|
|
|||
Sessão de Encerramento do Seminário Internacional «O Futuro das Relações entre as Áreas de Integração Regional no Século XXI»
Universidade de Macau
Tive muito prazer em aceitar o amável convite que o director do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais e o presidente da Fundação Macau me quiseram dirigir para encerrar o seminário internacional sobre «O futuro das relações entre as áreas de integração regional no século xxi».
Considero muito oportuna esta iniciativa, e tanto mais interessante pelas afinidades entre o tema, tão actual, das relações entre os espaços regionais emergentes e a vocação natural de Macau, verdadeiro paradigma do cruzamento entre civilizações. A Universidade de Macau no centro de tudo isto é importante. No relacionamento entre a Universidade, as empresas e os estudantes. O fim da guerra fria abriu um período de transição e de mudança profunda na política internacional. Para trás, ficou um século de extremos, marcado por guerras e revoluções de uma violência inédita, bem como pela irradiação sem precedentes dos valores humanistas da liberdade e da democracia, por fluxos dinâmicos de desenvolvimento, que acentuaram as relações de interdependência económica, e pela difusão das comunicações, cujo resultado é uma interpenetração cultural, cada vez mais forte e sem fronteiras. Para trás ficou também um regime bipolar, dominado pela oposição entre duas grandes potências internacionais, separadas tanto pelas paixões ideológicas como pela rivalidade dos interesses, tal como a diplomacia triangular, o jogo de equilíbrios entre os Estados Unidos, a União Soviética e a China, no qual a guerra fria se desdobrava para incluir o conflito entre as duas principais potências comunistas. Durante 40 anos, a guerra fria determinou os equilíbrios estratégicos, designadamente na Europa e na Ásia, limitando severamente a autonomia política dos Estados europeus e asiáticos, e condicionando o seu estatuto internacional. Entre a revolução na Europa de Leste, a unificação da Alemanha e o fim da União Soviética, tudo mudou. A estabilidade aparente da guerra fria deu lugar a um processo de transição, marcado, como é natural, por fortes incertezas, que está longe de terminar. Em todo o caso, podem constatar-se, desde já, certas tendências de evolução no pós-guerra fria, que indicam caminhos futuros possíveis, na procura de uma fórmula de restruturação dos equilíbrios internacionais, ou de um modelo de ordem internacional. As antigas clivagens bipolares e os afrontamentos ideológicos do passado parecem ter dado lugar, por um lado, a uma tendência para a descentralização do poder internacional e, por outro lado, a uma tensão entre dinâmicas de integração e de desintegração. A descentralização do poder nas relações internacionais torna possível a transição para um regime multipolar, a par da emergência de entidades regionais autónomas na Europa, na América do Norte e do Sul, ou na Ásia Oriental. A tensão entre integração e desintegração é mais difusa, e não só caracteriza o processo de consolidação ou de constituição dos principais espaços regionais, como se reproduz dentro dos próprios Estados. A multiplicação das entidades regionais é um fenómeno novo. No passado, só a Europa Ocidental pôde encontrar, nas ruínas da última grande guerra e na ameaça da sua repetição, a força indispensável para desenvolver uma dinâmica de integração regional, assente na reconciliação entre os antigos adversários, na determinação comum de criar um espaço de segurança, de paz e de democracia, e na cooperação entre os Estados. No pós-guerra fria, a União Europeia, pelas condições de estabilidade política e de prosperidade económica, pela densidade das suas redes institucionais, e pela sua capacidade de regular as relações de interdependência entre os Estados, surge como um modelo inicial para outras entidades regionais. A sua estratégia de resposta à transição pós-guerra fria é clara, e orienta-se no sentido de intensificar e de alargar o processo de integração regional, para conter os riscos de desintegração e de fragmentação, que se exprimiram, tragicamente, nas guerras civis na antiga Jugoslávia. Este ano e o próximo serão decisivos para completar essa estratégia, designadamente com a unificação económica e monetária, a reforma institucional e a extensão paralela das fronteiras da União Europeia, cruciais para realizar a unidade das democracias, consolidar a dinâmica de integração regional, e assegurar a projecção internacional da Europa. As entidades regionais na América do Norte e do Sul, ou na Ásia Oriental, não têm nem a mesma experiência, nem um desenvolvimento institucional comparável, nem têm, bem entendido, de seguir os caminhos da Europa. Todavia, a crescente interacção estratégica entre os Estados em cada uma dessas regiões, bem como a importância das relações de interdependência económica regionais, demonstram, com grande nitidez, a força dessa dinâmica de descentralização na política internacional. Nesse sentido, a formação de um regime multipolar inclui uma nova dimensão, que está a