"A Questão Social e a Solidariedade" Conferência proferida no Seminário Internacional "Europa Social"

Fundação Calouste Gulbenkian
07 de Maio de 1997


Desejo começar esta intervenção com dois agradecimentos, ambos dirigidos à Fundação Calouste Gulbenkian e aos organizadores desta Conferência sobre a Europa Social.
O primeiro é-lhes devido por terem concebido e realizado esta iniciativa de reunir em Lisboa um conjunto tão significativo de especialistas e de responsáveis políticos de alto nível para debater a questão social europeia.
O segundo agradecimento deriva da oportunidade que me é dada de discutir com os participantes o que entendo serem duas grandes exigências políticas dos nossos dias:
A de reformar o modelo social europeu, isto é, a de encontrar uma nova articulação entre eficiência económica, emprego e igualdade de oportunidades;
A de desenvolver a dimensão social europeia, isto é, a de definir objectivos comuns e de, a essa luz, se estabelecer uma nova partilha de responsabilidades e de meios entre a União Europeia e os Estados membros.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Portugal acaba de comemorar o vigésimo terceiro aniversário do fim da ditadura.
Depois de os militares porem termo a décadas de autoritarismo conservador e de a institucionalização da democracia ter reaberto o nosso futuro, a integração europeia passou a constituir uma opção estratégica para o desenvolvimento de Portugal.
A Europa aparecia, então, como um espaço de liberdade que soubera encontrar, nas três décadas que vão do fim da Segunda Guerra até meados dos anos 70, uma lógica de afirmação da sua identidade que articulava, de forma virtuosa, a liberdade política, a democracia representativa, o desenvolvimento económico e o progresso social.
Esse progresso social assentou, então, no pleno emprego, pelo menos tendencial, no crescimento regular do nível de vida da maioria das famílias, na edificação do Estado Providência.
A decisão de ligar o desenvolvimento de Portugal ao da Europa foi e permanece uma decisão de grande alcance, agora e no futuro.
Porém, quer a Comunidade Económica Europeia a que Portugal aderiu, quer o contexto global em que a construção europeia se realiza são, passado pouco mais de uma década, bastante diferentes.
Por um lado, não se podem ignorar os efeitos com que a globalização dos mercados financeiros, o reforço da competição empresarial à escala mundial, a mudança tecnológica e organizativa confrontam as sociedades europeias.
Por outro, a aceleração da integração europeia decorrente do Acto Único Europeu e do Tratado da União Europeia, conduzir-nos-à à revisão dos Tratados, à criação da moeda única europeia, à decisão sobre os critérios do alargamento, sobre as perspectivas financeiras pós-1999, à reforma das políticas comuns e à redefinição das estruturas institucionais da defesa e da segurança europeias.
Portugal tem realizado um reconhecido esforço de adaptação a estes novos cenários, ciente de que está perante desafios complexos, ligados a batalhas exigentes que temos de saber travar e vencer no plano nacional para podermos contribuir com sucesso para o êxito da construção europeia.
A generalidade dos indicadores de opinião mostra, aliás, que a larga maioria dos portugueses está consciente de que esses desafios e essas batalhas se travam em várias frentes e não podem ser ganhas se evitarmos enfrentar os problemas e nos remetermos a simplismos demagógicos ou a tacticismos inconsequentes.
A questão social é um desses campos, e constitui, como tenho tido ocasião de afirmar, um dos principais pontos da agenda política contemporânea.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Reconheço a incerteza como um dos traços definidores dos nossos dias e de toda a acção humana.
Conto-me, porém, entre os que entendem que a responsabilidade dos homens políticos exige o rigor da análise e a avaliação dos resultados à luz dos valores definidores da nossa identidade.
Mas, se sei bem que os valores predominantes não ficam imunes ao correr dos tempos e se reconheço a dimensão das mudanças ocorridas nas últimas décadas, permaneço fiel a uma concepção da cidadania que se quer activa e plena e é, por isso, indissociável da liberdade e da solidariedade.
É nesse quadro, creio, que se devem buscar novas soluções para algumas tendências contemporâneas do desenvolvimento económico que, reduzindo ou sacrificando a solidariedade, acabam por limitar o exercício da liberdade e dos direitos políticos a muitos dos nossos concidadãos e diminuem a governabilidade das sociedades em que vivemos.
O pacto social que, de diferentes modos e com base em específicidades próprias de cada país, regulou as relações entre o económico e o social nas sociedades democráticas e desenvolvidas da Europa, atravessa hoje uma profunda crise.
