Sessão Comemorativa do Dia Internacional da Mulher

Braga
08 de Março de 1998


Desejo em primeiro lugar agradecer a vossa presença, minhas Senhoras, sabendo que, para muitas de vós, corresponder ao apelo para nos reunirmos aqui em Braga representou um esforço acrescido. Faço-o em meu nome e no da Maria José.
Aproveito para dirigir uma saudação a esta cidade de Braga, que aceitou com entusiasmo esta proposta de aqui realizar, este ano pela primeiro vez descentralizadamente, esta cerimónia, e agradecer às diversas entidades locais, nomeadamente à sua Câmara Municipal, a gratificante colaboração prestada.
Trouxe-nos aqui um apelo à partilha de preocupações e de solidariedade em face de problemas. Mas um apelo também à partilha do reconhecimento da intervenção cívica feita com inteligência e generosidade.
Com esta iniciativa quero sublinhar o papel da mulher no desenvolvimento da sociedade portuguesa. Destacando de forma especial algumas mulheres que se têm empenhado na promoção da cidadania, em sentido amplo, quero prestar homenagem à participação feminina na vida nacional, designadamente na vida democrática. E quero igualmente afirmar, a este propósito, a importância que atribuo à igualdade efectiva de direitos e à definição de políticas visando a sua consagração.
Em cada ano prestarei uma atenção mais forte a um conjunto específico de temas relacionado com a participação da mulher. Este ano escolhi o voluntariado e a política.
Iniciarei esta reflexão com uma referência a realizações que visitei. São realizações lideradas por mulheres e com uma dinâmica impulsionada por mulheres.
Tem sido meu objectivo valorizar e dar a palavra a pessoas que, não se deixando paralisar por obstáculos e contrariedades, põem em marcha modalidades de intervenção social de grande valor e de grande criatividade.
Nos contactos efectuados deparei-me com iniciativas de elevadíssima qualidade, tanto no domínio do desenvolvimento local, como no do combate à exclusão social, ou da humanização dos hospitais. Esses projectos são marcados pela presença de mulheres, que neles se integram num plano estritamente profissional ou voluntário.
Tem pouca visibilidade pública este trabalho. Pouco se fala e escreve sobre estas mulheres. São as notáveis desconhecidas, graças às quais muitos dos problemas deste país se resolvem de forma tão discreta quanto exemplar.
Ontem tive a oportunidade de visitar uma secção da Liga Portuguesa Contra o Cancro, e o Espaço Pessoa, no Porto, e o Centro Social e o Centro de Artes Tradicionais de Covide, em Terras do Bouro. São locais onde se cultiva o saber, se pratica a solidariedade de gerações e de grupos sociais, se combate com dedicação e entusiasmo pela dignidade, pelo conforto, pelo desenvolvimento, pela qualidade. Locais onde se enfrentam as dificuldades de forma abnegada e voluntária.
Minhas Senhoras e meus Senhores
Quis neste Oito de Março prestar uma homenagem especial ao trabalho de voluntariado em que muitas mulheres se têm distinguido, contribuindo para o reconhecimento público do seu papel cívico e social.
Estamos a falar de modalidades de participação na vida social com custos pessoais agravados. O voluntariado foi no passado essencialmente suportado por pessoas que não tinham uma actividade profissional fora de casa - o que não retira de modo algum o mérito - mas hoje muitas voluntárias (e voluntários) dividem o seu tempo entre uma actividade profissional, as tarefas familiares e o voluntariado. Esta complexa situação traçou contudo um perfil de voluntariado marcado por uma grande diversidade de qualificações, de competências e grupos etários.
Penso que o voluntariado deve ser incentivado e protegido. Procurarei contribuir para esse objectivo, com a colaboração e iniciativa da minha própria mulher, que tem acolhido directamente essa preocupação.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Julgo meu dever avaliar a situação do país em matéria de igualdade de direitos entre homens e mulheres.
A Democracia abriu às mulheres portuguesas novas oportunidades nos planos jurídico, profissional, educativo e cultural, tendo-lhes sido abertas novas carreiras de que destacarei por exemplo a magistratura e a diplomacia. Na educação é notável a evolução do acesso a todos os níveis de ensino bem como os resultados escolares obtidos. As mulheres constituem a maioria dos alunos do ensino superior, constituindo cerca de 60% dos diplomados com menos de 30 anos.
Apesar destas transformações claramente favoráveis, persistem situações de desigualdade. As mulheres são penalizadas pelo desemprego e pela necessidade de acumulação de tarefas familiares com a vida profissional. Persistem também desigualdades no acesso a funções de direcção, designadamente em organizações económicas, ou nos media, apesar de, neste caso, o número de mulheres jornalistas ter aumentado de forma exponencial.
Minhas Senhoras e meus Senhores
O acesso das mulheres a cargos políticos é todavia um dos domínios em que a situação das mulheres ainda não sofreu alterações significativas.
Elegi este tema como uma das preocupações deste dia Oito de Março. Procurei ontem assinalar, de forma simbólica, a presença de mulheres à frente de autarquias. Quero hoje homenagear todas as mulheres que se dedicam à vida pública, que têm uma carreira política, exercendo responsabilidades em instâncias locais, nacionais ou internacionais para que foram eleitas.
