Jantar oferecido pelo Comandante Supremo Aliado na Europa por ocasião da Conferência "SHAPEX 97"

Sede SHAPE Mons
24 de Abril de 1997


Foi com um grande prazer que aceitei o convite do General Joulwan pare participar este ano no SHAPEX, e poder estar hoje convosco.
Desde logo, pela importância desta reunião anual, que permite uma reflexão e um confronto de ideias entre os principais decisores políticos e militares da Aliança Atlântica.
Depois, por 1997 ser um ano decisivo para a construção da nova Organização do Tratado do Atlântico-Norte - tema, aliás, escolhido para o SHAPEX - e para a construção europeia.
Se me permitem, antes de procurar dar o meu contributo pare o seminário deste ano, gostaria de recordar aqui as mulheres e os homens da nossa Aliança que, na Bósnia-Herzegovina, estão empenhados na maior operação de paz jamais realizada, e que demonstra a importância, a força e a vitalidade da Organização do Tratado do Atlântico Norte
Os dezasseis aliados, juntamente com a Rússia, os parceiros da cooperação, países da margem sul do Mediterrâneo e outras nações, encontram-se na Bósnia-Herzegovina pare garantir a paz e a segurança, o respeito pelos direitos humanos e pelas minorias, a reconstrução económica e a reabilitação social.
Estão na Bósnia-Herzegovina pare defender os valores democráticos --traço essencial da nossa união -e fazer com que se calem as armas e prevaleçam o diálogo e a tolerância nas relações entre as três comunidades daquele país.
As forças da missão de paz da Organização do Tratado do Atlântico Norte -entre as quais um importante contingente das Forças Armadas portuguesas -e dos nossos parceiros são o exemplo da nova Aliança. A IFOR, em 1996, e a SFOR, até meados do próximo ano, representam a resposta da comunidade internacional aos perigos da fragmentação, à escalada da violência e da intolerância.
Em nome de Portugal, e em meu nome pessoal, presto a minha homenagem às dezenas de milhar de mulheres e de homens que estiveram, e continuam neste momento, na Bósnia-Herzegovina, integrados na força da Aliança Atlântica, e são credores do nosso reconhecimento.
Minhas Senhoras e meus Senhores
Pela terceira vez, neste século, temos de enfrentar, em condições de profunda incerteza, a necessidade imperativa de reestruturar os equilíbrios estratégicos indispensáveis pare garantir um quadro estável e duradouro para a segurança europeia.
Pela minha parte, creio que o traço mais notável do período do post-guerra fria é a continuidade essencial das instituições multilaterais de cooperação estratégica, política e económica, designadamente a Organização do Tratado do Atlântico Norte e a União Europeia, cujo contributo foi decisivo para que os países da Europa Central e Oriental se reencontrassem com a liberdade e a democracia.
Essa continuidade marca uma distinção crucial entre o período actual e os caves prévios de 1918 e 1945, quando foi necessário começar por constituir uma nova arquitectura institucional pare enquadrar os equilíbrios regionais.
Quando, em 1947, Ernest Bevin referiu, pela primeira vez, a George Marshall a necessidade de formar "some form of union in Western Europe, backed by the United States", a sue prioridade era, naturalmente, fazer face à ameaça soviética. Essa prioridade persistiu até ao fim da guerra fria.
Porém, cinquenta anos de cooperação política e militar efectiva entre os aliados serviram também para institucionalizar uma comunidade de segurança transatlântica, assente numa herança civilizacional comum, na partilha dos valores da liberdade, da democracia e do direito, bem como numa homogeneidade crescente dos regimes políticos e dos modelos económicos.
Para lá da ameaça que determinou a sua fundação, a aliança tornou-se sinónimo da segurança regional e parte integrante das políticas de defesa de todos os Estados membros. O Presidente Kennedy resumiu essa evolução, já em 1963, quando referiu a sua visão de " a united Europe in an Atlantic partnership -an entity of interdependent parts".
Creio que essa visão de uma Europa unida numa comunidade transatlântica solidária é o bom ponto de partida pare responder aos novos desafios.
Depois de ter desaparecido a ameaça externa que justificou a criação do Pacto do Atlântico, era preciso, de certa maneira, "reeinventar" a OTAN, consolidando os valores comuns e confirmando a sue natureza como uma aliança defensiva. Era necessário, desde logo, redefinir o seu propósito central, pare a estabelecer como a ancora da estabilidade regional, reforçando a velha aliança entre a Europa e os Estados Unidos.
