Sessão Solene de Encerramento das Comemorações do Cinquentenário do Laboratório Nacional de Engenharia Civil

Lisboa
19 de Novembro de 1997


É com o maior prazer que me associo às comemorações do cinquentenário do Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Sem dúvida, estes cinquenta anos que decorreram desde a sua fundação, foram anos de afirmação de inequívoca capacidade técnica e científica dos portugueses, e de Portugal, no domínio da engenharia civil e do apoio ao desenvolvimento das indústrias de construção.
Cabe aqui registar, grata e devidamente, o papel desempenhado pelo LNEC desde o início da sua actividade, e sem o qual não teria o País atingido neste domínio os níveis de competência, qualidade e visibilidade internacionais de que hoje desfruta.
A notável actividade de criação, desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e técnicos nas áreas das obras públicas, da habitação, da urbanização, dos recursos hídricos e do ambiente, não teria sido possível sem a dedicação e o esforço empenhado de uma instituição que assumiu, interpretou e executou todo este programa, em articulação estreita com outros organismos das esferas pública e privada.
Devemos pois reconhecer o Laboratório como uma das instituições pioneiras de rede de ciência e tecnologia em Portugal, pelo modo como se soube responsabilizar como centro de excelência num sector específico do conhecimento, com vista à sua aplicação, extensão e operacionalização na prática da sociedade. E, também, pelo mérito com que soube tirar partido das cooperações com instituições do ensino superior e com outros laboratórios, muito em especial com o Instituto Superior Técnico, bem como do diálogo mantido com os utilizadores, com associações profissionais e com autoridades civis, em Portugal e no estrangeiro.
Minhas Senhoras e meus Senhores
A diversidade de instituições ligadas à actividade científica, tecnológica e técnica alargou-se enormemente no decurso do nosso século. A criação de organismos coordenadores e fomentadores da investigação, a fundação de grandes laboratórios nacionais destinados a lançar e a apoiar a investigação de carácter mais aplicado e os serviços e actividades científicas em sectores estratégicos, o surgimento de poderosas comissões destinadas a coordenar e gerir conjuntamente sectores de actividade com decisiva intervenção da ciência, o aparecimento de sociedades científicas disciplinares e de associações para a difusão da cultura científica, a criação de grandes organismos e programas científicos internacionais, todo este largo espectro de iniciativas tornou a prática da ciência uma actividade societal de grande relevância.
A ciência faz-se, isto é, cria-se, aplica-se, utiliza-se, todos os dias. Muitas centenas de milhar de trabalhadores em todo o mundo laboram quotidianamente no avanço do empreendimento da ciência, investigando, aplicando, ensinado, comunicando, tentando no seu conjunto contribuir para assegurar a continuação da aventura do conhecimento humano no futuro.
Das necessidades criadas em Portugal pela definição de sectores estratégicos, do crescimento económico no sector industrial, dos impactos resultantes do crescimento e massificação do ensino superior na década de 60, bem como das necessidades de reestruturação que emergiram com o 25 de Abril, resultaram grandes instituições de ciência e tecnologia do Estado português, que hoje em dia totalizam cerca de duas dezenas, abrangendo vastas áreas, desde a Defesa ao Ambiente.
É o conjunto global formado pelo todo das actividades de investigação e desenvolvimento e das outras actividades científicas e técnicas tais como a consultoria técnica, o controle e certificação de qualidade e os ensaios e testes de normalização, que suporta a produção, a promoção, a difusão e a aplicação de conhecimentos científicos e tecnológicos, nos vários domínios da ciência e tecnologia. O funcionamento eficaz do sistema de ciência e tecnologia implica a execução equilibrada de ambos os tipos de actividade.
Não é possível suportar constantes incrementos de actividades de investigação sem o concomitante aumento das outras actividades de ciência e tecnologia, desenvolvendo-as em complemento, adição ou extensão daquelas. E vice-versa.
Torna-se pois, claro que precisamos de estimular articuladamente quer os projectos e as actividades de investigação, quer os serviços científicos e técnicos como chave para tornar verdadeiramente modernas a sociedade, a economia e as suas instituições.
Aos Laboratórios Nacionais cabe certamente desempenhar um papel fulcral a este respeito, criando novos conhecimentos científicos e tecnológicos, assegurando e motivando as transferências desses conhecimentos e a sua difusão, bem como reforçando as atitudes culturais e as práticas de elevado cunho científico e técnico.
A importância da existência de uma rede de laboratórios nacionais é insofismável. A recente avaliação a que foram sujeitos mais não fez que confirmar este ponto.
A relevância da implantação no nosso país de uma “cultura da avaliação” também não deve ser passada em claro. Os problemas do desenvolvimento não se resolvem linearmente, mas antes devem ser geridos na sua complexidade, pois as metas a atingir transformam-se continuamente, por virtude das próprias acções empreendidas para as alcançar.
A actividade de avaliação é essencial para a verificação da adequação das prioridades definidas e para legitimar as escolhas efectuadas. A necessidade de assegurar que os fundos públicos são gastos de uma maneira vantajosa para a sociedade implica a prática regular de acções de avaliação, mediação e acompanhamento, tornando mais racional a tomada de decisões e a sua implementação.
