Sessão de Abertura do XXXV Conresso Internacional da Associação de Jornalistas Europeus

Fundação Calouste Gulbenkian
20 de Outubro de 1997


Saúdo, na pessoa do Presidente da Associação de Jornalistas Europeus, todos os profissionais de Comunicação Social, e faço votos para que este XXXVº Congresso atinja plenamente os seus objectivos e, assim, contribua, a seu modo, para o importantíssimo papel que os jornalistas desempenham nas sociedades modernas.
Permitam, todavia, ao Presidente da República uma menção individualizada. Quero saudar, na pessoa da Drª Maria Elisa Domingues, todos os jornalistas portugueses. Para quem, como eu, iniciou a sua vida política no combate á ditadura, a liberdade de expressão era uma das liberdades mais ansiadas. A censura prévia e a repressão, de que eram alvo tantos jornalistas, marcaram toda uma geração. Posso dar testemunho do que foi esse difícil caminho e presto a minha homenagem aqueles que nunca temeram o preço que tiveram de pagar. É a eles, em particular, que dedico esta minha saudação, e faço votos para que ela possa representar, para as novas gerações de jornalistas, um exemplo: o exemplo de que a luta pelo rigor informativo e pluralismo noticioso não têm preço e que nem os regimes, nem a lógica dos interesses económicos se podem sobrepor ao rigor deontológico.
Quero, também, felicitar os organizadores pela escolha do tema deste Congresso: “Uma nova Cidadania para a Europa”. A questão da cidadania é um grande tema de civilização e também o grande debate que marcará a futura evolução da União Europeia e também da Europa no seu sentido mais amplo.
É, aliás, impossível separar este debate de uma reflexão mais profunda sobre o problema da cidadania nas sociedades contemporâneas.
Não podendo acompanhar mais de perto o desenrolar dos vossos debates, em virtude de compromissos inadiáveis, permitam-me, porém, que vos deixe aqui, uma ou duas reflexões, sem nenhuma preocupação de sistematização. Exprimem elas certos temas que tenho procurado colocar no centro das minhas preocupações políticas e que correspondem, afinal, á leitura que faço de algumas das grandes questões que marcarão a passagem para o século XXI. Para mim a cidadania é uma das questões prioritárias. Ela estará, sem dúvida, no centro do debate político dos próximos anos.
Duas notas simples, portanto.
Hoje, é impossível não reconhecer que o Estado-Nação, vê a sua autonomia reduzida quer pela globalização das decisões económicas e pela descentralização da organização industrial, quer pelo aprofundamento dos processos de integração regional. O nível nacional parece ser, assim, demasiado pequeno para os grandes problemas e demasiado grande para os pequenos problemas: os do desenvolvimento local e regional, os da prestação de serviços públicos e profícua. É por aqui que passa uma das linhas de reflexão sobre o moderno papel do Estado e o debate sobre a moderna questão da cidadania. Não surpreende, por isso, e a título de exemplo, que tenham plena actualidade os desenvolvimentos teóricos e práticos em torno de conceitos como os de proximidade e subsidiariedade.
Por outro lado, hoje é impossível não reconhecer que há uma grande distância entre a perspectiva de curto prazo da política centrada nos calendários eleitorais e a natureza de longo prazo de muitos problemas económicos e sociais. Ou ainda, noutra perspectiva, entre as instituições políticas e as novas exigências para a descentralização progressiva do poder, articulando, em novos moldes, participação democrática e decisão. Estas são, em minha opinião outras das questões que é impossível evitar no debate mais amplo sobre esta problemática.
É com alguns destes problemas que nos vamos confrontar nos próximos anos. É preciso trazê-los, com coragem, para o centro da agenda política. Numa perspectiva política imediatista, pode não o parecer, mas, no fundo, é o futuro da natureza do regime democrático, da concepção do Estado, e da relação entre o indivíduo e a Nação que está em causa. É, por isso, minha obrigação como Presidente da República, não deixar que as circunstâncias se sobreponham ao essencial. É indispensável que os grandes temas que marcarão a passagem de Portugal ao século XXI sejam efectivamente debatidos.
No centro do debate mais vasto sobre a cidadania está também, naturalmente, a questão das assimetrias - as oportunidades de vida dos cidadãos - e a autonomia individual. Hoje, o aumento da independência pessoal é acompanhado por um aumento de interdependência social e, por isso, autonomia individual não se pode nunca confundir com autarcia pessoal O que está verdadeiramente em causa é, por um lado, o relacionamento entre indivíduo e sociedade, e, por outro, as bases de uma nova relação entre liberdade e igualdade.
O aprofundamento da cidadania depende da criação de oportunidades iguais de participação. O aperfeiçoamento dos direitos políticos, civis, sociais e económicos é condição de possibilidade para a maior participação política. Mas, e este é um dos grandes desafios que quero sublinhar, o cidadão preocupa-se, felizmente cada vez mais, não apenas com o resultado - isto é, com a decisão -, mas também com os procedimentos de tomada da decisão política.
Creio que o Estado tem perante si a necessidade de ampliar as metodologia inclusivas da participação dos cidadãos na tomada de decisões. Longe de enfraquecer o papel do Estado, cuja crise é impossível não reconhecer, mas que não está aqui em debate, só esses mecanismos podem assegurar uma condição essencial a uma sociedade política democrática: o reconhecimento, individualmente assumido, de que, embora os cidadãos nem sempre consigam o que querem da decisão política, acreditam que a participação é possível, é justa e vale a pena.
A democracia implicou sempre a existência de direitos civis e políticos - da liberdade de expressão e de imprensa ao direito de votar á formação de partidos políticos, entre outros - e estes direitos são necessários para que os cidadãos possam governar-se a si mesmos.
Mas hoje o desafio é outro: uma cidadania livre e igual requer não apenas direitos e deveres formais no domínio da política e da sociedade civil mas também acesso a recursos a e oportunidades de participação mais ampla. Talvez só com a ampliação dessas novas formas descentralizadas de participação - e de oportunidades participativas iguais - se possa refundar uma nova relação substantiva entre liberdade e igualdade.
A democracia moderna tem de implicar o compromisso com um novo conjunto de direitos e deveres que, sem se substituírem aos anteriores os reforçam, ampliam e fortalecem, dando uma resposta ágil - mas que implicará sem dúvida uma transformação profunda no entendimento tradicional entre o cidadão e a política - á progressiva ruptura da relação entre o cidadão e o Estado.
Só o desenvolvimento de um conjunto de metodologias que incluam e promovam a participação do cidadão pode suster esta crise. Esta é a minha convicção há muito tempo, até porque acredito que negar essa nova geração de direitos políticos é negar a identidade do sistema político como um sistema verdadeiramente democrático, no quadro das novas condições civilizacionais.
É por todas estas e muitas outras razões que aguardo com o maior interesse o relato dos debates e as conclusões do vosso Congresso.