transformar as relações internacionais, pois estas passaram a ser também relações inter-regionais. Essa mudança traz consigo novos problemas. O mais importante é, justamente, preencher a dimensão inter-regional. Não há, nem poderia haver neste momento, um consenso sobre o significado da emergência das entidades regionais, que aparece associado, em parte, à ressurgência de civilizações e de culturas históricas, nomeadamente na Ásia Oriental. Os mais pessimistas antecipam riscos de guerra e de tensões prolongadas, resultantes dessas novas formas de divisão na política internacional. Os mais optimistas temperam essa visão, invocando a capacidade da economia, dos fluxos financeiros, ou da homogeneização cultural para esbater tanto as fronteiras entre os Estados, como as linhas de demarcação entre os espaços regionais. Em todo o caso, o problema exige uma atenção prioritária dos responsáveis políticos, tanto como dos peritos ou dos analistas. Pela sua parte, Portugal defende a importância decisiva da consolidação dos processos de integração regional e a necessidade de garantir a abertura política, económica e cultural nas relações entre as entidades regionais. Parte integrante da União Europeia, Portugal está empenhado em garantir o seu lugar entre os Estados fundadores da moeda única europeia, e é favorável ao alargamento do espaço comunitário regional, indispensável para a segurança europeia, para estabilizar as democracias pós-comunistas na Europa Central e Oriental, e para reforçar a posição internacional da Europa unida. Só uma União Europeia mais forte terá condições para resistir às tentações proteccionistas e isolacionistas, e para se opor, decisivamente, à criação de novos muros na política internacional. A história ensinou-nos que o futuro da Europa só se pode realizar pela sua abertura externa, cujo primeiro passo foram as expedições marítimas portuguesas. A nossa experiência mostrou--nos como o isolamento internacional é sinónimo de decadência política, económica e cultural. A nossa vocação leva-nos a reconhecer na troca de ideias, saberes e mercadorias com outras civilizações e outros continentes as condições do progresso. Macau, último entreposto da aventura renascentista, durante séculos a porta aberta entre o Oriente e o Ocidente, é o paradigma do encontro de civilizações. Para nós, esse valor é tanto mais actual, num momento em que as relações entre a Europa e a China se tornaram um factor crucial para a definição de um quadro multipolar estável dos equilíbrios internacionais. Pequena marca na periferia da China, Macau
É esse o desafio da transição, que queremos seja exemplar, no respeito pela autonomia de Macau, dentro da linha de continuidade essencial das instituições, das normas jurídicas e da especificidade cultural do Território definida pela Declaração Conjunta luso-chinesa, e num quadro de cooperação leal entre Portugal e a República Popular da China. Pela nossa parte, tudo faremos para que a transferência de poderes fortaleça a identidade própria de Macau, e consolide o seu estatuto histórico como ponto de encontro entre a Europa e a Ásia Oriental. No outro extremo, Timor-Leste representa um caso trágico de usurpação e repressão. Até à data, o regime autoritário indonésio não mostrou compreender as profundas mudanças internacionais, e mantém-se numa posição de intransigência, procurando arrastar os seus parceiros asiáticos para a sua recusa de aceitar uma forma pacífica de resolver a questão de Timor-Leste, através do exercício livre e democrático do direito de autodeterminação. Portugal, reconhecido pelas Nações Unidas como potência administrante de jure do Território, não tem outra exigência, senão a restauração do direito internacional e a defesa dos direitos humanos em Timor-Leste. Seria prejudicial para a resolução da questão de Timor-Leste que a Indonésia pudesse associar à sua posição os seus parceiros regionais. Timor-Leste não é um conflito entre a Europa e a Ásia Oriental. É um conflito entre a Indonésia e a comunidade internacional, e entre o regime autoritário indonésio e a comunidade timorense, heróica na sua resistência e na rejeição da ocupação ilegal. Pela sua parte, Portugal nunca desistirá de lutar para garantir o exercício válido do direito de autodeterminação no Território, em cooperação com o Secretário-Geral das Nações Unidas.
Minhas Senhoras e meus Senhores, O momento presente na política internacional é, a todos os títulos, fascinante. Tudo está em mudança, num processo onde se vão formar os equilíbrios e as relações internacionais, no limiar de uma nova era. A responsabilidade dos decisores políticos é tanto maior, nessas circunstâncias excepcionais. A sua visão e a sua capacidade de orientação estão postas à prova. Para lá das incertezas, a mudança significa uma oportunidade rara para ultrapassar o ciclo infernal das guerras e das revoluções, das tentações hegemónicas e dos afrontamentos ideológicos, que marcaram o século xx, e abrir caminho para a construção solidária de uma sociedade internacional, assente no direito, na paz e na cooperação.
|