Sessão Solene Comemorativa do 22º Aniversário da Universidade dos Açores

Ponta Delgada
09 de Janeiro de 1998


É com muito prazer que me associo ao 22º aniversário da Universidade dos Açores. Com a minha presença, pretendo manifestar o apreço que tenho por esta instituição e pela acção que tem realizado em prol do desenvolvimento cultural e científico desta Região Autónoma.
Creio, também que a autonomia se reforça, num quadro de forte unidade nacional, quanto mais normais e correntes forem as presenças entre vós dos responsáveis políticos nacionais. Agirei de acordo com este princípio. É também por isso que aquilo que o Presidente da República afirma deve ter sempre uma perspectiva nacional, sem esquecer as evidentes particularidades regionais ou locais.
A Universidade dos Açores, consciente da importância estratégica de que se reveste o seu trabalho, tem apostado, de forma persistente e com qualidade reconhecida, em áreas essenciais à valorização da Região tais como as Ciências do Mar, a Conservação da Natureza, a Vulcanologia, a Agro-Pecuária.
É com interesse que tenho seguido a conjugação da diversidade de interesses científicos com o desenvolvimento dos diferentes pólos desta Universidade. Aprecio igualmente o trabalho realizado no plano da História e da Literatura, onde se produziram interessantes contributos para o conhecimento dos Açores.
O ensino superior tem um papel decisivo na democratização da sociedade, no desenvolvimento económico e na valorização da identidade cultural. Ao contribuir para o reforço da autonomia regional, a Universidade consolida-se ela própria no espaço do ensino e da ciência.
Vários pensadores têm referido que todo o conhecimento é local e global. Ou, dito de outro modo, que o mais específico é, simultaneamente, o mais universal. Eis o que dá um sentido novo à ideia de uma Universidade que, sem cair em particularismos, afirma o seu direito às raízes e se reconhece como parte de um espaço regional, comprometendo-se no seu desenvolvimento.
A criação em 1976 da Universidade dos Açores faz parte do processo de democratização do ensino superior que teve lugar nas últimas décadas. Quando penso no meu tempo como estudante, em que quase todos nos conhecíamos, constituindo um grupo à parte no seio da sociedade portuguesa; quando penso que naquela altura havia cerca de 20.000 alunos em todo o ensino superior e que hoje este número ronda os 350.000 (quase vinte vezes mais!)... percebo que tudo é tão diferente. E que precisamos de novos olhares para compreender um fenómeno que é de uma enorme complexidade.
A expansão e a democratização do ensino superior respondem a grandes desígnios históricos e a processos sociais que têm vindo a aproximar Portugal dos restantes países europeus. Muito se fez no sentido de uma maior abertura social no acesso ao ensino superior, de uma redução das desigualdades regionais ou de uma presença mais significativa das mulheres no espaço universitário. São movimentos que é preciso continuar, tomando medidas que tenham em atenção a mudança do perfil sócio-económico dos estudantes.
A Acção Social Escolar, que tem sido objecto de uma intervenção importante do Governo, é uma área particularmente importante para a criação de condições para que todos os jovens possam frequentar o ensino superior. Não podemos esquecer que hoje frequentam este nível de ensino um número crescente de alunos de meios sociais desfavorecidos. Trata-se de uma tendência positiva que é preciso consolidar, com os necessários apoios sociais.
Apesar das transformações recentes, Portugal possui ainda taxas relativamente baixas de escolarização no ensino superior. Não tem fundamento, pois, a ideia tantas vezes divulgada de que haveria "doutores a mais" no nosso país. Inscrita no imaginário português desde o século XIX, é uma ideia que não tem razão de ser. Bem pelo contrário.
Portugal continua a ter "doutores a menos". Continuamos a ter um défice grave de qualificação académica da população trabalhadora. Mesmo que consideremos unicamente os jovens, por exemplo na faixa et ria dos 30 anos, constatamos que há apenas 13% dos portugueses que obtiveram um diploma do ensino superior, ao passo que a média europeia é de 22%.