Nesse sentido, a nova Organização do Tratado do Atlântico Norte tem, obrigatoriamente e teve, desde a primeira hora - uma função decisiva na reestruturação dos equilibrios do pós-guerra fria.
Essa qualidade manifestou-se logo no processo de unificação da Alemanha, assim como na adaptação da Organização aos novos problemas de segurança, demonstrando a eficiência e a flexibilidade das suas estruturas militares operacionais.
Qual é hoje o nosso objectivo principal ?
Creio que, depois das profundas transformações verificadas a partir do final da última década, o problema principal da segurança europeia passe por se encontrar uma fórmula de estabilidade pare o novo mapa político, que garanta à Europa e às novas gerações de europeus as condições que lhes permitirão aprofundar a democracia em todo o continente, construir sociedades mais desenvolvidas e mais justas, prevenir crises e conflitos não apenas na própria Europa mas também em áreas que geográfica, histórica e politicamente lhe estão mais próximas.
Para tal, é indispensável, por um lado, assegurar o acesso das novas democracias às instituições europeias e ocidentais e, por outro lado, definir um modo de inserção da Rússia e da Ucrânia no quadro dos equilíbrios regionais, que respeite os seus interesses legítimos de segurança.
Naturalmente, a realização desse duplo objectivo não é fácil. Nas palavras de um dos diplomatas veteranos da fundação do Pacto do Atlântico Norte, Richard Lovett, "if domestic policies were the art of the possible, international politics might be called the art of the almost impossible". Não obstante, estas dificuldade tinha de poder ser ultrapassada.
Pela minha parte, sempre defendi essa estratégia, mesmo quando a sua viabilidade parecia prejudicada pela veemência dos seus opositores, ou pela rigidez dos obstáculos previsíveis.
Os argumentos correntes contra o alargamento da Aliança Atlântica às novas democracias europeias, ou contra os acordos da Organização do Tratado do Atlântico Norte com a Rússia e a Ucrânia nunca me pareceram pertinentes.
O alargamento da comunidade de defesa e segurança transatlântica não representa uma nova linha de divisão na Europa. A mudança no mapa político resultou do fim da guerra fria, e é inteiramente legítimo querer responder, positivamente, à vontade expressa das novas democracias. Por outro lado, nesta fase, o alargamento previsível será restrito e limitado. Enfim, tal como no passado, se existe uma divisão europeia, a linha de demarcação é definida pelas fronteiras da democracia, mais do que pela engenharia institucional.
A finalidade do alargamento não é isolar a Rússia ou a Ucrânia. Pelo contrário, este deve ser articulado e paralelo à sua inserção num novo quadro de segurança regional, e a melhor forma de realizar esse objectivo continua a ser a definição de relações especiais entre essas duas potências e a Organização do Tratado do Atlântico Norte.
Esse entendimento é possível e necessário. A Rússia é uma grande potência regional e internacional, e contamos com a sua importante contribuição para a cooperação estratégica na Europa. A Ucrânia é uma grande nação europeia, sem a qual será impossível assegurar a estabilidade regional.
Quero, aliás, salientar o elevado espírito de responsabilidade de todas as partes envolvidas no complexo processo do alargamento da Aliança Atlântica e nas negociações para a conclusão dos acordos estratégicos com a Rússia e a Ucrânia; quero, em particular, salientar os importantes esforços e o talento do Secretário-Geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte, Javier Solana, para a realização destes objectivos comuns.
Não há, de facto, alternativa realista a essa fórmula, embora não negue as dificuldades da sua concretização.
Mas, se me permitem que cite Dean Ache son - outro dos "pais fundadores" da Aliança - "People who have really great constructive ideas don't really know what they mean ". Como sabemos, Acheson comentava o Plano Schumann e esta óptima ideia construtiva produziu todos os notáveis resultados que conhecemos.
Neste sentido, essa frase talvez se possa também aplicar à estruturação de uma Identidade Europeia de Segurança e Defesa no quadro da Organização do Tratado do Atlântico Norte, que é indispensável levar avante, tal como à evolução das relações entre a Aliança Atlântica, a União da Europa Ocidental e a União Europeia, que considero essenciais para o reforço da aliança entre os Estados Unidos e a Europa.
A Aliança Atlântica é um instrumento demasiado importante para a segurança europeia para poder ser tida como definitivamente adquirida. A sua consolidação implica um trabalho permanente, empenhando os responsáveis políticos e militares, bem como as nossas instituições democráticas e a opinião pública em cada um dos Estados membros.
