Sessão de Abertura da X Conferência Anual do Semanário Económico

Hotel Ritz - Lisboa
17 de Abril de 1997


Permitam-me, antes de mais, que cumprimente o Semanário Económico e os seus responsáveis pelo décimo aniversário desta Conferência Anual. É um caso saudável de qualidade e persistência, num País em que estas iniciativas são normalmente efémeras, por falta de interesse ou de vontade.

O tema deste ano tem, como em muitas das edições anteriores, uma preocupação essencialmente prospectiva, procurando desenhar os futuros possíveis e os problemas que eles suscitam. Sem pretender antecipar o debate, gostaria de deixar nesta breve mensagem introdutória algumas ideias simples sobre o presente, sobre os desafios do próximo futuro e, principalmente, sobre o que esses desafios exigem de todos nós.

Em relação ao presente, começo por sublinhar o crescente consenso que se vai desenhando quanto à possibilidade de Portugal cumprir os chamados critérios de convergência nominal inscritos no Tratado de Maastricht. Trata-se de um resultado importante a vários títulos:

* Em primeiro lugar, porque é um objectivo difícil, que não estava de modo nenhum adquirido à partida e que muitos julgavam mesmo inacessível; o facto de o termos agora ao nosso alcance representa um inequívoco êxito nacional, um exemplo de perseverança e concertação de esforços, um sinal de maturidade do sistema político-institucional e de capacidade de ajustamento do sistema económico e social;
* Em segundo lugar, porque esse resultado criou condições para conduzir, num contexto razoavelmente sustentado, o indispensável processo de desinflação da economia portuguesa, adaptando a gestão do enquadramento macro-económico às novas condições de fronteira aberta que, mais tarde ou mais cedo, teríamos de enfrentar no âmbito da União Europeia; e, apesar de ser evidente, convém recordar, em defesa da importância deste ponto, que o momento da entrada na União Económica e Monetária é apenas uma etapa de um longo processo: no próximo futuro as regras serão estas, e aí reside uma das grandes mudanças que nos espera, para citar o título desta Conferência.
* Em terceiro lugar, porque cumprir os critérios de convergência permite a Portugal chegar ao crucial período de negociações intra-europeias que agora se aproxima com um mais amplo espectro de opções e, portanto, com um grau acrescido de autonomia estratégica.
A relevância destes três aspectos para o futuro do País e os sacrifícios pedidos aos Portugueses para que a estratégia de convergência nominal pudesse ter êxito reforçam-nos a obrigação de evidenciar este resultado e contrariar o culto da derrota e do conformismo em que tantos de nós tantas vezes se comprazem.
Tenho encontrado esse mesmo espírito positivo, de adaptação e resposta, nos contactos com a realidade do País ao longo deste primeiro ano de mandato. É verdade que são iniludíveis os sinais negativos que o choque europeu, conjugado com o acelerado desaparecimento da antiga sociedade rural, deixou em muitas regiões e sectores produtivos; mas há exemplos modelares de empresas e empresários competitivos, de centros de investigação e inovação que funcionam, de escolas que contrariam a imagem geral de um sistema de ensino deficiente, de autarquias que conseguem ser factores de modernização e desenvolvimento.
Há, em suma, um Portugal que se adapta, que se moderniza, que se prepara para conquistar um lugar no processo de competição global que a integração europeia pressupõe. Chamar a atenção para esse Portugal, estimulá-lo, dá-lo a conhecer, é tão importante como enfrentar os problemas da sociedade que é posta em causa, que não pode ajustar-se e exige, por isso, políticas específicas de solidariedade. Os casos de ajustamento positivo mostram-nos um caminho, que não é pura e simplesmente defensivo ou baseado na esperança de mais um adiamento dos grandes compromissos.
Como é sabido, esses compromissos são sobretudo externos e relacionam-se com o previsível calendário do processo de integração europeia, que representa a principal condicionante exógena do nosso próximo futuro.
