Sessão de Encerramento do Simpósio das Cidades Património Mundial

Évora
20 de Setembro de 1997


Durante os últimos quatro dias Évora, um dos mais importantes e celebrados centros de história e cultura, foi também capital do Património Mundial. Quero pôr em destaque esse facto, ao qual me associo com a maior satisfação, e felicitar todas as entidades envolvidas na organização do Simpósio Internacional da Organização das Cidades Património Mundial: a Câmara Municipal de Évora, a Universidade de Évora, o Governo da República. Cumprimento igualmente todos os participantes, e de forma muito especial as delegações estrangeiras que nos visitaram, designadamente as das cidades que fazem parte da lista do património mundial. Espero que tenham encontrado em Évora as condições propícias à troca de experiências, à reflexão, à elaboração de novas propostas.
Desejo saudar de forma especial os representantes das organizações internacionais que promoveram e patrocinaram esta Conferência: a Organização das Cidades Património Mundial, o Instituto de Conservação Getti, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), o Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauro de Bens Culturais (ICCROM), o Banco Mundial, além da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), responsável primeira pela generosa missão de colocar sob protecção da humanidade bens culturais e naturais de excepcional valor.
Portugal orgulha-se justificadamente dos seus elementos e conjuntos patrimoniais já reconhecidos pela UNESCO como Património Mundial. Muitos outros serão merecedores dessa distinção e há diversos projectos de candidatura em fase avançada de preparação.
A inscrição de um bem na lista do património mundial cria especiais responsabilidades do país, não só em relação a esse bem, mas em relação ao restante património nacional. Importa, por outro lado, ter em conta que a consagração do valor de uma peça do legado cultural pressupõe um sistemático trabalho de inventariação, de estudo e de preservação de todo o património disponível.
Esse trabalho, que aliás é uma tarefa em permanente actualização, foi durante muito tempo menosprezado ou orientado para um sector localizado do nosso património.
Permitam-me pois aqui uma palavra de aplauso e incentivo à orientação que privilegia o levantamento criterioso, não discriminatório, técnica e cientificamente apoiado, das manifestações significativas legadas pelas gerações anteriores. Trata-se de uma condição indispensável à execução das políticas de defesa e valorização do nosso património.
Orgulhamo-nos do nosso passado. Orgulhemo-nos igualmente do rigor e persistência com que o estudamos, preservamos e damos a conhecer.
A defesa e promoção do património mobiliza hoje um vasto conjunto de atenções e interesses de natureza não apenas intelectual. Essa mobilização é desejada pelos poderes públicos, que se preocupam com o desenvolvimento e procuram integrar o tema do património em estratégias de desenvolvimento. Era inevitável que assim sucedesse, e não creio que existam objecções pertinentes a esta integração.
Mas tal situação tem que ser acautelada. O património é mais escasso e frágil do que alguns pressupõem. Há que evitar tanto uma banalização do conceito, quando de tudo o que é antigo se faz património e se inventam qualificações onde há apenas motivos de curiosidade, como uma utilização intensiva de patrimónios que não estão preparados para tal ou são descaracterizáveis por essa forma.
O Simpósio que se efectuou aqui em Évora reflectiu estas preocupações, objectivadas no turismo. Reconhece-se que há pressões contraditórias sobre o património. Gostaria de a esse propósito sublinhar dois ou três pontos mais.
Além do espaço dos estudiosos e técnicos, que é sem dúvida necessário continuar a ampliar, novas oportunidades e desafios se deparam hoje sobre aos gestores políticos, nomeadamente aos autarcas.
Eles têm sob sua alçada uma parte importantíssima do património nacional e a compatibilização de expectativas, que é o cerne da decisão política, não pode ignorar que do lado do património está o longo de prazo e considerações de tipo não material.
A segunda nota diz respeito à integração das zonas históricas no processo de crescimento urbano, um fenómeno planetário. Também aqui os gestores políticos se deparam com oportunidades e desafios complexos e exigentes. Não creio que por isso as suas funções sejam menos disputadas. Acredito porém que uma opinião pública mais informada, e portanto crítica, produza a selecção de capacidades e vocações mais adequadas. Entendo ainda que aos gestores políticos das cidades cabe também suscitar na comunidade um sentimento de orgulho pelas suas raízes e o envolvimento cívico na preservação do legado histórico-cultural recebido.
A valorização do património não pode ser vista como uma actividade de excepção. A herança histórico-cultural é pertença das pessoas, dá corpo aos seus laços com os sítios, dá sentido às suas memórias, identifica-as enquanto membros de uma comunidade.
Cuidar da herança das paisagens e das pedras, é cuidar das pessoas e das suas ligações aos sítios, sabendo como é penoso, começar tudo de novo, criar novas raízes.
A última referência é para a questão do reconhecimento do lugar do moderno, na construção do futuro. Uma política cultural consistente não pode deixar de se preocupar com a criação de novos patrimónios. Temos que estar preparados para aceitar o diferente e o novo e oferecer espaço às diversas formas de diálogo - mesmo o diálogo menos fluido - entre o moderno e o antigo.
Nas cidades, corpos vivos em crescimento e mutação constante, sei que esta é uma arte complexa e difícil. Mas sei também que esse é dos desafios e oportunidades mais estimulantes que nos cumpre enfrentar.
O futuro, que nos compete ajudar a nascer, vive tanto das criações do passado como das inovações que cada geração ouse propor e realizar.
Esta esperança ressoa certamente aqui, por entre estas pedras antiquíssimas de Évora.