A Olga de Cadaval (No Concerto em Sua Memória)

Palácio Nacional de Queluz
17 de Janeiro de 1997


Não há melhor forma de homenagear a memória da Marquesa Olga de Cadaval do que esta — com música e numa bela iniciativa da Câmara Municipal de Sintra, com o apoio precioso da Fundação Calouste Gulbenkian. Felicito os seus organizadores e saúdo com muita simpatia a família Cadaval, aqui presente.
Com a idade do século, Olga de Cadaval viveu a sua longa vida com rara plenitude. Foi fiel a si mesma, aos amigos, aos seus gostos, às inclinações do seu coração. Em Sintra, em Muge, em Veneza ou em qualquer lugar onde estivesse era sempre a grande Senhora, aristocrata de família e sobretudo, de espírito, que é o que mais conta.

A sua experiência do Mundo era vastíssima, a sua memória estava cheia de pessoas e de acontecimentos excepcionais. Ouvi-la era um prazer ímpar. Ela referia-os com uma graça, uma leveza e um desprendimento sagaz que traduziam uma refinada sabedoria da vida. Foi essa sabedoria que a levou a enfrentar com estoicismo e coragem a adversidade e os sofrimentos de que a sua vida, não esteve, em certos períodos, isenta.

Tinha uma fé intensa e recolhida, uma influência grande e discreta, uma ascendência ilustríssima de que não fazia alarde e que tomava, não como motivo de vaidade ou vã glória, mas como uma responsabilidade a honrar. Era capaz dos mais largos gestos de generosidade que não pesavam em quem os recebia.

Há talvez uma explicação para esta atitude tão nobre e invulgar: a riqueza da sua vida interior, a sua qualidade humana e a altura da sua posição natural dispensavam sinais exteriores ou qualquer excesso de exibição. Tinha grandeza, distinção e discrição. Foi um privilégio para nós que se tivesse tornado portuguesa, por casamento, por escolha, por amor.

A Marquesa de Cadaval foi, de facto, uma personalidade marcante na vida portuguesa deste século, em especial na nossa cultura. Posso disso dar testemunho pessoal.

Como já contei, tendo meu pai sido médico da sua família, por vários anos, Olga Cadaval conheceu-me desde criança e tive
a felicidade de receber, durante muitas décadas, o seu carinho, a sua cultura e o seu fino sentido de ironia. Foi sempre a mesma e eu, para ela, sempre o mesmo: desde a minha juventude até adoecer chamou-me «Poil de carotte».

Por sua casa, em Colares, passaram e até nela viveram grandes figuras da cultura contemporânea, muitas delas em busca de paz ou em fuga de regimes opressores. De Ortega Y Gasset até Rostropovich, dos artistas mais novos aos mais conhecidos, todos receberam aí apoio, estímulo e compreensão, calor humano.

A sua presença na vida cultural portuguesa, muito em especial na música, foi das mais marcantes deste século. Não terá havido um mecenas pessoal tão generoso, empenhado e decisivo. Nunca pediu ou esperou em troca o que quer que fosse. Movia-a o puro amor à música, aos que a fazem, à cultura, ao espírito à beleza.

A Marquesa de Cadaval foi ainda uma mulher aberta ao mundo e à mudança, que afinal viu tudo e tudo procurou compreender, sempre com a simplicidade de trato e a profundidade de sentimentos das verdadeiras personalidades que são grandes e inesquecíveis.

Ao evocarmos a figura de Olga de Cadaval, fazemos votos de que o seu exemplo faça escola e dê frutos.

Quero, em nome de Portugal, prestar homenagem à sua memória. A nossa cultura tem para com ela uma dívida de gratidão enorme. A maneira de a saldarmos um pouco é concretizarmos os seus sonhos, continuando a fazer o que ela fazia e a amar o que ela amava. Este concerto que aqui nos reúne, no dia do seu aniversário natalício, e que tem a participação de músicos tão prestigiados, é o sinal de que isso acontecerá.