Pela minha parte, credo, por um lado, que todos os aliados europeus têm uma consciência clara das suas responsabilidades acrescidas na segurança regional e, por outro lado, que os Estados Unidos valorizam a importância de uma maior autonomia dos seus aliados na resposta a situações de crise nas fronteiras da Europa, sem prejuízo da coesão da Organização do Tratado do Atlântico Norte.
Estou, assim, convencido de que existe o quadro necessário pare a edificação da Identidade Europeia de Segurança e Defesa no quadro da Organização do Tratado do Atlântico Norte, criando as condições efectivas que tornem possível o acesso da União da Europa Ocidental às estruturas militares, aos meios e às capacidades indispensáveis para a condução de operações de manutenção da paz.
Minhas Senhoras e meus Senhores
Pais atlântico e europeu, fundador da Aliança Atlântica e membro da União Europeia, acolhendo no seu território um dos comandos regionais atlânticos da OTAN, Portugal está profundamente empenhado na definição do quadro da segurança do post-guerra fria e na consolidação da nova Organização do Tratado do Atlântico Norte.
Conscientes da importância da solidariedade europeia e atlântica para a formação da democracia portuguesa, somos defensores, desde a primeira hora, do alargamento da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte às novas democracias. Estou certo que ambos os processos se completam e reforçam entre si, bem como contribuem para um quadro de estabilidade regional, a que a Rússia e a Ucrânia estejam plenamente associadas.
Temos mostrado a nossa firme intenção de tomar parte activa na formulação do pilar europeu da Organização do Tratado do Atlântico Norte, e apoiamos os esforços da sua adaptação interna, nomeadamente para organizar uma nova estrutura de comandos militares, que posse, simultaneamente, fortalecer a nossa capacidade para garantir a defesa comum e assegurar as novas missões. Nesse contexto, Portugal está a contribuir positivamente para a procura de um consenso sólido, que lhe permita assumir as suas responsabilidades na nova estrutura de comando e exercer a sua vocação atlântica no quadro europeu.
E necessário compatibilizar os diferentes interesses dos Estados-membros, e igualmente indispensável respeitar a lógica da Aliança, que deve permanecer indivisível, para continuar a ser um instrumento único para a defesa colectiva. Temos de saber evitar a renacionalização das políticos de defesa, e gerir em conjunto, com uma relação aceitável entre os custos e a eficácia, os recursos comuns. Também por isso se impõe uma nova estrutura de comandos, compatível com os objectivos da nova Organização do Tratado do Atlântico Norte.
As decisões estão diante de nós. Exigem sentido de responsabilidade, coragem política e visão estratégica, perante uma oportunidade irrepetivél para definir um espaço euro- atlântico de paz e segurança, assente nos valores da liberdade e do direito , da democracia, do respeito pela diferença, dos direitos humanos e do progresso económico e social.
A reinvenção e a consolidação da comunidade transatlântica é crucial tanto para garantir as condições do nosso futuro, como para projectar a sua estabilidade na política internacional, num período onde prevalecem a incerteza e a crise.
Nunca será de mais salientar a importância dos próximos meses, que irão permitir, designadamente em Sintra e na cimeira de Madrid, concretizar as iniciativas lançadas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte. O alargamento, a par dos acordos com a Rússia e com a Ucrânia, constituirão um momento histórico para a Aliança Atlântica, com o qual só nos podemos congratular.
General George Joulwan
Considero uma honra para Portugal e para os Portugueses o convite feito ao seu Presidente da República para estar presente no SHAPEX.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte é, hoje em dia, uma instituição que sabe o que quer e como o quer; uma instituição insubstituível na definição das novas condições de segurança no vasto espaço euro-atlântico; uma instituição capaz de mostrar o caminho para futuras missões de paz, tal como soube criar as condições necessárias pare a restauração da paz na Bósnia-Herzegovina.
São muitos os que trabalharam para isso nas capitais, em Bruxelas, em Norfolk, e aqui em Mons. Todos são merecedores do nosso reconhecimento pela forma empenhada como estão a contribuir para a nova Organização do Tratado do Atlântico Norte.
Permitam-me que hoje, como Presidente de um dos Estados fundadores da Aliança Atlântica, e convicto de que o faço em nome de todos, exprima, desde já, o nosso reconhecimento ao Comandante Supremo Aliado Europa.
O General Joulwan, que nos vai deixar já no próximo mês de Julho, teve um papel muito importante na nova Organização do Tratado do Atlântico Norte. Soube conduzir com sucesso as forças aliadas e dos parceiros para a Bósnia-Herzegovina, no que constitui a operação militar mais complexa na Europa desde o fim da II Guerra mundial.
Em nome dos responsáveis políticos da Aliança, quero aqui deixar o meu agradecimento ao General George Joulwan.