Convivemos agora com grandes dificuldades de acesso juvenil ao emprego, com maiores e mais vincadas exigências de qualificação e de reconversão profissional, com uma maior diferenciação dos usos do tempo de trabalho e de lazer, com uma diferente repartição do trabalho remunerado entre os sexos, com maiores percentagens de emprego precário, com a segmentação dos mercados de trabalho, com mais desemprego de longa duração, com novas formas de pobreza.
Tais problemas ilustram bem, no meu entender, a crise do pacto social tradicional, a que já me referi.
Todavia, durante as décadas de 80 e de 90 afirmou-se crescentemente uma concepção que tende a reduzir os problemas económicos à questão da competitividade empresarial e a conceber o campo das políticas sociais como um espaço residual limitado pela mudança induzida pelas tecnologias da informação, pelos efeitos da globalização dos mercados financeiros, pelas mudanças geo-estratégicas decorrentes do fim da guerra fria e pela crítica às ineficiências das administrações públicas.
Estas tendências têm sido apresentadas como inelutáveis e universais.
Para os que assim pensam, não haveria escolha porque não haveria alternativa possível: as sociedades europeias teriam de encarar o facto de que a globalização mataria as específicidades nacionais e regionais e exigiria menor intervenção pública na regulação do desenvolvimento económico.
Assim sendo, os valores sociais e os objectivos políticos que contrariam as tendências globais que referi estariam condenados a um papel marginal.
Colocada nestes termos, a questão social deste final de século aparece formulada como um dilema que obrigaria a optar entre, por um lado, a criação de emprego com um incremento das disparidades sociais e da disseminação da pobreza ou, por outro lado, a defesa de níveis elevados de protecção social com manutenção ou crescimento do desemprego de massa.
Face aos níveis elevados de desemprego que caracterizam as economias europeias, ganhou importância crescente um conjunto de teses que responsabilizam a intervenção das políticas públicas de protecção dos direitos sociais pelos altos níveis de desemprego.
Para os que partilham destas teses, a aceitação da desregulamentação dos mercados de trabalho e a redução dos níveis de protecção social seriam, no contexto da globalização e da transição para a era da informação que as sociedades europeias vivem, os preços a pagar pela necessidade de reduzir o desemprego.
Os resultados do trabalho dos especialistas e os indicadores disponíveis mostram, porém, que a realidade é mais complexa.
Em primeiro lugar, a noção de que as tecnologias da informação induziriam, por si sós, mudanças sociais inevitáveis parece muito longe de reunir o consenso dos especialistas.
Tem-se visto que prossegue o debate entre os que postulam um determinismo tecnológico e os que, reconhecendo embora as possibilidades associadas às tecnologias da informação, sustentam que a difusão destas como doutras tecnologias terá impactos variáveis no emprego, nas relações de poder e nos padrões de cultura consoante as decisões tomadas a vários níveis.Em segundo lugar, alguns estudos sugerem que a relação entre desregulamentação dos mercados de trabalho e crescimento do emprego está longe de ser unívoca.
É que, se comparamos apenas o que é efectivamente comparável, a estimativa do nível de desemprego dos EUA aproxima-se significativamente do da União Europeia e verifica-se que, dentro desta, a capacidade de criar emprego varia bastante consoante os Estados membros considerados.
Em terceiro lugar, a conflitualidade social tem mostrado que há limites para a chamada “americanização” dos modelos sociais europeus, o que sugere que opor o social ao económico e optar por este em detrimento daquele é uma estratégia tão equivocada como a que supunha que haveria uma relação directa e necessária entre o grau de desregulamentação do mercado de trabalho e a capacidade das economias para criar emprego.
Ao contrário do que sustentam os adeptos dos modelos teóricos com pretensões universalistas, mostrou-se que, mesmo no interior da União Europeia, existem diferenças significativas entre os sistemas educativos e formativos, entre os sistemas de emprego, entre o nível de informação e de participação dos trabalhadores nas decisões empresariais, entre o grau e as modalidades de protecção social, entre os sistemas de relacionamento das organizações de interesses com os poderes públicos.
Por outro lado, os investigadores têm mostrado que coexistem na Europa também diferenças significativas na estrutura familiar, na repartição das responsabilidades entre os sexos e entre a família e a sociedade.
Em consequência de todas estas específicidades, também o nível de participação feminina no trabalho remunerado, a duração e a gestão do tempo de trabalho, o acesso à formação e os níveis de qualificação, o nível e a estrutura dos rendimentos, o grau e os padrões de precariedade do emprego e os níveis e a composição do desemprego têm tido evoluções diferentes segundo os Estados membros considerados.
