Sessão de Abertura da «Conferência das Mulheres da Confederação Europeia dos Sindicatos»

Lisboa
17 de Fevereiro de 1997


A minha participação nesta «Conferência das Mulheres da Confederação Europeia de Sindicatos» destina-se, em primeiro lugar, a vincar a importância que atribuo à promoção da igualdade entre cidadãos.
Os que me conhecem melhor sabem que a generalidade das questões sociais e, em particular, os problemas da desigualdade ocuparam sempre um lugar de relevo na minha vida profissional e política.

Sei, portanto, que o movimento sindical europeu tem desempenhado um papel fundamental na procura e na concretização de medidas tendentes a reduzir a desigualdade baseada na situação social dos trabalhadores.

Nesta época em que a Europa se encontra perante encruzilhadas complexas, entendo, como cidadão e como Presidente da República, que esse esforço merece um apoio e um estímulo que
desejo vincar publicamente.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Tenho tido ocasião de afirmar que considero o modelo social como parte integrante da identidade europeia e que, no meu entender, a noção de cidadania característica das sociedades europeias é indissociável da articulação entre o bem-estar social e económico dos indivíduos e a participação política dos grupos sociais.

É para mim muito claro — apesar de diferenças relevantes, que é necessário respeitar — que todas as sociedades europeias con solidaram tradições que relacionam estreitamente os deveres cívicos e políticos dos cidadãos com noções de bem comum em que a igualdade e a solidariedade social perante as necessidades individuais e grupais assumem um lugar de relevo.

Ora, como se sabe, está hoje posta em causa, quer fora, quer dentro da União Europeia, essa articulação virtuosa entre deveres e direitos cívicos, políticos, culturais, sociais e económicos que caracterizou o desenvolvimento económico e social após a Segunda Guerra Mundial.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Não creio que se possam ignorar ou menosprezar transformações tão relevantes como são a globalização dos mercados financeiros, a transnacionalização dos processos de produção, a planetarização da competição económica, a inovação tecnológica e organizacional das empresas, as transformações dos mercados de trabalho e de emprego ou as mudanças demográficas.

Creio que tais fenómenos constituem características distintivas dos nossos dias, que há que assumir como motores da metamorfose social em curso.

Mas nem por isso julgo que os devamos tomar por aquilo que não são: sinais únicos das mudanças em curso nas sociedades contemporâneas.

Pelo contrário, julgo que existem outros traços da contemporaneidade que, apesar de muitas vezes menosprezados, são igualmente relevantes.

Refiro-me ao desemprego massivo de longa duração, à disseminação de novas formas de pobreza, às insuficiências e às ineficiências dos sistemas de educação, de formação, de qualificação e de emprego, de protecção e segurança social.

Sei bem que, frequentemente, este segundo grupo de características dos nossos dias são consideradas meros indicadores de problemas resultantes das mudanças económicas e tecnológicas em curso que, a prazo mais ou menos longo, seriam resolvidos pelas dinâmicas económicas em curso.

Tal concepção é, a meu ver, profundamente equivocada e insustentável.

Pelo contrário, a história europeia mostra que a mudança económica não é dissociável da mudança social e cultural e que o desenvolvimento económico sustentado se baseou sempre numa articulação eficiente entre as várias vertentes da organização social.

Não creio que haja razões que tornem inelutável um tal primado do lucro privado e das lógicas de curto prazo que condene as sociedades avançadas contemporâneas a acantonar num espaço residual os valores da igualdade e da solidariedade, limitando a acção política ao papel de supressor de barreiras à competitividade empresarial.

A meu ver, há que assumir a questão social como um dos problemas políticos fundamentais dos nossos dias.

Exige-o o património comum de valores que a história da Europa desenvolveu e de que a generalidade dos países democráticos se apropriou.

Exige-o a governabilidade das sociedades complexas em que vivemos.

Continuo seguro, minhas Senhoras e meus Senhores, que são fundamentalmente erradas as teses que, em nome do que entendem ser os imperativos económicos deste final de século, apostam em pretensos automatismos sociais e políticos para postular a desnecessidade de garantir a regulação pública da mudança social.

A meu ver, o debate científico e os indicadores que todos conhecemos mostram que tais automatismos não existem e que a liberalização dos mercados, a desregulamentação e a autolimita-ção dos poderes públicos não constituem, sempre e em todos os domínios, instrumentos adequados do desenvolvimento sustentável.

Pelo contrário, as concepções minimalistas do espaço público têm contribuído, nalguns casos, para o crescimento de resistências várias à mudança e para a eclosão de alguns conflitos sociais que estão na origem do bloqueamento de algumas reformas fundamentais.

