Sessão Solene de Abertura da Conferência sobre “Prevenção do Racismo no Local de Trabalho - Da Teoria à Prática”

Hotel Alfa - Lisboa
24 de Novembro de 1997


Foi com o maior prazer que aceitei o convite para presidir à sessão de abertura deste Seminário, promovido pela Fundação Dublin com o apoio do Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas.
Prazer, antes do mais, porque o tema dos vossos trabalhos se inclui entre os que justificaram a minha candidatura e têm estruturado o meu mandato presidencial: prestar especial atenção, ser uma voz de alerta sobre os problemas das minorias desfavorecidas, discriminadas, marginalizadas, sejam quais forem as causas da situação de dificuldade em que se encontram.
Mas prazer também por poder partilhar alguns pontos de vista sobre os problemas que aqui se debaterão com os representantes e os especialistas das administrações públicas e dos actores sociais europeus, isto é, com um grupo de pessoas com importantes papéis a desempenhar na configuração do futuro colectivo das mulheres e dos homens europeus.
Nasci num País cuja história o fez contactar com outros povos e outras culturas e cresci a ver partir, durante décadas, milhares dos meus compatriotas para emigração, tantas vezes ilegalmente.
Portugal é hoje um país democrático, que pôs fim a um império colonial e que participa, por mérito próprio, do núcleo central da construção europeia.
Este mesmo País, que continua a ver partir como emigrantes uma parte dos seus concidadãos, recebe hoje imigrantes que aqui procuram a protecção e as condições de vida que não conseguem ter nas suas terras e aqui desenvolvem a sua actividade profissional.
Portugal é, pois, um País que conhece os dois lados dos problemas que se põem aos trabalhadores que procuram, longe das suas pátrias, integrar-se em sociedades onde não nasceram, cujas línguas conhecem mal ou não conhecem de todo, cujas instituições, públicas e privadas, lhes são estranhas e, quantas vezes, compreendem mal os modos de ser e de estar dos imigrantes que as procuram.
Julgo, portanto, que Portugal e os Portugueses têm especiais razões para enfrentar com lucidez as causas do racismo e da xenofobia e para combater com coragem os seus efeitos.
Até por isso me regozijo com o facto do parlamento do meu País ter aprovado, nesta legislatura e por unanimidade, a lei da regularização dos imigrantes em situação irregular, a lei que, na base da reciprocidade, regulamenta o direito de eleger e ser eleito nas eleições locais e a lei que reconhece às associações de imigrantes, às associações anti-racistas e às associações defensoras dos direitos humanos a possibilidade de se constituírem assistentes nos processos originados por crimes racistas.
Considero estas medidas legislativas, bem como a decisão de tornar aplicável o rendimento mínimo garantido, também recentemente criado, a todos que residem legalmente no nosso País, como passos importantes do aperfeiçoamento do regime democrático em que vivemos há vinte e três anos.
Sei que Portugal não está sozinho neste caminho que visa adequar as instituições e o quadro legal à necessidade de enfrentar as demonstrações de racismo e de xenofobia que, aqui e ali, perturbam a paz e a tranquilidade dos europeus.
Naturalmente, congratulo-me com o facto de muitos outros Estados membros da União Europeia dedicarem igual atenção a este problema e atribuo a maior importância ao facto de todas as instâncias europeias terem concordado quanto à necessidade de juntar à tradicional condenação ética e política do racismo e da xenofobia a decisão de desenvolver acções concretas ao nível europeu contra estes flagelos.
Esta atenção renovada à marginalização e à exclusão social de base étnica e a concertação dos esforços dos Estados membros da União Europeia criam melhores condições para uma compreensão aprofundada destes fenómenos e constituem motivos de uma acção mais eficaz em prol dos direitos de cidadania de todos os que vivem na União Europeia.
Não é, porém, tarefa fácil combater o racismo e xenofobia.
Antes do mais, porque o racismo e a xenofobia são formas de discriminação que assentam em características étnicas dos indivíduos, sem que, em regra, essas razões sejam publicamente assumidas como o motivo das decisões que os desfavorecem.
