Sessão Solene de Boas-Vindas na Câmara Municipal de Chaves

Chaves
09 de Junho de 1997


Visito Chaves num circunstância singular. Estamos a dar início a uma Jornada pelo Interior do País, que se prolongará até ao próximo dia 15. Estamos na véspera de um Dez de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, que será celebrado precisamente aqui em Chaves.
Não foram pois motivos fortuitos que presidiram a esta escolha. A evocação da nossa história no 10 de Junho, uma história geradora de um profundo sentimento de pertença e de partilha, quis fazê-la este ano em Chaves, uma cidade do interior, onde por isso alguns dos temas da equidade territorial e da solidariedade nacional se colocam com particular incidência.
Não são temas novos, num país onde as assimetrias regionais sempre tiveram expressão preocupante. Não me conformo porém com tais “fatalidades”, como bem sabem todos os portugueses.
O combate ao desenvolvimento desigual do território é provavelmente tão antigo como o próprio processo de unificação territorial. As sucessivas gerações de portugueses que se empenharam na construção da unidade de uma pátria, feita de diversidades culturais e de distintas expressões regionais, também se empenharam em proporcionar a todas elas uma igualdade de oportunidades.
A coesão nacional é o resultado de um combate pela composição de interesses e projectos, mas é também o resultado de um combate contra a discriminação e a exclusão de grupos e sectores. O primeiro combate trava-se em simultâneo com o segundo. O êxito de um depende do êxito do outro.
Quero prestar homenagem aos flavienses que, em condições por vezes bem duras, partilharam a construção do futuro colectivo, e ajudaram a cimentar uma consciência de pertença que reanima a esperança nesse futuro. A cidade que graças ao vosso empenhamento aqui surgiu, uma bela cidade que ostenta com legítimo orgulho um património construído de altíssimo valor, é bem o símbolo da capacidade dos flavienses de enfrentar dificuldades, de valorizar a herança do passado e de criar novos recursos, de vitalizar o meio circundante e de recuperar das desvantagens da distância.
Foram as cidades como Chaves que estancaram a deserção humana do interior do país, que absorveram parte da mão de obra que se tornara excedentária nos campos. Foram as cidades como Chaves que criaram oportunidades de investimento às poupanças acumuladas com a emigração, que receberam e sustentaram equipamentos de formação e qualificação dos recursos humanos. Foram as cidades como Chaves que requereram e justificaram a atenção às acessibilidades e comunicações, que cuidaram do património e garantiram a criação cultural. Sem cidades como Chaves, reagindo deste modo às condições menos favoráveis da geografia, não teria sido possível evitar uma fragilização irreversível de múltiplas franjas regionais do interior do País.
Há problemas, aqui, evidentemente, e o ordenamento territorial e demográfico não foi tão longe quanto podia e nalguns casos é mesmo insuficiente. Temos que ampliar a contratualização de programas e políticas entre as diversas instâncias da Administração e entre o sector público e o privado. Em suma, temos que nos preparar para uma cada vez mais efectiva concertação não apenas social como territorial.
As competências e energias acumuladas por estas cidades do interior, como Chaves, devem ser objecto de avaliação, mas não poderão deixar de merecer igualmente incentivo e aprofundamento. Abrangem as novas formas de turismo e a adopção de inovações tecnológica e de gestão das pequenas e médias empresas. Contemplam a modernização do comércio e serviços e a recuperação e viabilização económica do artesanato. Assentam numa nova dimensão da educação e formação escolar incluindo níveis avançados, num associativismo empresarial mais activo, e na dinamização da cooperação transfronteiriça.
Peço licença, a este propósito, numa cidade que tem vindo a reforçar as suas ligações com o outro lado da fronteira, e tendo como pano de fundo as cerimónias em que participei ontem e anteontem com Sua Majestade o Rei de Espanha, que ponha em destaque o papel dessa cooperação. De tudo quanto vi e ouvi, de ambos os lados da fronteira, saíu mais reforçada a minha convicção de que este é um percurso inevitável, aliás desejado pelas populações, e onde se acumulam já importantíssimos contributos.
De qualquer sorte, referia-me a factores que permitiram a muitas cidades, como Chaves, fortalecer de modo impressivo a sua imagem. Por uma elevação significativa da qualidade dos produtos e serviços que oferecem, pela qualidade do ambiente urbano, articulado com o património histórico, que proporcionam. Sempre pela qualidade que garantem.
Acredito que o objectivo do desenvolvimento solidário está ao nosso alcance. Sei que os constrangimentos são pesados e que não há varinhas de condão que transformem magicamente os nossos desejos em realidade. Mas também sei que mesmo lá onde se registaram as condições mais adversas se manifestou uma capacidade de resposta, se contrariou o conformismo, e a comunidade se abriu à inovação, à cooperação, eventualmente até a um legítimo protesto. Afinal os problemas não conduzem necessariamente à paralisia, e podem mobilizar o que os portugueses têm de melhor.
O combate pelo desenvolvimento exige convicção e generosidade, e exige também inteligência e coragem. Na primeira linha desse combate têm estado muitas vezes os autarcas portugueses. Também neste aspecto, Chaves não é excepção.
O poder local surge-nos hoje como um protagonista essencial do combate pelo desenvolvimento, beneficiando de um grande capital de confiança que nele é depositado pelas populações. Tem enfrentado com êxito a chegada de novos desafios e correspondido ás procuras mais exigentes das comunidades locais. Orgulhamo-nos dele, como uma das criações mais vivas da democracia, e queremos reforçar a descentralização que ele exemplifica.
O Estado descentralizado respeita a autonomia local. Respeitar a autonomia local não implica alienação de competências financeiras ou políticas por parte do Estado central. A visão global, a preocupação prospectiva, a perequação dos recursos financeiros são e serão sempre tarefas essenciais do Estado, e sê-lo-ã tanto mais, quanto mais se aprofunde o desígnio descentralizador.
Quis compartilhar convosco dois momentos, o da evocação da projecção universal da nossa história e o do património de criações solidárias que representa o desenvolvimento do país. O carinho com que tenho sido recebido mostra que o meu intuito foi compreendido pelos flavienses.
Estamos no limiar duma nova era. Esta não é apenas uma afirmação retórica ou de circunstância. A vontade de transformação e mudança está presente na sociedade portuguesa. Precisamos de rejuvenescer, não apenas o tecido social, mas também as práticas e os valores da cidadania. Ampliar a participação e a corresponsabilização colectivas. Repor a todo o momento a igualdade de oportunidades e a equidade. Assegurar uma efectiva liberdade de escolha. Exprimir o inconformismo, sem deixar de confiar nas nossas competências e aperfeiçoá-las. Fortalecer, enfim, a nossa ousadia.