Se estas diferenças coexistem e, por vezes, se acentuam mesmo no quadro da Europa comunitária, não teremos, então, de reconhecer que o desenvolvimento da dimensão social europeia constitui apenas uma forma de voluntarismo que, embora generoso, é irrealizável senão mesmo pernicioso?
Não será preferível resumir a Europa a um grande mercado em que a moeda única facilitará o desenvolvimento das economias nacionais, adaptando-as melhor à era da globalização?
Por mim, respondo negativamente a ambas as questões e, por isso, entendo que a reforma do modelo social europeu assume, como referi de entrada, uma importância política decisiva.
A concepção de Europa que eu perfilho é inseparável dos valores que nela nasceram, que integram a própria identidade europeia e que têm sido uma fonte de debate permanente entre os cidadãos dos diferentes países, dentro e fora da Europa.
Não creio que esses valores - os da liberdade, da igualdade de oportunidades, da solidariedade, da qualidade de vida, em suma, os da democracia - possam ou devam ser sacrificados a lógicas competitivistas de curto prazo que acentuam a desigualdade económica ao ponto de limitarem o exercício da cidadania a muitos europeus.
É verdade que as sociedades europeias em geral e a portuguesa em particular estão confrontadas com um problema de competitividade e, portanto, de emprego e de bem estar social.
É igualmente certo que a integração económica e monetária da Europa democrática constitui, neste mundo de competição económica crescentemente planetarizada, um passo essencial da construção europeia.
Portugal constitui, aliás, um bom exemplo quer da necessidade de aumentar a eficiência económica nacional e a competitividade empresarial, quer da possibilidade acrescida de o fazer no quadro da Europa comunitária.
Mas, no meu entender, esses desenvolvimentos necessários da integração europeia obrigam-nos a repensar o modelo social em que assenta o desenvolvimento económico.
As propostas de saída do dilema social que, a partir dos anos 80, têm prevalecido nas sociedades europeias consistem em enfrentar o problema da competitividade das empresas pela moderação salarial, pela flexibilização das relações de trabalho, pelo reforço da qualificação e pela redução dos custos indirectos do trabalho.
Do mesmo passo, na maioria dos casos propôs-se enfrentar a crise financeira da segurança social pela redução das políticas passivas a favor das políticas activas, pela introdução de mecanismos de selectividade do acesso às prestações da segurança social e pela transferência para os indivíduos e para as famílias de parte das responsabilidades que cabiam ao Estado.
Em Portugal, como na generalidade dos países ditos “da coesão”, progrediu-se nesta via através de acordos tripartidos em que as confederações patronais e sindicais se associam aos poderes públicos na procura de novas articulações entre a eficiência económica e a coesão social.
Trata-se, a meu ver, de esforços importantes de adaptação da regulamentação do mercado de trabalho e dos sistemas de protecção social que é necessário prosseguir e desenvolver.
Julgo, todavia, que teremos de reconhecer que tais esforços não têm permitido progressos suficientes no combate ao desemprego e à exclusão social.
No meu entender, é necessário que se reconheçam dois tipos de limitações ao modo como, frequentemente, se tem tendido a enfrentar a questão social e a solidariedade.
O primeiro prende-se com os constrangimentos decorrentes do programa de convergência nominal que visa a criação da moeda única europeia.
Esse programa reduz o espaço de manobra dos Estados membros ao mesmo tempo que, no plano europeu, não se tem verificado um desenvolvimento satisfatório da dimensão social.
Também por isso me parece indispensável, como disse no início, que a reforma do modelo social assente numa nova partilha de responsabilidades e de meios entre os Estados membros e a própria União Europeia.
A segunda limitação, ligada aliás à primeira, é de natureza conceptual.
Argumentando com a garantia formal dos direitos cívicos e políticos, alguns remetem os direitos sociais para um plano residual, a desenvolver na medida em que a eficiência económica tenha garantido excedentes que os tornem possíveis e o funcionamento das relações entre os interlocutores sociais os consagre.
Estar-se-ia, não no domínio em que é legítima a intervenção dos poderes públicos, mas no campo do direito privado.
Discordo deste entendimento porque, a meu ver, é inaceitável que se limite a cidadania à sua dimensão política e porque tais teses ignoram que a degradação das condições sociais cria frequentemente, para significativos grupos de cidadãos, limitações ao exercício dos direitos cívicos e políticos que lhes estão formalmente assegurados e pode levar a rupturas sociais graves.
