira de alargar à Europa Central e Oriental o seu espaço de segurança e estabilidade será por via da extensão das fronteiras da União Europeia.

Mas, mais importante, a unificação do conjunto das democracias europeias faz parte integrante do desígnio político da União Europeia, cuja legitimidade política enquanto estrutura essencial da Europa seria posta em causa se fechasse as suas portas às novas democracias.

Como sempre, a questão essencial reside na existência, ou não, de um desígnio político. Esse projecto tem de existir, sob pena de negarmos o legado dos «pais fundadores» e, sobretudo, de nos negarmos a nós próprios.

E a dimensão política para o projecto europeu exige também que ele não se restrinja ao âmbito estrito da União Europeia, ainda que encontre aí a sua âncora fundamental. O Conselho da Europa, a OSCE, a UEO e a NATO constituem estruturas essenciais para «organizar» a Europa, para criar condições para gerar esferas de integração diferenciadas destinadas a evitar a marginalização de Estados cuja presença é indispensável para
a estabilidade do Continente.

Será absolutamente necessário criar condições para uma crescente cooperação e articulação entre estas organizações, ultrapassando porventura a lógica estrita da sua fundação e procurando um conjunto institucional coerente, que constitua uma mais-valia relativamente à simples soma das partes.

Portugal, como Estado membro da União Europeia e fundador da Aliança Atlântica, está plenamente empenhado nos esforços para consolidar a organização da Europa como espaço de paz, de liberdade e de solidariedade.

Meus Amigos,

Julgo que toda e qualquer reflexão sobre o futuro da União Europeia, parafraseando Vaclav Havel, deve partir de uma discussão sobre a Europa enquanto sede de valores partilhados, sobre a nossa identidade espiritual e intelectual, sobre o que a Europa foi e o que é, sobre o que poderá ou deverá ser.

Na nossa concepção comum, a sede de todo o poder reside no cidadão, no Homem que pensa, que se expressa e que escolhe livremente. O processo de integração europeia terá sempre de visar a liberdade e a dignidade do Homem, libertando-o do medo e reforçando as condições do exercício da cidadania.

Não apenas libertá-lo do medo do seu semelhante, do medo da guerra, mas libertá-lo dos espectros da rejeição social, da exclusão económica, da intolerância e do racismo, das diferentes formas de marginalização que marcam as nossas sociedades.

É esta a essência do projecto político europeu. Um projecto que tem de ser permanentemente mobilizador dos cidadãos, da imaginação e da criatividade. Um projecto crescentemente participado. Um projecto que vá ao encontro dos anseios legítimos e que permita fazer face, eficazmente, aos falsos profetas que sempre pululam em épocas de crise, aos interesses corporativos, às ambições mesquinhas.

Para encontrar as vias adequadas para a ultrapassagem da crise, é necessário que a Europa reencontre os seus valores fundamentais de solidariedade, de participação, de responsabilidade cívica, que reassuma, finalmente, de modo pleno, a sua vocação humanista e a sua tradição universalista.

Só assim poderemos iniciar, com confiança, o próximo ciclo da construção europeia, um ciclo que deverá ser marcado por uma intensificação das relações entre os Estados membros e o alargamento da União ao conjunto das democracias europeias.

Pela minha parte, estou seguro que assim será; e que vos digo que tenho confiança no futuro da União Europeia.