A primeira dificuldade está, portanto, na frequente opacidade das práticas racistas e xenófobas que ocultam decisões efectivamente discriminatórias sem que sejam apresentadas como tal.
O combate ao racismo e à xenofobia exige, portanto, uma compreensão aprofundada das formas e dos meios das discriminações de base étnica mas também das motivações dessa aversão, frequentemente irracional, sempre carecida de fundamento científico, ao ser, ao estar e ao ter dos estrangeiros.
Trata-se de um combate que incumbe, em primeiro lugar, àqueles a quem o sufrágio eleitoral atribuiu a legitimidade e a responsabilidade das decisões políticas, isto é, da moldagem do futuro dos povos que os escolheram.
Mas, como todas as decisões com impactos sociais relevantes, tal tarefa não pode ser levada a bom porto se partir apenas das instituições políticas de topo.
Bem pelo contrário, o combate ao racismo e à xenofobia é um exemplo do relevante papel que cabe aos parceiros sociais e a outras organizações não governamentais na mudança social.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Tenho sustentado que a reforma do modelo social europeu é um dos maiores desafios políticos deste fim de milénio.
É um desafio político porque, como tenho dito, há que decidir sobre uma nova arbitragem entre a melhoria da competitividade económica e os direitos sociais dos cidadãos.
Trata-se de uma arbitragem nova entre valores, quer porque o pacto social tradicional não permite responder com eficiência suficiente aos problemas do desemprego estrutural, da desigualdade de oportunidades, do alargamento e aprofundamento da pobreza e da exclusão sociais, quer porque é preciso enfrentar o problema da crise financeira do Estado Providência, que, em parte, deriva das próprias ineficiências do sistema de protecção social.
Sem melhorar a competitividade empresarial nalguns sectores fundamentais, os países europeus não podem responder com sucesso à crise estrutural do emprego e do bem-estar social.
Mas, ao mesmo tempo, a degradação dos direitos sociais ou o desrespeito de direitos humanos fundamentais tem vindo a excluir da participação política uma parte dos cidadãos, o que diminui a governabilidade das nossas sociedades.
Problemas como a persistente desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres, como a diferenciação social de oportunidades de acesso à formação e ao emprego ou como exclusão social baseada na raça, na etnia, na religião são exemplos de que é necessário reconstruir a coesão social a partir dos problemas concretos do quotidiano.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Sei bem que as sociedades em que vivemos são estruturalmente desiguais e tenho bem presente que, como já Platão sabia, a república ideal só existe nos discursos dos que por ela se interessam.
Mas, exactamente por isso, a gestão da desigualdade constitui um dos critérios de demarcação entre políticas e entre políticos.
Quer como cidadão, quer como Presidente da República, tenho-me batido sempre pela remoção dos obstáculos que forçam os homens e as mulheres a serem menos iguais.
Para os que fazem seus os valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, para os que entendem que a liberdade se constrói e se promove pelo império da lei e pela defesa das liberdades concretas, o racismo e a xenofobia integram o conjunto das causas de ilegítimas de desigualdade.
A Declaração Comum aprovada em Florença pelos parceiros sociais europeus, há pouco mais de dois anos, mostra que as organizações que a subscreveram atribuem a maior importância à prevenção da discriminação racial no seu campo específico de acção, o local de trabalho.
Não poderia estar mais de acordo com a forma como a discriminação racial é aí abordada: como um desperdício de capacidades, como uma forma inaceitável de desigualdade entre trabalhadores, que é necessário erradicar dos mercados de trabalho com acções baseadas no conhecimento aprofundado e com políticas específicas.
Estou certo que as pessoas aqui reunidas e as organizações a que pertencem têm a capacidade e a motivação necessárias para dar um contributo relevante para os vossos trabalhos neste seminário e a vossa acção em prol de uma Europa mais solidária atinjam o bom êxito que merecem.
Duma e doutra dependem alguns aspectos do nosso futuro colectivo.