Sessão Especial do Comité Económico e Social da União Europeia

Bruxelas
16 de Janeiro de 1997


E´ com um grande prazer que me encontro hoje perante tão ilustre audiência, representativa das estruturas do mais antigo órgão de consulta das instâncias comunitárias.
Seja-me permitido, antes do mais, agradecer a oportunidade de me dirigir aos representantes indicados pelas organizações dos empregadores, dos sindicatos de trabalhadores, dos agricultores, das pequenas e médias empresas, das cooperativas, das profissões liberais, dos consumidores, das organizações de famílias e de outros interesses organizados nos quinze Estados membros da União Europeia.

Nesta fase complexa da construção europeia, é para mim uma honra poder partilhar algumas reflexões sobre o nosso futuro comum com esta audiência que aqui se reúne para fazer ouvir junto das instituições comunitárias a voz dos interesses organizados dos povos que integram a União Europeia.

A minha presença traduz, por outro lado, o apreço que tenho pelo entendimento de que a democracia se aprofunda com o desenvolvimento da sua dimensão participativa e de que a decisão política deve estar tão bem informada quanto possível sobre as opiniões dos representantes dos diferentes interesses sociais, profissionais e económicos.

Sei que este Comité tem, ao longo dos quase quarenta anos que leva de existência, realizado um largo trabalho de estudo e preparação de pareceres.

Sei igualmente que os resultados desse estudo têm tido um impacto técnico significativo na preparação das decisões das instâncias comunitárias competentes em vários domínios.

Seja-me, porém, permitido saudar aqui o papel que o Comité Económico e Social desempenhou em momentos tão importantes como o debate em torno da criação do mercado interno europeu e, em particular, o contributo que deu para o que veio a ser a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais.

Todos sabemos que, na última década, se foram desenvolvendo outras instâncias de consulta e de participação das organizações de interesses no processo de tomada de decisões ao nível europeu.

Não creio, porém, que o desenvolvimento do Diálogo Social Europeu diminua a relevância do Comité Económico e Social.

Este Comité dispõe de um espaço e afirmou um estilo próprio que cumpre preservar e desenvolver.

A pluralidade dos interesses nele representados, os métodos de trabalho que consolidou ao longo da sua história, fazem deste Comité uma instância adequada para o enriquecimento de um dos grandes debates em curso nas nossas sociedades: o do desenvolvimento e adaptação do modelo social europeu à era da globalização dos mercados financeiros, da competição económica alargada, do desenvolvimento da sociedade da informação mas também do desemprego estrutural, da exclusão social e das
novas formas de pobreza.

A história da Europa mostra que existe uma associação estreita entre a capacidade de afirmação económica dos nossos países e o bem-estar social dos cidadãos.

Sabe-se, por outro lado, que, em comparação com extensas regiões do mundo, os níveis de protecção social característicos dos países da União Europeia são, em média, relativamente elevados.

Ora, nunca será de mais sublinhar que, para se atingirem estes patamares, foi necessário estabelecer compromissos sociais delicados e conceber instrumentos de intervenção social com grande sentido inovador.

A progressiva edificação do Estado-Providência representou, em cada um dos Estados nacionais, a face mais visível do esforço de concertação e de inovação no plano das políticas sociais e constitui seguramente uma das manifestações emblemáticas do que foi, ainda é e pode continuar a ser o modelo social europeu.

Apercebemo-nos hoje, todavia, de que são muitos e cada vez mais amplos os segmentos sociais que nos países da Europa se tornaram vulneráveis ao desemprego e ao empobrecimento extremo e, por essa via, se disseminaram rupturas sociais nos planos familiar, da convivência e até da mais elementar participação na vida cívica.

Parece que o crescimento tendencial da riqueza, os ganhos regulares de produtividade e até a conquista de vantagens competitivas no xadrez de uma economia mundializada não implicaram, tanto quanto seria desejável, melhorias efectivas em termos de igualização de oportunidades, de criação de empregos duráveis, de condições de trabalho, de incentivo à participação cívica e política.

