Banquete oferecido pelo Presidente da República de Moçambique

Palácio da Ponta Vermelha - Maputo
28 de Abril de 1997


Permitam-me que comece por dizer, com a simplicidade que a emoção me dita, que é bom estar de novo em Moçambique. É bom visitar uma vez mais esta terra e reencontrar tantos amigos.
É-me grato olhar para trás no tempo e poder hoje recordar o início desta velha relação. O meu primeiro cargo político, como porventura saberão, foi o de Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e foi no exercício dessas funções que consolidei o meu conhecimento de Moçambique.
Portugal vivia então a euforia de uma Revolução libertadora; Moçambique a euforia da Independência. Os acontecimentos, em ambos os países, estavam intimamente ligados entre si. Para toda uma geração de portugueses e moçambicanos, era o momento em que os seus anseios de Liberdade e de Independência se tornavam finalmente realidade. Esse momento exaltante, conjuntamente vivido, não poderia deixar de gravar memórias profundas e de em nós criar relações sólidas e duradouras.
É desse primeiro momento e de tantos outros que se lhe seguiram - e que hoje me acorrem à memória convocados pela emoção deste reencontro - que sinto brotar este sentimento de satisfação e de alegria por estar de novo em Moçambique.
Ao longo dos anos cimentei uma relação afectiva com o povo moçambicano. E tenho hoje, como Presidente da República de Portugal, o privilégio de poder acrescentar, ao que pessoalmente me liga a Moçambique, a representação institucional da solidariedade que une os nossos dois países. Nada me poderia ser mais grato.
O aprofundamento dos laços de solidariedade que ligam os Estados de língua oficial portuguesa é para Portugal uma política prioritária; uma política que se orienta numa perspectiva de futuro e que, com base no património inestimável que é a nossa língua comum, procura conjugar experiências e esforços para a ampliação do intercâmbio cultural e para o reforço da cooperação para o desenvolvimento económico e social, assim como para a nossa mútua capacidade de afirmação externa.
É neste quadro de mútuas convergências e de recíprocos interesses - económicos, culturais e diplomáticos - que se impõe consolidar o projecto da Comunidade dos Países de Língua oficial Portuguesa. Estamos todos conscientes de que o reforço das relações bilaterais e a dinamização de acções de cooperação multilateral são essenciais para conferir a necessária solidez colectiva, tendo em mira o futuro que queremos construir para as relações entre os nossos povos.
Portugal admira a determinação com que Moçambique tem sabido percorrer os caminhos da paz, procurando consolidar a estabilidade política e lançar as bases do desenvolvimento económico. Os resultados desse esforço, a que sempre demos no passado e continuaremos a dar no futuro, de forma amiga e desinteressada, o apoio solicitado, são hoje um modelo de sucesso.
Creio não poder haver prova mais cabal e evidente da forma como essa confiança foi interiorizada pela sociedade portuguesa do que o eloquente facto de Portugal ser o primeiro investidor externo neste país. Estamos pois comprovadamente disponíveis para apoiar o esforço de Moçambique na construção do seu futuro.
Para esse esforço, ao qual Moçambique tem dedicado o melhor das suas capacidades, não poderia Portugal deixar de corresponder activamente, contribuindo para a criação de condições de crescimento auto-sustentado. E deverá faze-lo quer a nível oficial - reforçando, na medida do possível, os instrumentos de cooperação - quer a nível privado, procurando sempre observar os mais estritos padrões éticos de comportamento, nomeadamente nas relações laborais, privilegiando a formação profissional dos moçambicanos, como prioridade associada a qualquer investimento ou a qualquer acção de cooperação.
Gostaríamos de ser vistos como os facilitadores das oportunidades que o futuro irá seguramente abrir às novas gerações de moçambicanos, e não apenas encarados como meros instrumentos de um sistema de mercado.
Os processos de transição política e de ajustamento estrutural, sabemo-lo por experiência própria, fazem da sensibilidade às questões sociais, designadamente no âmbito da formação profissional, um dos aspectos centrais da relação entre os novos investidores e o tecido social em que estes se inserem.
Perfilho a opinião de que, pelo conhecimento que tem deste povo, Portugal terá de se constituir como um exemplo. Tal representa um imperativo ditado pela nossa concepção política das relações entre os povos e que se reveste de uma relevância tanto maior quanto é certo que este é o momento do início de um novo relacionamento entre os nossos dois países. É efectivamente um imperativo que deverá nortear toda a cooperação, seja ela feita por agentes públicos ou privados.
As possibilidades de cooperação bilateral são vastas: no âmbito da preservação da língua e da cultura; no estabelecimento e aprofundamento de laços entre as comunidades portuguesas residentes e as comunidades nacionais; na criação e desenvolvimento de mecanismos económicos; na formação de recursos humanos; na área da investigação científica e dos estudos universitários; no domínio da comunicação social; na área do apoio social e outras.
A sua actuação deverá pautar-se num estrito respeito pela identidade própria de cada um dos nossos países, mantendo sempre presente, tanto as disponibilidades em meios e recursos, como a necessidade de se assegurarem as condições de sustentabilidade ao desenvolvimento.
Norteando-se pelo reforço das capacidades institucionais, a promoção e consolidação da Democracia e do Estado de Direito, do respeito pelos direitos do Homem e pelas Liberdades Fundamentais, a Cooperação Portuguesa saberá decerto encontrar cada vez mais alargados campos de actuação, privilegiando o apoio técnico, a assessoria e formação profissional, bem como a consolidação da cooperação empresarial, em particular do sector privado.
