Encerramento do Colóquio "Os Poetas Portugueses e a Europa"

Fundação Cultural Romena (Visita de Estado à Roménia)
05 de Março de 2000


A realização deste Colóquio, durante e assinalando a minha visita de Estado à Roménia, é, para mim e para todos os que me acompanham, motivo de profunda satisfação, pois constitui uma feliz oportunidade para pôr em evidência os laços existentes entre as nossas culturas, ao mesmo tempo que sublinha a importância insubstituível e crescente da cultura no Mundo globalizado de hoje e na construção da Europa do futuro.

Agradeço muito a honrosa presença do Presidente Emil Constantinescu, que dá a este acontecimento um simbolismo particular e representa mais uma gentileza que tanto nos desvanece.

Ao associar-se à Embaixada de Portugal e ao Instituto Camões na organização do Colóquio, a Fundação Cultural Romena prossegue uma actividade de cooperação que muito apreciamos e que desejamos prossiga.

É sob o lema da literatura e da Europa que aqui se reuniram prestigiados intelectuais portugueses e romenos, que saúdo. É, de facto, muito interessante a reflexão sobre o modo como os escritores dos dois países, pertencentes ao mesmo universo da latinidade, mas distanciados geograficamente e situados nos extremos, viram e foram atraídos por esse centro: a Europa, como mito, ideal, símbolo, como realidade política, cultural e física, como história, como identidade, como herança e como projecto.

Portugal, que é hoje membro da União Europeia, reencontrou-se com a Europa, após a Revolução do 25 de Abril de 1974 e da instauração plena da democracia pluralista. A nossa adesão não representou apenas um facto capital, no plano político, económico e social. Marcou também uma nova época no domínio da cultura.

No século XV, os navegadores portugueses foram pioneiros de uma aventura de globalização, que levou a Europa ao Mundo e que pré-fundou a Idade Moderna, abrindo a cultura europeia ao experimentalismo, ao espírito científico e ao universal.

País situado no limite ocidental da Europa e banhado pelo Atlântico, a identidade portuguesa é marcada por este duplo apelo - o da terra e o do mar - tão profundamente expresso nas obras de Camões e de Pessoa.

Ao longo da história, este duplo apelo foi vivido, quase sempre, como contraditório. A nossa cultura, e a nossa literatura, a nossa poesia reflectem este diálogo conflitual entre a proximidade e a distancia, entre o ficar e o partir, entre o europeísmo e o atlantismo.

Hoje, sabemos, todavia, que este é um conflito que se pode resolver dando complementaridade à nossa dupla vocação, que assim se cumpre na nossa pertença à União Europeia e à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que inclui cinco países africanos, o Brasil e, no futuro, Timor-Leste.

Assumirmos a nossa vocação europeia integralmente, sem alienarmos os laços que nos ligam aos países com os quais tivemos um passado comum e que falam a mesma língua, representa uma transformação cultural do maior alcance. Sabemos, agora, que é na Europa que a nossa posição no Mundo se reforça e valoriza. Sabemos, hoje, que não precisamos de renunciar ao que fomos para sermos o que somos e o que queremos ser.

É por isso que, em nosso entender, a Europa deve ser um espaço de diversidade e de abertura, em que cada país, embora comungando valores, princípios, objectivos, não dilui a sua identidade cultural. Espaço de diversidade linguistica e cultural, a Europa terá de ser um espaço aberto aos outros e ao universal.

Na história de Portugal e da Roménia, houve momentos em que o diálogo entre as nossas culturas foi fecundo, valorizando-se as nossas afinidades linguísticas. A feliz circunstância de termos, actualmente, como embaixadores dos nossos países, duas prestigiadas figuras da cultura, é penhor seguro de que esse diálogo será revigorado, na linha aliás do que aconteceu no passado, com a presença em Lisboa, de figuras como Lucian Blaga e Mircea Eliade.

No nosso tempo, a circulação das ideias, dos bens culturais, das criações artísticas e científicas é a verdadeira realidade transformadora, com consequências enormes.

As indústrias da cultura, acompanhando a espantosa evolução das tecnologias de comunicação, representa um dos mais importantes investimentos no futuro.

O diálogo entre os nossos dois países, num Mundo em transformação, representa um contributo importante para fazer do projecto europeu uma construção assente na cultura, pois a cultura é aquilo que, mesmo nos tempos de crise ou de dificuldade, nos acrescenta e nos faz mais livres e humanos. Essa é a grande lição do humanismo europeu a que queremos ser fiéis. E, como ensinou Fernando Pessoa, a única maneira de sermos fiéis ao passado, é torná-lo futuro e vida.