A Azeredo Perdigão (Nas Comemorações do Centenário do Seu Nascimento)

Fundação Calouste Gulbenkian
18 de Setembro de 1996


EŽ para mim uma honra e um grato dever estar presente nesta sessão de homenagem e evocação da memória de José de Azeredo Perdigão, no dia em que se comemoram cem anos do seu nascimento.
O doutor Azeredo Perdigão, uma das figuras mais marcantes da vida portuguesa deste século, que prestou, como poucas, valiosíssimos serviços ao país era também uma personalidade fascinante, riquíssima, com invulgares qualidades e talentos.

Espírito livre, curioso e interessado, amigo e companheiro dos poetas do Orfeu, como Fernando Pessoa, Alfredo Guisado e Almada Negreiros, Azeredo Perdigão, não obstante a sábia capacidade de adaptação que sempre evidenciou, manteve-se toda a vida fiel aos seus princípios e intransigente quanto ao fundamental.

Grande advogado e jurisconsulto, com uma enorme experiência profissional, de décadas, pôs os dotes ao serviço de Calouste Gulbenkian, tendo desempenhado, como é sabido e louvado, justamente, um papel decisivo no processo que levou à instalação em Lisboa da sede da fundação criada pelo milionário e mecenas para, fundamentalmente, preservar a sua fabulosa colecção de obras de arte, só por isto a nossa dívida para com ele seria enorme.

Mas a acção desenvolvida, ao longo de mais de trinta anos em que foi o presidente, a alma, o dinamizador e o rosto da Fundação Gulbenkian, foi notabilíssima, ele foi a referência moral, o causídico vigilante, o gestor seguro, o homem de cultura e o presidente que soube preservar a independência da instituição e concretizar brilhantemente a vontade do instituidor, para além dos regimes e das vicissitudes políticas.

Deu constantes provas de um alto sentido dos interesses que lhe competia defender. Mas tornou essa responsabilidade compatível com a defesa do interesse nacional, que sempre acautelou, e o prestígio de Portugal, que ampliou.

Fê-lo com uma habilidade, uma inteligência, um tacto e uma destreza intelectual inigualáveis. À frente dos destinos da fundação, ele sabia ouvir e decidir, transigir e ser intransigente, ser flexível e ser firme. Como ensina a sabedoria antiga, aliava prudência e ousadia, astúcia e generosidade, sentido da tradição e abertura ao novo. A obra moral e material que realizou e nos legou é vasta e permanece viva.

Não podemos imaginar, sequer, o que teria sido a segunda metade do século xx português sem a Fundação Gulbenkian e o seu primeiro presidente, o que se fez em matéria de cultura, ciência, artes, educação, saúde, filantropia, suprindo tantas vezes as insuficiências do Estado, é gigantesto. E isso deve-se, em grande parte, à sua administração e ao perfil que definiu para a fundação.

Deve-se também à sua capacidade de reunir gente com qualidade, de suscitar o respeito e a adesão, ao seu senso crítico, à sua exigência de qualidade e rigor, à sua preseverança. Azeredo Perdigão era um homem que amava a vida e as coisas belas. A sua longevidade foi o exercício de uma sabedoria de vida. O modo como acolhia uma ideia nova, uma proposta mais arrojada, um desafio exaltante era verdadeiramente modelar.

A sua abertura de espírito era contagiante. Conversar com ele constituía um prazer ímpar. A memória privilegiada, o talento para contar histórias, a ironia e malícia dos seus comentários, a elegância de trato eram encantadores. Tive várias vezes o privilégio de o ouvir e guardo disso uma lembrança gratíssima.

Neste dia de tão grande significado, na presença dos seus familiares, colaboradores e amigos, nesta casa que ele construiu e era a dele, quero, em nome de Portugal, evocar a sua memória e render-lhe pública homenagem.

O seu exemplo continua actual, nestes tempos de tanta mudança, precisamos de fazer uso de semelhante espírito de abertura e de inovação, a fidelidade aos grandes princípios e a independência que sempre defendeu e praticou são também preciosos guias.

A fundação que ele concretizou e governou, agora presidida pelo meu ilustre amigo e grande mestre de Direito, professor Ferrer Correia, a quem saúdo respeitosamente, procura agora os caminhos que a farão entrar no próximo século com um novo fôlego. As circunstâncias não são fáceis, como sabemos. Mas existem os grandes ideais que presidiram à sua criação, a solidez da instituição, a qualidade dos que nela trabalham e os objectivos claramente definidos.

Quero felicitar o jovem Nuno Manuel de Oliveira por ser o primeiro a receber o prémio que tem o nome do nosso homenageado, estou certo de que nada seria mais grato ao seu espírito do que distinguir um jovem estudante de Direito sob a égide da sua memória.

Ao lembrarmos hoje, aqui, Azeredo Perdigão proclamamos a nossa vontade de prosseguir a sua obra e de apontar o seu exemplo de homem livre, que sempre defendeu os interesses de Portugal, a cultura e as grandes causas universais e altruístas que inspiram a Fundação Gulbenkian.