Comemorações do 700º Aniversário do Tratado de Alcanizes

Alcanizes - Espanha
08 de Junho de 1997


É com profunda satisfação que me encontro nesta bela cidade, indelevelmente associada ao histórico Tratado que entre os nossos dois países aqui foi selado há setecentos anos.
Agradeço-lhe, Senhor Alcaide, o acolhimento caloroso que nos dispensou, assim como a V.Exª, Senhor Presidente da Junta de Castela-Leão, a forma tão simpática como sempre me recebe.
Majestade,
No Rei de Espanha têm os portugueses um Amigo sincero que conhece, como poucos, a nossa realidade humana, cultural e política, um Amigo constantemente empenhado no reforço do entendimento fraterno e solidário entre espanhóis e portugueses.
A presença de Vossa Majestade, nesta cerimónia singela, é mais uma prova dessa amizade, de que tanto nos orgulhamos, e um gesto que sensibiliza e muito honra os portugueses.
Agradeço-lhe muito penhorado.
Existe por parte de espanhóis e portugueses a firme determinação de continuarmos a trabalhar em conjunto, procurando convergências, coordenado políticas e identificando áreas de cooperação em sectores estratégicos para o nosso desenvolvimento.
Muito me apraz registar que partilhamos uma visão covergente na gestão equilibrada dos recursos comuns que a nossa vizinhança inevitavelmente convoca.
A minha visita a esta região fronteiriça confirma, mais uma vez, esta identidade de propósitos.
Quero aproveitar esta ocasião para publicamente manifestar o meu maior apreço pelo precioso trabalho que tem vindo a ser desenvolvido por um conjunto de associações espanholas e portuguesas em prol do aprofundamento da cooperação transfronteiriça e do desenvolvimento regional.
Após esta cerimónia, terei, de resto, oportunidade de contactar directamente aqueles que dedicam o melhor do seu esforço a essa nobre tarefa de ampliar o nosso conhecimento mútuo, cimentando amizades, fortalecendo o desenvolvimento comum, reforçando permanentemente os nossos intercâmbios, estabelecendo, em suma, uma estreita e indispensável cumplicidade entre os nossos povos.
Hoje, a vasta fronteira que partilhamos já não sublinha uma desastrada política de costas voltadas, antes constitui um eloquente exemplo da solidariedade que une espanhóis e portugueses.
Ao invés do que aconteceu num passado ainda recente, quando neste tipo de cerimónias sobressaía uma desgastada retórica sobre as relações luso-espanholas, que não raro escondia a suspeição, a desconfiança e até o desinteresse mútuo, temos hoje clara consciência de que essas barreiras psicológicas foram definitivamente superadas .
Espanha e Portugal devem à institucionalização da democracia pluralista, pela qual tantos se bateram, a recuperação do seu lugar natural na Europa e um impulso consistente às suas relações bilaterais.
Ao aprofundamento constante do diálogo entre governantes de um e outro país e à concertação progressiva de políticas, correspondeu a sociedade civil com um dinamismo notável.
Nunca como hoje foi tão intenso o diálogo e a interacção entre agentes culturais, empresários, investigadores, cientistas ou jornalistas.
No plano político, partilhamos uma visão idêntica do ideal europeu, assente no progresso económico e social, na estabilidade, mas também na coesão e na solidariedade entre os países que compõem a União Europeia.
É essa mesma visão solidária que aqui venho testemunhar e incentivar, animado pela certeza de que juntos estamos no bom caminho.
Majestade,
Senhor Alcaide,
Comemoramos, este ano, a conclusão, há 700 anos, do Tratado de Alcanizes.
Estas comemorações, às quais tenho a honra de me associar, não podem ser encaradas como uma mera evocação histórica que em si mesma se esgota, antes as vejo como um acto que vem simbolizar a excelência das relações entre os nossos dois países, assentes num sólido entendimento sobre questões essenciais para o futuro de ambos.
Alcanizes evoca a delimitação de uma fronteira, certamente crucial para a edificação da autonomia política de Portugal.
Acredito que essa estabilização se repercutiu de forma significativa na evolução do quadro histórico peninsular.
Naquele tempo, tiveram os responsáveis políticos a lucidez de reconhecer as vantagens recíprocas da eliminação de uma querela de fronteira, concluindo um Tratado de considerável incidência, que é um exemplo de rara longevidade na história das relações internacionais.
Hoje, da parte espanhola e portuguesa, existe a clara consciência de que a nossa vasta fronteira comum significa cooperação e aproveitamento solidário dos recursos e possibilidades de desenvolvimento que se nos oferecem.
É esta a mensagem que aqui venho transmitir, comungando convosco da confiança num futuro feito de uma identidade de interesses e do sentimento de partilha de um projecto capaz de mobilizar as pessoas concretas, que são afinal a razão de ser de qualquer política.
A data de 1297 representou, como sublinharam com acerto os historiadores portugueses, uma viragem que marcou o início de um dos períodos de maior pujança da Idade Média em Portugal.
A composição política do nosso território, tão cedo alcançada, foi certamente um factor determinante na viabilização histórica de Portugal, cuja fronteira se manteve praticamente inalterada desde o final do século XIII.
Alcanizes mostra-nos, afinal, que ao longo da história, os sinais da conjuntura política de um país se repercutem quase sempre no outro.
É por isso que hoje venho deixar uma palavra de estímulo e de confiança no futuro das relações transfronteiriças, que é, ao mesmo tempo, uma mensagem de confiança na solidez e rigor que caracterizam no presente as relações entre Espanha e Portugal.
Não significa isto que em tudo tenhamos de concordar, simulando falsas convergências de circunstância.
Significa, sim, que atingimos uma nova era nas nossas relações que corresponde a uma nova geração de espanhóis e portugueses, formada na democracia, liberta de preconceitos e, sobretudo, confiante na nossa capacidade para enfrentar em conjunto os desafios que a modernidade suscita.
São esses os primeiros a exigirem uma relação franca e aberta entre os nossos dois países, em que a defesa dos interesses recíprocos se realize num quadro de cooperação e de entendimento estreito, alheio a inúteis preconceitos, hoje definitivamente superados.
Majestade,
Os nossos dois países criaram já as condições para um desenvolvimento sereno e natural das suas relações.
Tenho a certeza que Espanha e Portugal saberão encontrar, no futuro, formas ainda mais concretas de expressarem este estreito entendimento, continuando a dar, em conjunto, um contributo significativo para a construção de uma Europa mais coesa e mais solidária.