Se não há nunca determinismos económicos e tecnológicos ou automatismos sociais, os problemas da regulação do mercado de trabalho e da protecção social constituem, numa época de mudança profunda como a que vivemos, desafios políticos essenciais.
Um e outro exigem reformas, que têm tudo a ganhar com a participação e o consenso dos parceiros sociais, mas que só podem ser decididas por quem dispõe da legitimidade política e institucional que, nas sociedades democráticas, apenas o sufrágio eleitoral confere.
A reforma do mercado de trabalho exige, para que se não exacerbem alguns dos ciclos viciosos que temos vindo a ver desenvolverem-se nas sociedades europeias, que se enfrentem lucidamente quer a necessidade da flexibilidade, quer os efeitos perversos da precariedade.
É que, sendo inegável a necessidade de os cidadãos e das empresas disporem de maiores possibilidades de adaptação às exigências da mudança acelerada dos mercados, das tecnologias, das organizações e das profissões, parece inegável que a última década mostrou bem a dimensão de problemas como o do acesso dos jovens ao mercado de trabalho ou a condenação de grupos significativos de adultos ao desemprego de longa duração.
Do mesmo modo importa que a gestão do tempo de trabalho tenha em conta o problema fundamental do emprego e a necessidade de conciliar os interesses das empresas com os dos diferentes grupos de cidadãos que nelas trabalham.
A questão do acesso à educação e à formação ao longo da vida, incluindo a redução do insucesso e do abandono escolar, constituem, no dealbar da sociedade da informação, aspectos essenciais da igualdade de oportunidades perante o mercado de trabalho.
Mas não só. Do desenvolvimento de oportunidades de formação adequadas às necessidades dos cidadãos e das empresas depende muito do nosso futuro colectivo, quer no campo económico, quer no domínio social, quer, ainda, no plano político.
Ora, como parece inegável que as oportunidades oferecidas pelos mercados de trabalho são, cada vez mais, socialmente diferenciadas, para que as lógicas da segmentação e da exclusão não se tornem predominantes, julgo que precisamos de dispor de mais e de melhores “pontes” entre os mercados de emprego que mantém bons níveis de protecção, o mercado de emprego precário e o desemprego ou a inactividade.
Porque contribuem para limitar as situações de desvantagem, conjuntural ou não, de alguns grupos de cidadãos, tais “vias de passagem” constituirão, penso, bons instrumentos de superação dos riscos de segmentação social que se desenvolvem nas nossas sociedades.
Por isso me parecem merecedoras de apoio as propostas de reformulação do contrato social que, reconhecendo embora a importância do acesso ao emprego como vector de integração social, sustentam a necessidade de ligar os direitos sociais aos direitos cívicos e políticos e ao trabalho, mas não necessariamente ao emprego.
A reforma da segurança social exige, pelo seu lado, que se enfrente com lucidez e coragem os factores da crise financeira do Estado Providência e se adoptem medidas que garantam a solvibilidade de um sistema capaz de assegurar níveis adequados de equidade e de protecção social aos reformados do presente e do futuro.
Mas, pelo menos no caso português, essa reforma não pode ser separada da necessidade de desenvolver, em termos sustentáveis, o próprio Estado Providência, inclusivé no domínio das chamadas políticas passivas.
Precisamos certamente de dispor de sistemas de protecção social mais adaptados à dificuldade de acesso dos jovens ao emprego, à persistência do desemprego de longa duração e às consequências sociais das reconversões económicas e profissionais.
Mas se precisamos de conceber a reforma do Estado Providência como um instrumento activo de facilitação da mudança social e económica, devemos, a meu ver, realizar essa reforma de modo que ela constitua também um instrumento de limitação das desigualdades induzidas pelo mercado.
Não se trata de opor os valores da cidadania social ao funcionamento do mercado, mas de procurar e de concretizar soluções articuladas que nos permitam sair do ciclo vicioso actual, em que deixou de ser verdade que “os lucros de hoje são os investimentos de amanhã e os empregos de depois de amanhã”.
O presente e o futuro do mercado de trabalho e da protecção social em Portugal dependem, antes de mais, das reformas que formos capazes de realizar.
Mas, essas reformas não são independentes do desenvolvimento da dimensão social europeia.
Creio, aliás - e com isso chego ao segundo dos dois pontos com que iniciei esta intervenção - que o mesmo problema se porá noutros países da Europa comunitária.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
O quadro europeu é já o principal quadro de referência para a economia portuguesa. Sê-lo-à ainda mais com a criação da moeda única europeia.