As assimetrias e os desajustamentos económicos, o desemprego estrutural que corrói as sociedades europeias, retirando perspectivas de futuro aos mais jovens e expulsando do mercado de trabalho alguns dos mais idosos, a pobreza e a exclusão social que deles decorrem, exigem de todos nós, responsáveis políticos e cidadãos lúcidos, respostas eficazes.

Senhoras e Senhores Membros do Comité

Em nome da própria viabilidade da construção europeia impõe--se garantir condições de coesão global nas sociedades em que vivemos.

Por isso, estou certo de que nos encontramos diante da necessidade de reconquistar a pulso oportunidades de trabalho, de combater novas formas de pobreza, de renovar aos cidadãos de todos os Estados membros a garantia do acesso à educação e à formação.

É seguro que as nossas sociedades se confrontam hoje com as consequências da mudança económica e sócio-cultural acelerada das últimas décadas.

Essas mudanças têm-se traduzido, como se sabe, em novas realidades demográficas, em segmentações do mercado de emprego e na emergência de formas de conflitualidade social que aumentam a incerteza com que muitos cidadãos vivem o quotidiano e encaram o futuro.

É igualmente seguro que estas profundas alterações surpreenderam, em muitos casos, os poderes políticos, económicos e sociais, colocando em crise o acordo social implícito que sustentou, desde o pós-guerra, o desenvolvimento do Estado-Providência.

Penso, por isso, que se nos coloca simultaneamente o desafio de responder às exigências do novo quadro civilizacional e de reduzir, tanto quanto possível, as ineficiências dos sistemas de protecção social com que nos habituámos a viver.

Não se pode aceitar que a desigualdade de oportunidades se re-produza e se amplie porque, se assim for, é a cidadania que se restringe e a coesão social das sociedades complexas que se debilita.

Não acredito que a modernização da economia e o aumento da competitividade das empresas se possa realizar sem cuidar, em simultâneo, do desenvolvimento de políticas de solidariedade que enfrentem as tensões sociais e sejam capazes de assegurar a compreensão, a adesão e a participação dos cidadãos.

Os cidadãos é que são afinal a origem, os destinatários e a razão de ser da política.

Importa, portanto, a meu ver, que se assuma decididamente a urgência de um novo contrato social, adaptado aos problemas e às oportunidades que se deparam ao projecto de construção da Europa e a cada uma das sociedades que a integram.

Senhoras e Senhores Membros do Comité,

O caminho para a união monetária não pode deixar de fazer-se em sintonia com medidas económicas e sociais coerentes e integradoras.

Entendo, por isso, que a construção do autêntico welfare state europeu deve ser colocado abertamente na agenda política comunitária.

Trata-se de, no respeito pelo princípio da subsidiariedade, alargar as possibilidades de reequacionar o problema dos direitos sociais à escala da União, recriando as políticas sociais de forma a garantir a todos e em todos os lugares uma efectiva cidadania social.

A criação da moeda única europeia torna este desafio tanto mais urgente quanto se reconhece que esse grande projecto pode reforçar ou induzir, na sua concretização, alguns desequilíbrios sócio-económicos.

Os Estados membros têm, seguramente, um papel insubstituível a desempenhar na concepção e na realização desse novo compromisso social de que carecem, julgo, todas as sociedades complexas.

Tenho seguido com interesse os debates e as negociações que se vêm realizando em Portugal visando a adaptação das políticas de educação, de formação, económicas, de emprego, de trabalho e de protecção social aos desafios colocados pelo desenvolvimento cultural, social e económico do meu país e à sua participação na construção europeia.

Os dois acordos tripartidos, assinados no início e no fim do ano passado, traduzem o compromisso entre o Governo e os parcei ros sociais portugueses quanto aos objectivos e aos meios necessários para melhorar a eficiência nacional naqueles domínios através da acção conjunta.

