Inauguração do Conservatório de Leiria

Leiria
18 de Abril de 1997


O Orfeon de Leiria honra-se de, na passagem do seu meio século, inaugurar instalações novas do Conservatório. É com muita satisfação que tomo parte nesta celebração, cujo alto significado quero sublinhar. Os 50 anos de vida duma associação cultural não são um acontecimento vulgar, preenchidos como são por realizações de mérito artístico amplamente reconhecido, nos domínios da música coral e instrumental, do teatro e do bailado. Merece igualmente destaque a vitalidade demonstrada no plano regional pela escola de música de Leiria.
Nesta saudação, que fiz questão em de viva voz dirigir ao Orfeon, está pois um sinal da importância que atribuo ao papel deste tipo de instituições culturais na vida colectiva, e um gesto de incentivo ao ensino da música como elemento altamente qualificador dos portugueses, sobretudo dos jovens portugueses.
O espaço preenchido pelo associativismo cultural é insubstituível, tanto pelo lado dos serviços que presta às comunidades, como pelo lado dos valores que exercita e difunde na sociedade. Refiro-me quer aos valores da cooperação e da solidariedade, próprios do associativismo, quer aos valores que se prendem com a colocação da criatividade, da expressão e educação artísticas, como eixo fundamental do desenvolvimento das faculdades humanas.
Projectos associativos como o do Orfeon de Leiria respondem ainda às necessidades de jovens e estudantes em domínios para que o sistema formal de aprendizagem e formação não está suficientemente habilitado.
Constituem assim verdadeiros centros de recursos à disposição da comunidade educativa.
Gostaria de enfatizar esta articulação, peça essencial de uma gestão moderna dos equipamentos nestes domínios. Refiro-me à articulação dos recursos educativos e culturais, nas diversas actividades de formação, criação e comunicação. É um percurso que deve ser encorajado. Há carências de equipamentos culturais e educativos nalgumas muitas zonas do País, mas também se verifica a situação de equipamentos parcialmente desaproveitados.
Durante muito tempo, o associativismo cultural parece ter-se ocupado sobretudo da preservação de algumas componentes da identidade, frequentemente equiparada a um modelo conservador de folclore. Mas hoje, cada vez mais, o associativismo cultural participa e promove a mudança social. De alguma forma disponibiliza recursos para práticas culturais inovadoras, acrescentando novas competências, e suprindo falhas e contrariando mecanismos de exclusão do sistema global de adaptação à mudança.
Ora a inovação intelectual, seja ela de cariz científico ou artístico, amplia o património cultural disponível, e constitui-se como vector de Jornada “Memórias Árabe-Islâmicas”
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
15 de Maio de 1998

