Sessão Plenária do Comité das Regiões da União Europeia

Bruxelas
15 de Janeiro de 1997


E´ com particular prazer e com viva emoção que hoje me dirijo a este ilustre auditório; para além do importante trabalho que o Comité das Regiões desenvolve no processo de construção europeia, do contributo que vem dando para o seu aprofundamento e para o reforço da indispensável adesão dos cidadãos, ligam-me a esta assembleia especiais laços e recordações de uma memória recente que as novas funções que agora desempenho não podem apagar.
Reencontro hoje, nesta casa, amigos antigos e companheiros de trabalho, uma solidariedade nunca desmentida ao longo destes últimos anos. E, permitam-me que o refira, não posso deixar de sentir uma emoção particular pela coincidência de ter a oportunidade de intervir desta tribuna no momento em que passa exactamente um ano sobre a minha eleição como Presidente da República Portuguesa.

As minhas primeiras palavras são, naturalmente para o Presidente Maragall; a sua eleição para a Presidência deste Comité foi o corolário lógico de uma vida de serviço à causa pública, na mais nobre acepção da palavra, e de fidelidade aos seus ideais.

Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as suas amáveis palavras que tanto me honram e que, sobretudo, honram Portugal.

Não quererá este seu velho amigo e admirador historiar aqui a sua brilhante carreira, já que a conhecemos, todos nós, sobejamente. Desde a notável obra de renovação e modernização de Barcelona à Coordenação Mundial de Cidades e Autoridades locais, passando pela Presidência do Conselho dos Municípios e Regiões da Europa, o Presidente Maragall tem contribuído, de forma inegável, para o reforço do projecto que a todos nos anima: criar uma Europa forte, próspera, coesa, solidária entre si e aberta ao Mundo, uma Europa dos cidadãos e para os cidadãos, uma Europa de valores e de princípios.

À minha sentida homenagem quero juntar os meus votos sinceros para que continue, ainda que noutros fora, a contribuir com o seu saber, a sua inteligência, a sua experiência, a sua capacidade e, principalmente, a sua vontade para esta aventura comum que se chama Europa. Estou certo que assim será.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

A criação do Comité das Regiões marcou, indubitavelmente, uma evolução qualitativa do processo de unificação europeia, correspondendo a uma necessidade evidente em termos do seu aprofundamento e do reforço da indispensável participação dos cidadãos. A inclusão no Tratado do princípio da subsidiariedade, enquanto regra de aproximação dos cidadãos das decisões, consagra e estimula a intervenção das autoridades regionais e locais no processo de decisão comunitário.

Trata-se de uma evolução coerente, já que sem tal participação não seria possível reforçar, ou até mesmo criar, os consensos indispensáveis à prossecução de um projecto que não poderá deixar de ser, crescentemente, mais ambicioso e afirmativo.

Hoje, como ontem, a tarefa prioritária de todos os que, como eu, acreditam nessa Europa forte e solidária, numa Europa em que a fronteira da democracia coincidirá, finalmente, com as fronteiras físicas que aprendemos nos atlas, será sempre a congregação de vontades, de criatividades, de imaginações, de sentimentos de pertença e de identificação com o projecto e com a visão que herdámos de Jean Monnet. Só assim poderemos enfrentar, com confiança, os profetas da desgraça, o egoísmo mesquinho, a criação artificial de factores de divisão.

Não são fáceis os anos que se avizinham. Temos de fazer face e resolver novas exigências e antigos desejos; desejos legítimos, sem dúvida, e a que teremos de responder sob pena de nos negarmos a nós próprios; mas desejos que teremos de saber integrar, de modo eficaz, num todo coerente que não perca a sua identidade própria, a sua originalidade, o seu sentido enquanto projecto político solidário e aglutinador.

Temos também que saber responder, eficazmente, a todos quanto descrêem, tantas vezes com razão, já que sofrem no seu dia--a-dia os estigmas do desemprego, da marginalização e da exclusão; a todos quantos vêem o seu modo de vida, o seu sustento ameaçados sem razão aparente, e que por esta via se tornam presas fáceis de todos quantos prometem panaceias inexistentes ou se aviltam em falsas denúncias de natureza racista e xenófoba.

O projecto europeu é, necessariamente, um processo dinâmico e terá que continuar a ser um projecto ambicioso. Um projecto que tem de responder, crescentemente, aos anseios legítimos dos cidadãos, às assimetrias de desenvolvimento, às necessidades de um progresso equilibrado, aos novos problemas que se colocam à organização dos espaços urbanos e rurais.

Neste sentido, parece-me evidente que o projecto europeu terá de se enriquecer constantemente por via da participação activa dos responsáveis locais e regionais na definição e na execução das políticas europeias, sobretudo das que dizem respeito ao desenvolvimento urbano e regional e, ainda, na superação das dificuldades específicas criadas pela localização periférica de vários territórios.

É esta uma das grandes responsabilidades desta Assembleia. Mas, para além deste aspecto, o Comité tem um papel essencial na aproximação da Europa aos seus cidadãos, na aceitação activa das suas políticas, na pedagogia sistemática indispensável à valorização democrática, no reforço do sentimento de pertença e de participação que tem de ser o das Mulheres e Homens deste continente, sob pena da deliquiscência do próprio projecto europeu.

Os tempos em que trabalhei neste Comité, o facto, de que me orgulho, de ter feito parte da sua primeira direcção, deixaram em mim uma marca indelével e a certeza do contributo indispensável que a sua acção poderá, e está a dar, para o enriquecimento e para a eficácia desse projecto que partilhamos.