Sei, portanto, que existem em Portugal, como aliás na generalidade dos Estados membros da União, pontos de vista não coincidentes sobre as relações desejáveis entre o desenvolvimento económico e a coesão social e sobre a adequação dos níveis nacional e comunitário para lidar com estes problemas.

Mas verifico também que, apesar da complexidade dos problemas em causa, foi possível, em Portugal e noutros Estados membros da União, chegar a consensos relevantes de natureza estratégica quanto ao modo de regular a mudança sócio--económica.

Mas, sejam quais forem as concepções de cada um sobre este problema, tenho por adquirido que a coesão das sociedades europeias exige que se repense e se reforme o contrato social que caracterizou as chamadas «décadas de ouro» que se seguiram ao fim da II Guerra Mundial.

Os desafios com que estão confrontadas as sociedades europeias são, seguramente, difíceis e complexos.

Como podem as sociedades europeias assegurar que os cidadãos dispõem dos meios necessários para obter, ao longo da vida, as qualificações necessárias ao seu desenvolvimento pessoal e à competitividade das empresas?

Como vencer com êxito os desafios da competitividade e do emprego, sem excluir dos mercados de trabalho os cidadãos com baixos níveis de formação e de qualificação?

Como aumentar a adaptabilidade dos mercados de trabalho quer às necessidades das empresas quer às dos cidadãos que nelas trabalham?

Como garantir que as reformas dos sistemas de protecção social que cada uma das nossas sociedades foi desenvolvendo facilitam a mudança social e económica e são eficazes na promoção do emprego e da segurança social dos cidadãos?

Como garantir a efectividade crescente de todas e cada uma das quatro liberdades inscritas nos Tratados europeus?

Como conceber e realizar, no quadro da moeda única europeia e no respeito pelo princípio da subsidiariedade, um novo contrato social sem um mínimo de articulação entre as dimensões europeia e nacional das políticas sociais?

É urgente que se progrida na decisão quanto às respostas a dar a estas perguntas.

Senhor Presidente do Comité Económico e Social,

Senhoras e Senhores Membros do Comité,

Estou firmemente convencido de que a coesão social dentro de cada Estado membro está cada vez mais fortemente articulada com a coesão económica e social da União Europeia no seu conjunto.

Penso também que, em resultado do funcionamento das instâncias comunitárias, do trabalho deste Comité e de outras instâncias de participação dos grupos de interesses, existe hoje um grau suficiente de conhecimento dos sistemas de educação e de formação, de relações industriais e de protecção social de cada um dos Estados membros para que se possa aprofundar um debate estruturado sobre a reforma do welfare state europeu.

Reconheço, com interesse, que os debates associados à preparação dos Livros Brancos sobre Crescimento, Competitividade e Emprego, sobre Política Social e sobre a Sociedade de Informação representaram passos significativos nesse caminho.

Atribuo, também, grande importância à publicação do Relatório do Comité des Sages presidido por Maria de Lourdes Pintasilgo sobre a Europa dos Direitos Cívicos e Sociais — que está a ser objecto de debate em todos os Estados membros — e aguardo com interesse os resultados de uma iniciativa semelhante centrada no problema da liberdade de circulação.

Sei bem que esta minha preocupação é partilhada pelo Presidente da Comissão Europeia e por outros Chefes de Estado e de Governo.

Quero, por isso, terminar expressando o desejo de que o trabalho deste Comité possa contribuir activamente para a qualidade desse debate e a pertinência das respectivas conclusões.

Creio que, pela sua estrutura e composição, o Comité Económico e Social pode dar um contributo inigualável para que este debate se realize, no plano comunitário, tendo em conta os termos em que o problema se põe em cada Estado membro, do mesmo passo que contribui para facilitar, em cada País, que a participação das organizações de interesses na tomada de decisões sobre o acervo de decisões no plano europeu.