É certo que os sistemas de protecção social se confrontam hoje com as consequências da feminização e da segmentação dos mercados de trabalho, com a diferenciação de oportunidades de emprego decorrentes da mudança tecnológica e das restrições no acesso à formação, com o crescimento do desemprego de longa duração e com a proliferação de novas formas de pobreza.

Se os mercados de trabalho são hoje mais diferenciados e mais complexos do que há algumas décadas e se as atitudes individuais e grupais são, também elas, muito mais plurais, nem por isso o trabalho remunerado deixou de ser, contudo, o principal meio de aceder a rendimentos e de se integrar na sociedade.

Entendo, por isso, que a regulação dos mercados de trabalho e a concepção dos sistemas de protecção social não podem continuar a ser baseadas apenas no estereótipo do pleno emprego masculino, do contrato sem termo e da formação inicial válida para a vida inteira.

Não é sustentável que trabalho assalariado e emprego continuem a ser tomados por sinónimos, que se considerem como excepções menores o trabalho precário, o desenvolvimento do tempo parcial e de outras formas de reorganização e partilha do tempo de trabalho.

A incapacidade das formas predominantes de regulação dos mercados de trabalho e dos sistemas de segurança social para responder a estes desafios representam, em si mesmas, um factor de discriminação social e um motor de descontentamento suficientemente potente para dificultar o funcionamento das sociedades europeias.

Por todas estas razões, creio que as sociedades europeias estão confrontadas com a necessidade de reformar o contrato social em que se baseiam.

Não se trata, bem entendido, de limitar a eficiência económica em nome da política social mas, pelo contrário, de articular as mudanças económicas e sociais, assegurando que a compatibilidade das opções de curto prazo com os efeitos previsíveis a médio e a longo prazo.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Perante esta audiência de mulheres sindicalistas, não me deterei a lembrar que, embora em graus diferentes, os indicadores mostram em todos os Estados membros da União Europeia graus elevados de discriminação feminina na participação na população activa, no emprego, no desemprego, na distribuição profissional do emprego e das qualificações, na precariedade do emprego, na duração do trabalho, na remuneração.

Não creio, também, que seja necessário sublinhar aqui que a disseminação de novas formas de reorganização do tempo de trabalho ou o acesso à educação e à formação atingem diferentemente homens e mulheres, porque diferente é também a partilha entre os sexos das actividades não remuneradas, dentro e fora das famílias.

Estou, portanto, seguro que partilhamos o entendimento de que a reforma do modelo social europeu deve ter presente que, embora a titularidade dos direitos seja individual, os factores de discriminação são frequentemente colectivos.

Tenho tido ocasião de afirmar, minhas Senhoras e meus Senhores, que considero a questão social um dos pontos essenciais da agenda política contemporânea e que entendo que a Europa precisa de encarar o desemprego estrutural, a pobreza e a exclusão social como problemas cuja solução não dispensa uma nova partilha de responsabilidades entre a União e os Estados membros que retire a dimensão social europeia do lugar do estatuto de inferioridade em que tem estado acantonada.

Entendo que, no quadro da moeda única europeia, a União precisa de encontrar, em tempo útil, respostas claras e eficientes para uma partilha de responsabilidades que, também no plano social, exige concerteza estudo, debate e decisões difíceis a vários níveis.

Trata-se, seguramente, de um desafio complexo para que, estou certo, se encontrarão respostas diferenciadas em cada Estado membro.

Mas tal não torna dispensável que a reforma dos Tratados, respeitando embora o princípio da subsidiariedade, encare decididamente a reforma do modelo social europeu e se assumam, também a esse nível, as responsabilidades decorrentes da unificação monetária e da afirmação externa da União Europeia.

A construção europeia exige, a meu ver, que se redefinam os contornos do espaço público e privado, tanto no plano europeu, como no plano nacional e que nesse quadro se reconheça que a reformulação do modelo social constitui um problema central da governabilidade das sociedades europeias.

Tenho tido ocasião de afirmar que atribuo uma grande importância às iniciativas que possam contribuir para o progresso do debate destes problemas entre os especialistas, entre as organizações patronais e sindicais, entre outras organizações não governamentais e nas próprias instituições públicas.

Não quero por isso terminar esta intervenção sem afirmar, também aqui, o meu apoio ao debate que, estou certo, se seguirá quanto ao modo de articular o reconhecimento da diferença entre sexos com o respeito pelos princípios da igualdade de oportunidades e da solidariedade.