Com esse novo passo da integração comunitária, os termos em que se colocam os problemas do emprego, do nível e da qualidade de vida dos portugueses, tal como o dos cidadãos de outros Estados membros, ficam ainda mais estreitamente ligados ao futuro da Europa.
Estou convicto, como afirmei, que a construção europeia pode ser levada a mau porto se persistir o actual ciclo vicioso que, em nome da convergência nominal, limita as possibilidades de convergência real das economias nacionais e diminui as possibilidades de os Estados membros realizarem as reformas que o novo contrato social exige.
O processo de integração monetária carece de medidas de acompanhamento que, para serem eficientes, têm de ser adoptadas tanto no plano europeu como no plano nacional.
Haverá domínios em que é ao nível nacional que terão de ser encontradas as capacidades e as vontades para conceber as reformas e criar os meios indispensáveis à efectivação dessas políticas.
Como já disse, há, no interior da União Europeia, diversidades que individualizam cada país e determinam objectivos próprios, constrangimentos e potencialidades específicas, métodos e modos próprios que assentam na singularidade da espessura cultural de cada nação.
Mas, por outro lado, nalguns domínios da questão social haverá que definir - ou que redefinir - novos direitos sociais, grandes objectivos comuns, metodologias partilhadas e medidas concretas que, no seu conjunto, configuram um avanço para a definição de algumas políticas sociais ao nível europeu.
O que não é aceitável é que a integração monetária europeia não seja acompanhada de sistemas de apoio ao desenvolvimento económico e social dos Estados membros que possam ser adaptados às suas necessidades específicas, à sua cultura e às suas instituições.
Há pouco mais de uma década, Portugal ligou o seu futuro ao da União Europeia.
A construção europeia conheceu, entretanto, um processo de integração crescente, mas, em muitos casos, desigual.
Desigual entre dimensões da integração, desigual entre Estados membros, desigual entre regiões de um mesmo Estado membro, desigual ainda entre sexos, grupos sociais e étnicos.
É verdade que, mesmo no plano social, se deram passos significativos, de que a reforma dos fundos estruturais, a aprovação da Carta Comunitária dos Direitos Sociais e do Protocolo Social anexo ao Tratado da União Europeia constituem exemplos relevantes.
Mas não creio que nos possamos dispensar de ultrapassar algumas ambiguidades ou de explicitar as dimensões nacional e europeia da solidariedade social e da igualdade de oportunidades.
Penso que a questão social não é resolúvel sem que se definam novas fronteiras entre o espaço público e o espaço privado, entre a legitimidade eleitoral e o reforço da participação das organizações de interesses na preparação e na execução das políticas públicas, tudo isto no quadro duma nova partilha de responsabilidades e de meios entre os Estados membros e a própria União Europeia.
Dito de outro modo, é necessário que um edifício legal renovado ligue os direitos sociais às condições de efectivo exercício da cidadania, tal como é preciso revigorar os sistemas participativos e de regulação contratual.
Finalmente, é imprescindível que as lógicas de intervenção comunitária permitam e estimulem a renovação do estado de bem estar tanto no conjunto da União, como à escala nacional e no plano local.
A União Europeia precisa pois, no meu entender, de critérios e de processos de convergência social que evitem que os cidadãos atribuam à ideia europeia a responsabilidade pelo incremento da desigualdade, do desemprego, da pobreza e da exclusão social, aumentando o número dos que se pronunciam a favor das teses do isolacionismo nacionalista, do racismo e da xenofobia.
Julgo, pois, que as duas exigências políticas que enunciei no início estão profundamente ligadas: a procura de novas articulações entre eficiência económica, emprego e igualdade de oportunidades exige um desenvolvimento do espaço público e uma nova partilha de responsabilidades e de meios entre a União Europeia e os Estados membros que a constituem.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Quero aqui reafirmar que considero os objectivos do calendário europeu que se nos depara como um autêntico programa de refundação da Europa no qual Portugal tem o direito e o dever de participar activamente.
É uma oportunidade rara de se procurarem respostas adequadas para os desafios económicos, sociais e políticos que a União Europeia tem de enfrentar para garantir que o nosso futuro comum se constrói em paz e em liberdade.
Creio que esses desafios não poderão ser ganhos sem que saibamos, em cada país e no plano comunitário, responder com êxito aos dois problemas políticos que suscitei no início.
Disso depende, no meu entender, a possibilidade de a identidade europeia conjugar, agora e no futuro, liberdade política, cidadania social e eficiência económica.