Agradeço o amável convite que me dirigiram para participar nesta Jornada “Memórias Árabe-Islâmicas em Portugal”. Sabem que estou aqui com muito gosto e interesse pessoal. Como Presidente da República, entendo também ser meu dever apoiar todas as manifestações que se ligam à identidade cultural e histórica portuguesa, propiciando o conhecimento e o diálogo entre os povos, os países, os continentes e contribuindo, nessa medida, para o reforço da tolerância e da convivência pacífica nas relações entre os Estados.
É esse um dos sentidos da viagem que fiz ao Egipto e as visitas que fiz ao Presidente H.Mubarak, Yasser Arafat e à Liga Árabe.
É esse o caso desta Jornada e, por isso, felicito vivamente os que a promoveram, organizaram e apoiaram. Quero saudar calorosamente os convidados presentes, entre os quais se contam personalidades muito ilustres, provenientes de diversos países árabes. Digo-vos que são bem-vindos a Portugal, país democrático e aberto, cuja vocação universalista queremos renovar nestes tempos de tantos desafios e incertezas.
As memórias árabe-islâmicas em Portugal são muitas, preciosas e marcam a nossa identidade. Essa marca é, aliás, recíproca, pois testemunhos portugueses também estão presentes em muitos países árabes.
Na língua, na toponímia, nos hábitos e costumes sociais, na arquitectura, nas artes, na literatura, no imaginário popular, na gastronomia, na agricultura, no comércio, somos devedores da riquíssima herança árabe-peninsular e disso temos, hoje, orgulho e uma nova consciência. Não ignoramos, porém, que esta nova atitude se ganhou, vencendo medos, desconfianças, preconceitos e incompreensões seculares.
Pelas circunstâncias históricas da formação de Portugal, ligadas à consolidação do poder e influência cristã, o “mouro” foi, durante séculos, identificado como o grande inimigo espiritual e temporal. Por isso mesmo, em períodos de intolerância e fanatismo mais acentuados, como aconteceu no século XVI, os árabes foram perseguidos e expulsos de Portugal, que era a sua terra, esquecendo-se o contributo que deram para o enriquecimento da nossa cultura e até para a empresa dos grandes descobrimentos portugueses.
Antero de Quental aponta também a expulsão dos árabes, cujas escolas tinham renovado o pensamento e a filosofia, como uma das causas da decadência dos povos peninsulares.
A história de uma Nação assume-se nos seus períodos de glória e nos seus tempos de sombra. Não há histórias isentas de graves erros e faltas. Há, sim, que aprender com a lição medidatada das suas causas. O Portugal democrático assume a sua história integralmente, com espírito crítico. Os historiadores portugueses, na pluralidade dos seus interesses, critérios e concepções, têm realizado um notável trabalho científico e cultural. Também a história da influência árabe em Portugal e o estudo das suas marcas em tão variados domínios têm merecido a atenção dos investigadores, permitindo que tenhamos, actualmente, sobre o assunto uma visão mais esclarecida, informada e livre de preconceitos. Julgo ser esse o caminho que devemos prosseguir, tendo como únicas regras as que decorrem da liberdade de investigação e da probidade científica.
Ligado pela história e pela cultura, Portugal quer hoje revalorizar a sua proximidade aos países árabes, desenvolvendo-a nos planos da cooperação económica e cultural.
Num mundo de dramáticos conflitos e rivalidades, marcado por desequilíbrios e antagonismos, em que a intolerância, a exclusão, o fanatismo, a ignorância, o subdesenvolvimento são realidades diariamente presentes, só o diálogo entre culturas, países, povos, religiões, civilizações pode preparar e abrir um futuro de esperança à Humanidade.
Este diálogo respeita a identidade própria de cada uma e de todas as culturas e tem consciência de que a diversidade e a pluralidade são a riqueza da nossa condição. Tal diálogo permite ainda pôr em evidência aquele conjunto de valores, expressos em direitos fundamentais, que são universais e invioláveis, por inerentes à dignidade humana.
O próximo século será o século do diálogo, da tolerância, do respeito pelo diferente, do universal ou será o século do confronto e da agressão. Como sempre, tudo está em aberto e a escolha está nas nossas mãos.
Portugal, país europeu, mas com uma situação geográfica e geo-estratégica ímpar que lhe permitiu ser um lugar de encontro de culturas e de influências, que o abriu ao Mundo, vê a Europa não como uma fortaleza fechada sobre sobre si mesma, mas como um espaço de solidariedade e abertura às outras regiões do planeta.
A esta luz, e por todas as razões, o aprofundamento do diálogo euro-árabe é um objectivo primordial. Esse diálogo é uma condição na luta pelo desenvolvimento, pela democracia, pela solidariedade, pela dignidade de todos os povos, pela paz!
O isolamento, o agravamento das assimetrias e dos desequilíbrios, o aumento da pobreza, da injustiça e da discriminação, entre os países ou no interior das sociedades, são os grandes aliados dos movimentos e grupos extremistas que defendem a intolerância étnica, religiosa, chauvinista e são adeptos de uma sociedade assente em valores inaceitáveis que não respeitam a liberdade e a dignidade dos seres humanos. A tolerância, o conhecimento, o diálogo são, assim, causa e consequência da paz, da justiça, do desenvolvimento solidário.
Nós acreditamos na capacidade humana de aprender com os erros cometidos, de corrigir o que está mal, de aperfeiçoar. Sabemos que este é sempre um caminho difícil, gradual, não isento de obstáculos e de contradições. Mas é o único que leva a resultados que, embora precários e insuficientes, constituem o progresso e estão à altura daqueles grandes ideais que os melhores homens de todas as culturas e raças sonharam, desde a antiguidade dos tempos, para o género humano.
Alguns desses homens eram ou são árabe; outros, europeus. Alguns eram ou são cristãos; outros, muçulmanos; uns professaram e professam religiões diversas; outros, nenhuma religião. Têm, porém, em comum, todos eles, a qualidade suprema de seres humanos preocupados com os outros seres humanos, com a humanidade, com a dignidade de todos os homens e mulheres. É em nome dessa dignidade, que se fundamenta na liberdade, na tolerância, na solidariedade, no encontro, que esta Jornada se realiza.
Desejo-vos, por isso, as maiores felicidades e renovo as minhas saudações afectuosas.