Neste contexto, não posso deixar de referir a importância que atribuímos ao reforço da cooperação levada a cabo pelas Organizações não Governamentais, que consideramos constituir um instrumento privilegiado nas relações entre os Povos dos nossos dois países.
Senhor Presidente da República,
Excelências,
Moçambique prepara-se para a realização das suas primeiras eleições autárquicas. Este será, sem dúvida, mais um factor de amadurecimento do edifício institucional do Estado moçambicano e um elemento de renovado envolvimento dos cidadãos no regime democrático. Alcançada a paz e a democracia política, começam a estar criadas as condições indispensáveis para o desenvolvimento e estabilidade social da sociedade moçambicana.
Este é, por isso, um passo importante para Moçambique. Creia, Senhor Presidente, que, hoje como ontem, a nossa disponibilidade será total, para, na medida da nossa experiência e das nossas capacidades, apoiar a implementação do Poder local em Moçambique. Digo-o como autarca eleito que fui e que portanto sabe, por experiência própria, quão importante é o poder local para garantir a resolução dos problemas concretos das populações, para manter o envolvimento do cidadão nos mecanismos da democracia política e para promover o desenvolvimento do país.
Julgo poder afirmar, sem nenhum exagero, que o sucesso da estabilização da jovem democracia portuguesa dependeu, em grande medida, do sucesso da experiência autárquica democrática em todo o país.
Mas, para além do sucesso da sua transição política, Moçambique tem hoje acrescidas razões de orgulho e de esperança. Orgulho e esperança na inquebrantável vontade política de vencer as dificuldades, procurando os compromissos necessários, por forma a perspectivar adequadas políticas de ajustamento e bons desempenhos económicos.
O cumprimento das metas estabelecidas para o reajustamento estrutural da economia constitui um êxito apreciável. Os resultados do último ano traduzem já a tão desejada, quanto difícil consonância entre a política de ajustamento e o crescimento económico.
Portugal não deixará em todos os fora internacionais em que tem assento de incentivar o apoio da Comunidade Internacional à balança de pagamentos, como condição necessária à auto-sustentação dos índices de crescimento. Os resultados conseguidos por Moçambique, na última reunião do Clube de Paris, relativos ao serviço da dívida externa, representam um sinal claro de incentivo e de apoio.
O processo de alargamento e modernização do sistema financeiro, a criação de novos instrumentos para apoiar as actividade do sector privado e as reformas em curso na política fiscal e monetária contribuem decisivamente para o reforço da confiança da Comunidade Internacional e para a redução de desequilíbrios macro-económicos.
Senhor Presidente da República,
Excelências,
Minhas Senhoras e meus Senhores
As relações entre os nossos países - tive já ocasião de o afirmar - são hoje também caminhos de encontro e contacto com espaços económicos e políticos, mercados e diplomacias mais amplas, que se afirmam no quadro multilateral em que cada país se insere. Neste contexto multilateral, não posso deixar de referir a esperança que Portugal deposita nas capacidades da Organização de Unidade Africana para contribuir para a resolução e gestão de conflitos neste Continente, em particular a crise que assola a Região dos Grandes Lagos e a situação que se vive no Zaire.
Temos , assim, desempenhado um papel activo na dinamização do diálogo entre a União Europeia e a OUA com o objectivo de conferir àquela organização uma maior capacidade na área da prevenção e gestão de conflitos no Continente.
Portugal e Moçambique são elos e ponte entre espaços político-económicos cuja importância deve ser ampliada por uma mais estreita colaboração.
O apreciável apoio da União Europeia à paz, ao desenvolvimento e à nova ordem constitucional de Moçambique é testemunho do empenho Europeu na estabilidade do quadro regional e na procura de soluções políticas para os conflitos ainda existentes.
Só a paz e a estabilidade político-militar em todos os países da região permitirá desenvolver todo o potencial de progresso que a região encerra. A paz é um pré-requesito para a cooperação regional que, por sua vez, é condição essencial para o desenvolvimento sustentado dos países que a compõem.
Mas a paz é uma necessidade urgente e inadiável para toda a África. Uma paz que, para ser duradoira e frutuosa, terá necessariamente que assentar nas bases sólidas do progresso e desenvolvimento político, económico e social.
Daí que Portugal tenha lançado aos seus parceiros da União Europeia a ideia da realização de uma cimeira euro-africana, ideia esta que está a suscitar crescente apoio e compreensão.
Daí também, ao longo dos últimos anos, ter Portugal empenhado o melhor dos seus esforços diplomáticos no processo de paz Moçambicano e no difícil e complexo processo Angolano. O capital de experiência acumulado, a que se junta o profundo conhecimento da região, não deixará de consolidar as nossas relações com o SADC, de que Vossa Excelência é Vice-Presidente, organização que igualmente tem marcado a sua acção pelo empenho na resolução de conflitos.
Senhor Presidente da República,
Excelência,
Minhas Senhoras e meus Senhores
Quero concluir esta intervenção, que já vai longa, com uma renovada palavra de esperança e de confiança no futuro, lançando, a moçambicanos e portugueses, o repto de fazermos ainda mais e melhor, de nunca nos contentarmos com a obra já feita e de situarmos a nossa ambição no horizonte sempre mais além. Como escreveu Fernando Pessoa “ navegar é preciso”. Mia Couto, por seu lado, citando um velho provérbio Macua, sugeria que o barco de cada um de nós está no nosso próprio peito.
Acredito sinceramente Senhor Presidente que hoje vejo aqui muitos barcos a quererem navegar juntos.