Todos vós, responsáveis de colectividades locais e regionais, conheceis bem os problemas e desafios que se colocam às vossas cidades e às vossas regiões, e que espelham os próprios desafios com que a própria União se defronta.

Como representantes de administrações que se encontram particularmente próximas dos cidadãos, os vossos esforços vão no sentido de que o Comité das Regiões possa, no quadro das suas competências e no âmbito das suas funções de órgão consultivo, expressar as preocupações e as esperanças que vos são transmitidas nas vossas vilas, cidades e regiões, fazendo beneficiar a União, no seu conjunto, da vossa experiência concreta.

É necessário reconhecer que há ainda todo um caminho a percorrer para lograr a proximidade dos processos de decisão, a participação mais responsável e responsabilizada das populações; como já referi, o Comité tem, neste contexto, uma missão singular e uma responsabilidade particularmente pesada.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

O regime democrático português enunciou, desde a sua fundação, um claro propósito de descentralização administrativa, e esta experiência tem-se revelado muito positiva.

Dispomos, em Portugal, de uma antiga e enraizada tradição municipalista, que encontrou a sua plena expressão no regime constitucional instaurado em 1976, após o derrube da ditadura. Conheceis bem as particularidades, competências e atribuições do poder autárquico português, já que tantos dos seus responsáveis participam activamente nos vossos trabalhos como membros do Comité das Regiões.

A Constituição da República criou duas regiões dotadas de autonomia política, autonomia esta perfeitamente justificada por razões que advêm da descontinuidade geográfica e da sua especificidade insular; Açores e Madeira são um bom exemplo do papel que podem e devem desempenhar as regiões no concerto europeu. Os Presidentes das duas regiões, membros deste Comité, têm ilustrado bem neste órgão o contributo positivo que as respectivas realidades, nomeadamente como regiões periféricas, podem trazer à construção europeia.

Não se prevê, porém, que este estatuto particular seja estendido a outras áreas de Portugal, nem creio que a criação de novas autonomias do mesmo tipo venha a justificar-se no futuro.

O debate que está a ter lugar presentemente em Portugal diz respeito, como estou certo que sabeis, à criação de regiões com competências exclusivamente administrativas, tal como previsto na Constituição. Tendo em conta as largas implicações desta medida, pareceu-me indispensável propugnar — o que fiz logo no meu discurso de tomada de posse — um amplo debate nacional sobre a matéria, enquanto condição para que se encontre um consenso tão lato quanto possível sobre esta importante matéria.

Sou, como sabem, um adepto convicto da descentralização administrativa do meu país, e não julgo que as vantagens que alguns vêem no centralismo superem as suas desvantagens.

As questões básicas que se colocam hoje às nossas cidades são equiparáveis ou mesmo comuns às das cidades dos outros países europeus: planeamento e ordenamento do território; preservação patrimonial e animação cultural; renovação permanente dos equipamentos; defesa da segurança e qualidade do ambiente; promoção da cidadania; intervenção social e combate a esse flagelo que é a droga.

As políticas que possam responder a estes desafios, podendo e devendo ter uma formulação local específica, têm de ser coordenadas noutros patamares de articulação institucional, designadamente o regional. É também isso que retiramos da já longa e rica experiência europeia.

A atracção urbana que se verificou em Portugal nos últimos 20 anos, com particular incidência nas zonas do litoral, obriga-nos a dispensar às cidades uma atenção especial. Elas são o principal pólo de residência e actividade da população portuguesa, em especial as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, que actualmente representam mais de 40% da população do País.

Contudo, este fenómeno, traduzido naturalmente na correspondente desertificação rural e do interior, tem de ser combatido pelo reequilíbrio do planeamento do território. Mas o desenvolvimento equilibrado não pode cingir-se a uma política de descentralização de investimentos e equipamentos e a uma política financeira de carácter redistributivo. As pessoas não se deslocarão para o interior enquanto não existir aí igualdade de oportunidades, pelo que é indispensável incentivar o seu aparecimento através dos mecanismos adequados.

A reflexão sobre o desenvolvimento à escala internacional mostra que a participação dos interessados, a proximidade do processo de decisão, a vitalidade e o reconhecimento dos interlocutores locais são condições decisivas. A qualidade de vida das populações está hoje tão dependente dos investimentos como da modalidade que eles assumem, das prioridades que em cada região ou localidade são identificadas e, sobretudo, das soluções concretas que, para cada caso, são encontradas, bem como da participação que o próprio processo de desenvolvimento vai exigindo cada vez mais.

Senhor Presidente,

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Reconhece-se que o Estado, na sua concepção tradicional centralista, falhou muitas vezes na definição e implementação de novas formas de planeamento e desenvolvimento equilibrado, bem como na diminuição das assimetrias derivadas de uma deficiente relação entre o eixo e a periferia. A descentralização foi a resposta adequada.

Se a isto juntarmos a política regional e o reforço da coesão económica e social, enquanto política de carácter horizontal, podemos antever sem dificuldade a crescente importância do Comité das Regiões na formulação das políticas que vão moldar a Europa do século xxi.

A Europa do futuro será uma Europa dos cidadãos ou não será, já que o processo de integração europeia terá sempre de visar a liberdade e a dignidade do Homem, do homem que pensa, que se expressa e que escolhe livremente. Para tanto, é indispensável que a Europa reencontre os seus valores fundamentais de responsabilidade cívica e de participação, reassumindo plenamente a sua vocação humanista e a sua tradição universalista.

Pela minha parte, estou seguro de que assim será; e digo-o porque tenho confiança no futuro da União Europeia, numa Europa que seja, efectivamente, um espaço de paz, de progresso económico e social, de cidadania e de solidariedade.