Sessão de Trabalho dos Chefes de Estado e de Governo na VI Cimeira Ibero-Americana

Santiago do Chile
10 de Novembro de 1996


Agradeço a Vossa Excelência, Senhor Presidente da República do Chile, o convite que tão amavelmente nos dirigiu para participar nesta Cimeira. Em meu nome pessoal e em nome da Delegação do meu país, quero também, através de Vossa Excelência, dirigir ao Povo Chileno uma saudação fraterna e a expressão do nosso agradecimento.
As Cimeiras Ibero-Americanas prosseguem o objectivo de conferir maior expressão à identidade e solidariedade entre os nossos Povos e Países, aprofundando o sentimento de pertencermos a uma comunidade de mais de seiscentos milhões de seres humanos que comungam indeléveis laços históricos, culturais, afectivos e linguísticos. História, cultura, afecto e língua — castelhano e português — são efectivamente os alicerces sobre os quais a Comunidade Ibero-Americana terá de crescentemente se assumir como forum de reflexão conjunta, mecanismo de intercâmbio de experiências e espaço de concertação e solidariedade.

A articulação dos imperativos da consolidação de instituições livres, próprias de sociedades abertas, com os desafios da modernidade e do progresso — em suma, a governabilidade em democracia — é uma responsabilidade comum de todos os democratas.

Conhecemos de perto a exultante experiência da transição democrática pós-autoritária. Temos a acrescida obrigação de saber reconhecer a força das ideias políticas, dos movimentos sociais e

das tendências internacionais que estimularam essa mudança política. Os modelos autoritários esgotaram-se, minados pela falta de legitimidade, pela incapacidade de responder às crises económicas e sociais, pelo isolamento externo. A denegação dos direitos cívicos revela-se inconciliável com sociedades evoluídas.

A solidariedade democrática representa um factor qualitativo relevante nas relações entre os Estados: as democracias constituem um espaço de paz na sociedade internacional, multiplicando entre si os quadros multilaterais indispensáveis para dar forma a modelos inovadores de cooperação, em todas as dimensões.

A Comunidade Ibero-Americana é um bom exemplo dessa evolução. A sua criação só foi possível depois da democratização sucessiva de Portugal, de Espanha e da generalidade dos Estados da América Latina. A sua primeira finalidade é consolidar essa viragem histórica e projectar-se no âmbito das relações internacionais como uma Comunidade de Estados democráticos.

Naturalmente, para lá dos vínculos políticos e culturais, os problemas de cada um dos nossos Estados são diferentes e correspondem a situações específicas. Seria imprudente compararem-se casos muito distintos.

Portugal e Espanha estão empenhados num processo de integração regional com uma densidade institucional ímpar, centrado na construção e aprofundamento da União Europeia.

Uma parte importante dos Estados da América Latina, designadamente o Brasil, país nosso irmão, está também a desenvolver, no Mercosul, um modelo próprio de regulação de uma crescente interdependência regional, igualmente assente no princípio da cooperação entre as democracias. E muitos Estados aqui representados seguem idênticos caminhos.

A Comunidade Ibero-Americana, tal como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, este ano institucionalizada, constituem entidades vocacionadas para procurar caminhos no sentido de uma cooperação mutuamente benéfica, tanto no plano cultural como no económico.

Acredito que estas duas Comunidades — a Ibero-Americana e a Afro-Luso-Brasileira — potenciam espaços de solidariedade capazes de cingir ambas as margens do Atlântico.

Não obstante a diversidade das situações internas nos nossos países, existe uma multiplicidade de problemas comuns.

É imperioso definirmos as orientações políticas que tornem possível realizar a convergência entre as reformas económicas e sociais determinadas pela competição internacional e a construção de regimes democráticos mais abertos e participados, assentes em organizações políticas e sociais sólidas, transparentes e representativas. Assume neste contexto particular relevância o adequado exercício autonómico dos Municípios, cuja função é imprescindível para o reforço do sentimento de participação dos cidadãos na governação e no bem comum da sociedade.

Nenhum de nós ignora as dificuldades do percurso. A nossa responsabilidade é saber definir as orientações mais equilibradas, sem temer as decisões mais difíceis, mantendo sempre como objectivo central o desenvolvimento solidário e sustentável.

No passado, o tema da governabilidade foi invocado para anunciar a crise da democracia. A História recusou essa ligação: pelo contrário, revelou a força da democracia e demonstrou a sua capacidade para resolver, lenta mas seguramente, as crises da economia e da sociedade.

Hoje, o debate sobre democracia e governabilidade assenta na premissa da consolidação democrática e na intransigente defesa dos direitos humanos, para conjuntamente pensarmos sobre as formas de melhor garantir a eficácia e a transparência das instituições representativas. Importará, por outro lado, ter presente a necessidade de se caminhar para uma repartição mais justa e equitativa dos recursos económicos. Esta é uma condição essencial para cimentar a estabilidade democrática e social, devolvendo aos cidadãos o sentimento de pertença a uma comunidade solidária e coesa.

Não poderia terminar sem evocar Timor-Leste. A atribuição do Prémio Nobel da Paz ao Bispo Ximenes Belo, símbolo da luta de um povo mártir, e a José Ramos Horta, dirigente e porta-voz da resistência timorense, traduz o reconhecimento internacional da causa de Timor-Leste e constitui um importante estímulo para os esforços da Comunidade Internacional na procura de uma resolução justa da questão timorense. Nesse sentido, Portugal continuará a cooperar com o Secretário-Geral das Nações Unidas na defesa do direito ao exercício livre e democrático, à autodeterminação do Povo de Timor-Leste.

Como um dia escreveu Pablo Neruda:

«[…] cambiaremos la Tierra. No irá tu sombra alegre de charco en charco hacia la muerte desnuda.

Cambiaremos, uniendo tu mano con la mia, la noche que te cubre con su bóveda verde.

Cambiaremos la vida para que tu linaje sobreviva e construya su luz organizada.»