Importa, por isso, prolongar um esforço nacional de investimento e de expansão neste sector.
Mas a referência à existência de "doutores a mais" pode ter uma outra leitura, que não é meramente estatística. Pode querer dizer que as formações oferecidas pela Universidade não correspondem às necessidades económicas e sociais do país. Neste plano, o debate é mais difícil.
Há sinais preocupantes sobre a forma como tem evoluído a relação entre as instituições públicas e privadas. Há situações difíceis na definição das redes do ensino politécnico e do ensino universitário. Há uma pulverização de cursos (cerca de 2000), o que acarreta problemas complicados aos estudantes e aos empregadores. Há aspectos graves no exercício da docência universitária, nomeadamente no que diz respeito à acumulação de funções em várias instituições.
Algumas destas evoluções têm facilitado uma expansão da rede do ensino superior sem critérios claros e pertinentes. E têm contribuído para uma menor identidade de muitas instituições, nomeadamente por via de uma diluição dos compromissos académicos dos seus docentes.
A Universidade não é, apenas, um lugar onde se dão e onde se recebem aulas. É uma comunidade de trabalho e de pensamento. O que implica um tempo de presença, de diálogo e de convívio, de pesquisa e de investigação, que não se compadece com o modo como muitas instituições e muitos docentes organizam o seu dia-a-dia.
Não é este o momento azado para um diagnóstico exaustivo. Conheço e aprecio os esforços que têm sido feitos pelo Governo e pelas Universidades. Mas não posso deixar de vos confessar a minha preocupação e de vos convidar a uma reflexão de fundo sobre o sentido do trabalho universitário:
-Como é que hoje, ultrapassadas as perspectivas de perfis de formação demasiado especializados, se assegura uma formação global, de alto nível cultural e científico, aos jovens que frequentam a Universidade?
-Como é que se podem abrir as portas do ensino superior, de modo a dar uma "segunda oportunidade" a muitos adultos, melhorando assim os níveis de escolaridade dos portugueses?
-Como é que se reforçam as dimensões de investigação e de produção do conhecimento, numa altura em que o quotidiano universitário está invadido por um frenesim de tarefas e de actividades?
-Como é que se reforçam as lógicas de estudo individual, de partilha do saber, de acesso à informação e de acompanhamento pedagógico, de forma a dar respostas adequadas às novas populações estudantis?
-Como é que se harmonizam as relações entre a Universidade e o mundo do trabalho, sem cair num puro "economicismo", o que obriga a mudanças no plano universitário mas também a alterações de fundo na organização das empresas e da vida económica?
-Eis apenas enunciadas algumas questões, entre tantas outras, que é urgente lançar para o debate.
Hoje o regime vigente é o da autonomia universitária. Tratou-se de uma decisão histórica, que tem permitido importantes evoluções nos últimos dez anos. Mas, agora, chegou um tempo de balanço.
Ao afirmar o princípio da responsabilidade, quero chamar a atenção para a necessidade de consolidar práticas de avaliação das Universidades. Todos sabemos que em Portugal não há uma cultura de avaliação solidamente firmada. Tradicionalmente, o controlo era exercido de forma administrativa ou burocrática por um poder estatal centralizado. Sempre foram frágeis as regulações sociais, institucionais ou económicas. Hoje em dia, com a emergência da autonomia universitária, é urgente criar dispositivos de avaliação e de regulação que substituam os tradicionais controlos administrativos. E que criem condições para uma avaliação participada, interna e externa, das Universidades. Sob pena de o desenvolvimento da rede do ensino superior se fazer ao sabor de interesses corporativos, locais ou económicos sem qualquer relação directa com estratégias de desenvolvimento do país.
Termino com uma palavra especial de apreço para com esta Universidade. Sei que continuarão a cumprir a vossa missão e a participar na construção da autonomia e no desenvolvimento desta Região. Em nome do país, quero exprimir-vos o meu reconhecimento. E manifestar-vos o meu apoio e a minha solidariedade.