A modernização do país depende fortemente da percepção de que o papel social das instituições se alterou significativamente. A capacidade de adaptação à mudança é uma condição decisiva da modernização. Ninguém pode ignorar esta realidade. Nem o sistema político. Nem as instituições.
Os Laboratórios Nacionais desempenham, neste sentido, um papel insubstituível.
A ideia que baliza o nosso esforço colectivo com vista ao próximo século não se compadece com um Portugal acientífico e acrítico, com uma sociedade ignorante quanto às questões da ciência; deste modo, reforçar a componente científica e tecnológica na cultura portuguesa contemporânea constitui uma tarefa essencial do presente. Os Laboratórios Nacionais têm aqui uma missão cujo alcance é fundamental realçar.
O contributo do LNEC para a modernização de Portugal e para a afirmação internacional da qualidade dos conhecimentos que neste país se produzem tem sido notável, quer em termos do número e importância dos serviços que tem prestado por todo o mundo, bem como dos métodos inovadores que têm sido gerados nos seus departamentos. Gerações e gerações de técnicos competentes, de especialistas reconhecidos internacionalmente e de investigadores de grande mérito têm sido formadas nos seus departamentos e centros, conseguindo atingir a fronteira dos conhecimentos e o estado-da-arte de bem fazer nos respectivos domínios.
A capacidade do quadro do seu pessoal e a formação altamente especializada que o LNEC tem sabido proporcionar a tantos que o procuram, bem como a constelação de instituições criadas à sombra da sua pujança técnica e científica e os sucessos da participação dos seus investigadores em programas de investigação de âmbito nacional e internacional dão disso provas bem evidentes.
Ao pensarmos no nível de cultura científica e técnica, bem como na capacidade de inovação tecnológica em Portugal, não podemos de deixar de salientar o contributo e o esforço desenvolvido pelo Laboratório.
Mas é igualmente de referir que esta trajectória do LNEC muito deveu ao espírito esclarecido da pleiade de Directores que o dirigiu ao longo destes cinquenta anos: homens como o Engenheiro Arantes e Oliveira, seu primeiro director; como o Engenheiro Manuel Rocha, figura cimeira da Engenharia Portuguesa; como o Engenheiro Ferry Borges, muito justamente homenageado faz hoje um ano através da inauguração do edifício que ostenta o seu nome; como o Engenheiro Artur Ravara, anterior director do Laboratório; ou como o Professor Eduardo
Arantes e Oliveira, seu presente director, a quem saúdo pelo mérito do seu brilhante desempenho.
Permitam-me que evoque , ainda que momentaneamente, mas com sentida emoção e enorme respeito, o homem de excepcional envergadura, o engenheiro e o cientista que foi Manuel Rocha – o cidadão consciente, sereno e empenhado com que tive o privilégio de privar durante o período das negociações da transição de poderes em Moçambique, e cuja imagem me perdura, clara, na memória. Porque o Laboratório Nacional de Engenharia Civil foi, é, e sempre será, um trunfo essencial e um excelente instrumento da cooperação externa portuguesa. Uma parte substancial das suas actividades é desenvolvida à sombra de convénios e protocolos à escala internacional.
É neste âmbito que todos esperemos e desejamos o contributo pleno do Laboratório. O equacionamento dos problemas que hoje em dia afectam as grandes cidades e o entendimento dos fenómenos da mudança global, bem como dos seus efeitos sobre o clima e a vida quotidiana, só é viável num referencial global, que acolha soluções partilhadas, solidárias. Soluções que sejam informadas por conhecimento científico de excelência; soluções que usem técnicas que correspondam à melhor prática conhecida na comunidade internacional. Soluções, finalmente, imponham uma definição de políticas e uma tomada de decisões com base científica.
Quero, por tudo isto, simbolizar e expressar com a minha presença nesta sessão o reconhecimento por um trabalho de extraordinário mérito que se desenvolveu nestas últimas cinco décadas. Quero deixar a todos uma palavra de incentivo para o importante contributo que Portugal espera do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, como instituição geradora de novos conhecimentos e estimuladora de novas vocações entre os mais novos, mas também como transmissora dos valores e da cultura essencial a uma sobrevivência mais humana e consentânea com a amplitude das questões que certamente nos confrontarão no futuro.
Muito haverá certamente a fazer. Acções que prometam um futuro melhor para todos. Iniciativas que favoreçam um mundo mais justo e mais tolerante. Mas nem todo o vento soprará de feição. Perigos surgirão que não poderão ser evitados. Muitos males afligirão ainda as nossas populações. Porém, é crucial perceber que nem todas as maleitas serão fatais. O futuro é uma construção e, como em qualquer construção, é preciso conhecerem-se as leis da sua estrutura, os princípios do seu funcionamento.
Neste esforço de racionalização do futuro não há cidadãos nem instituições dispensáveis. Não há conhecimento aplicável que não deva ser bem aplicado. Nem gerações ociosas desesperando na busca de uma terra prometida. Certamente que todo o conhecimento especializado deve ser partilhado com os mais novos. Só um processo de formação contínuo levará por seu turno a novos percursos de reflexão colectiva.