Não tenho dúvidas de que a sociedade portuguesa necessita de um maior contributo feminino na vida política, nas autarquias, no parlamento e nos governos. Esse contributo poderia permitir, a meu ver, a aceitação de novos temas e prioridades nas agendas políticas, e introduziria alterações no modo como se faz política e inovações no desenho das políticas públicas. Acredito que tais mudanças teriam efeitos numa aproximação às problemáticas sociais e culturais e que tornariam a política mais permeável ao concreto e ao quotidiano.
A atribuição de maiores responsabilidades políticas a mulheres contribuiria seguramente para o enriquecimento do modo como se faz política. Espero que as reformas do sistema político, actualmente em discussão, e que as consultas eleitorais, a efectuar no próximo ano, integrem novas oportunidades e incentivos à participação feminina na vida política.
A recente revisão da Constituição da República veio consagrar como “tarefa fundamental do Estado” a promoção da “igualdade entre homens e mulheres”.
No plano da participação política dos cidadãos, homens e mulheres, a Constituição passou a determinar que a lei deve “promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos”.
Trata-se de comandos constitucionais novos, aos quais importa naturalmente dar uma sequência prática. Todos reconhecem que a evolução no sentido daquilo que se convencionou chamar de “democracia paritária” tem sido, no nosso País, significativamente mais lenta do que noutras democracias europeias.
Reconheço a pertinência da discussão sobre as propostas que visam garantir condições mais favoráveis de acesso das mulheres às listas de candidatura. Acompanho-la-ei com particular interesse. Decorrendo da revisão constitucional, permitirá certamente encontrar novas soluções, nomeadamente no âmbito da reforma do sistema eleitoral.
Minhas Senhoras e meus Senhores
A encerrar esta intervenção, gostaria de enunciar três preocupações: com o lugar a atribuir à educação ao longo da vida na promoção da cidadania, com as condições em que se processará a próxima consulta referendária, numa matéria que não pode deixar de envolver de forma intensa as mulheres portuguesas, e o próprio sentido desta celebração do Dia da Mulher.
Quanto à primeira:
Alguns dos ritmos e rituais da política são muitas vezes considerados obstáculos a uma maior participação feminina na vida cívica. Esta tem de ser uma preocupação de todas as organizações e agentes de mediação, incluindo os partidos políticos. Há que remover esses obstáculos, com o que só se ganhará em aproximação da política á sociedade e seus movimentos.
Este tema desemboca na educação escolar e na educação ao longo da vida. Os conhecimentos e competências para o exercício da cidadania aprendem-se. A escola não pode estar à margem das problemáticas do mundo em que vivemos. Deve sim, a meu ver, preparar as pessoas para a compreensão e organização crítica da informação a que tem acesso. Deve igualmente desenvolver capacidades para a pesquisa, debate e intervenção. Mas, a democratização da sociedade depende também profundamente da capacidade de organização de processos de educação ao longo da vida. Os países do norte da Europa foram pioneiros no desenvolvimento destas formas de educação tendo sindicatos, partidos, escolas, associações promovido com eficácia espaços de educação para a cidadania.
Entendo que também em Portugal a educação ao longo da vida deve surgir como um grande ensejo para o desenvolvimento de novas capacidades de intervenção cívica e política.
Quanto à segunda:
Cabe aqui uma referência do Presidente da República à próxima consulta popular que, dando expressão a uma modalidade nova de participação cívica e política da democracia portuguesa, encerra um forte apelo ao envolvimento das mulheres.
Quero afirmar que, apesar da óbvia dificuldade do tema, julgo indispensável que o debate decorra com a serenidade própria dos grandes debates democráticos e o espírito de tolerância exigido pelo respeito da integridades das consciências que são chamadas a decidir.
Cabe-me velar pelas garantias de que a decisão que o eleitorado é chamado a tomar se exerce sobre alternativas claras, de que está na posse das indicações necessárias para uma avaliação completa das implicações da sua decisão. Não permitirei que entre o eleitor e o seu voto se interponham dúvidas processuais seja de que tipo for. O quadro constitucional será respeitado escrupulosamente e a participação popular dignificada.
Quanto à terceira:
A causa das mulheres na sociedade portuguesa não pode ser reduzida a uma cerimónia nem o dia Oito de Março um mero rito comemorativo. O Dia da Mulher não deve deixar de ser um momento de consagração de realizações e de homenagem a protagonistas, mas sobretudo tem de constituir um momento de balanço.
Promoverei essa avaliação, cooperando com outros organismos e entidades que nesse processo têm igualmente responsabilidade.
Tenho consciência de que uma parte dos obstáculos que se colocam na promoção da participação cívica e política das mulheres são muito resistentes. A alteração de atitudes e práticas é aqui particularmente lenta e difícil.
Há que reconhecer a evolução positiva já realizada. Mas há que lembrar permanentemente que precisamos de políticas ousadas e consistentes, que não nos damos por satisfeitos.
Estamos perante uma questão de direitos humanos e de democracia. Uma questão essencial, portanto.