Com a segunda unificação da Alemanha, a construção da Europa fechou um ciclo. Prepara-se, agora, uma fase nova, marcada pela substancial alteração de alguns dos pressupostos que presidiram ao lançamento do movimento de construção europeia, há cerca de 50 anos. A conclusão da Conferência Intergovernamental sobre a revisão do Tratado de Maastricht, o Alargamento, a concretização da União Económica e Monetária, a concepção e aprovação das Perspectivas Financeiras pós-1999, as reforma das políticas comuns e a definição da nova estrutura institucional no âmbito da defesa e Segurança são alguns dos grandes dossiers que nos próximos dois a três anos marcarão a exigente agenda da União Europeia.
Nenhum deles é politicamente dissociável dos restantes e, em conjunto, representam um autêntico programa de refundação da Europa comunitária. A organização desta negociação global é, provavelmente, a mais importante questão estratégica que se coloca de imediato aos Portugueses, certamente no plano externo, mas também no âmbito da nossa vida doméstica, porque o que está em causa contribuirá para fixar, em larga medida, as condições de desenvolvimento do País a longo prazo.
Para todos os Estados-membros, mas sobretudo para os de menor dimensão, os próximos anos representam um momento verdadeiramente decisivo, em que o poder relativo herdado do passado é um recurso ainda disponível para negociar as condições de integração futura e o ritmo de ajustamento do conjunto. Um momento como este não se repetirá tão cedo. E o equilíbrio que vier a ser encontrado estabelecerá, por muitos anos, os termos essenciais da relação de Portugal com a União Europeia. Cabe-nos pensar, organizar e realizar esta negociação com a visão estratégica e o sentido nacional que as circunstâncias indiscutivelmente impõem. E isso implica, entre outras coisas, criar na nossa vida pública o espaço necessário para a análise prospectiva dos principais problemas do País, utilizando melhor apenas um pouco das energias consumidas nas acessórias querelas paroquiais a que alguns parecem reduzir o debate político.
Este comentário conduz-nos à última das reflexões sobre o nosso próximo futuro que quero hoje deixar-vos. Trata-se da inseparável relação entre a mudança externa, consubstanciada simplificadamente no chamado desafio europeu, e a mudança interna que esse desafio exige. Tenho chamado várias vezes a atenção para este ponto, nomeadamente na última edição desta Conferência.
A modernização e a integração europeia não se esgotam na negociação externa e no ajustamento do normativo interno, por muito importantes que sejam.
Traduzem-se - ou devem traduzir-se - num projecto político de mudança, envolvendo estratégias concretas, com objectivos claros e calendários credíveis. É preciso por ao serviço desse projecto a mesma firmeza e determinação com que soubemos conduzir o processo de convergência nominal.
Um olhar global sobre a nossa realidade recente mostra-nos que as maiores dificuldades de adaptação estão centradas no Estado e nos seus grandes sistemas administrativos, entendidos num sentido lato: o sistema educativo, o sistema judicial, o sistema de saúde, o sistema de segurança social, o sistema fiscal, para referir apenas os mais representativos.
A sociedade mudou profundamente, nos últimos 20 anos, mas o Estado, excluindo o importante reajustamento da sua função empresarial directa, não se adaptou suficientemente à nova realidade do País.
Essa realidade exige do Estado, interna e externamente, novas funções e, sobretudo, uma forma nova de conceber e organizar a suas funções de sempre. É injusto não reconhecer os esforços de modernização que em muitos sectores da Administração se têm vindo a fazer, mas é sobretudo pouco lúcido ignorar que é preciso fazer mais, melhor e mais depressa.
O programa de mudança inscrito na agenda europeia, incluindo, obviamente, as obrigações decorrentes da União Económica e Monetária, é difícil e exigente, não apenas para a sociedade, mas sobretudo para o Estado. Os seus efeitos projectam-se a longo prazo e a longo prazo tem de ser pensada, por isso, a sua sustentação, para evitar rupturas perigosas, que o improviso ou o ajustamento espontâneo facilmente poderão gerar. Porque - permita-me a ironia, senhor Presidente - estas mudanças não nos esperam, como sugere o título desta Conferência. Acontecerão mesmo sem nós ou apesar de nós. E não aceitarão desculpas se chegarmos atrasados.
Desejo-vos um bom dia de trabalho.