Sessão Solene na Assembleia da República Moçambique

Maputo
29 de Abril de 1997


É para mim um grato prazer e uma grande honra ser recebido nesta sessão solene da Assembleia da República de Moçambique.
Reconheço esta atenção que me é concedida como um acto da maior relevância institucional. Registo-a como um gesto fraterno que, ao dirigir-se ao Chefe do Estado português se estende naturalmente a todos os portugueses. É em nome deles, que olham para este país como para um país irmão, que sentidamente vos agradeço o convite e esta oportunidade de me dirigir aos representantes livremente eleitos do povo moçambicano.
Durante muitos anos fui também parlamentar, tendo assim juntado à concepção teórica do papel central dos parlamentos na vida democrática, a experiência enaltecedora do exercício da função de deputado. Representar o Povo é a mais nobre função política num regime democrático.
É um trabalho complexo e fascinante, feito de afirmação da identidade própria de cada grupo parlamentar, na procura de representação dos programas e propostas em torno das quais os seus deputados foram eleitos, mas também feito da procura dos compromissos necessários à estabilidade política, ao aprofundamento da democracia e à viabilização do desenvolvimento económico.
Confronto de opiniões e compromisso político tal é a matéria que enforma o complexo equilíbrio em que assenta a vida parlamentar democrática: equilíbrio nem sempre bem compreendido pela opinião pública, que tantas vezes considera o confronto vivo de opiniões como estéril e o difícil esforço de compromisso como concessão escusada.
Mas esta realidade apenas nos remete para uma constatação incontornável. A democracia não se consolida apenas através da periódica realização de eleições. Ela supõe também o exercício permanente de uma pedagogia política, capaz de interiorizar na população uma vivência democrática, que deverá ser constantemente aprofundada, aproximando eleitores e eleitos.
A democracia - perdoem-me repetir este lugar comum - é o menos imperfeito de todos os regimes políticos. Para onde quer que dirijamos as nossas atenções, convirjam elas em democracias consolidadas ou para regimes acabados de sair de processos de transição, são sempre as mesmas questões que se colocam: o modelo eleitoral e estatuto dos deputados, ligação entre eleito e eleitor, transparência do sistema político, direitos da Oposição, financiamento dos partidos, extensão dos direitos individuais dos cidadãos.
Esta dinâmica de debate permanente é o que permite aos regimes democráticos o seu constante aperfeiçoamento, consentindo a sua evolução, e a adaptação harmoniosa às sociedades modernas em contínua mutação; sociedades que reclamam uma constante adequação dos seus sistemas políticos sob pena de estes se desajustarem das realidades que o justificam e fundamentam.
O que verdadeiramente importa é o sentido global dessa evolução, é caminhar sempre no sentido do fortalecimento das liberdades, na consolidação dos direitos do homem e na extensão da prática democrática aos órgãos electivos dos diversos níveis de administração do Estado.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Em Moçambique, a bem sucedida implementação do processo de paz assinado em Outubro de 1992, e concluído em 1994, com a realização de eleições presidenciais e legislativas, permite agora avançar para a realização das primeiras eleições autárquicas. Trata-se de um passo decisivo para a coroação da paz, para a estabilidade política e para o desenvolvimento do país.
O processo de descentralização administrativa constitui, sem dúvida, um importante factor de democratização e de amadurecimento do edifício institucional do Estado. Como a experiência demonstra em muitos países, o referido processo fortalece o espírito de reconciliação e de unidade nacional. No caso de Moçambique representará também o culminar de um complexo processo de transição.
Portugal não pode deixar de realçar o esforço de convergência em matérias relevantes para a desejada e necessária descentralização administrativa. Em boa verdade, foi a vontade política de todos que permitiu o sucesso do processo de paz moçambicano, dele fazendo um exemplo que o mundo em geral e a África em particular só ganhará em ter sempre presente. A manutenção dessa vontade política, é prova eloquente da determinação com que Vossas Excelências têm procurado garantir a estabilidade política e social, o que não deixará de se reflectir favoravelmente no desenvolvimento económico e social do país.
Congratulo-vos pelo esforço feito e faço sinceros votos para que também se coroe de sucesso mais este passo do processo de transição política.
A partir de agora, a atenção irá centrar-se nos aspectos organizativos e logísticos para cumprir o processo eleitoral, tal como pretendido por todos os partidos políticos e pela sociedade civil moçambicana.
Portugal estará sempre disponível, quando tal lhe for solicitado, para apoiar, em coordenação com a comunidade doadora internacional, os esforços do Governo na efectivação do próximo escrutínio eleitoral, bem como no mais vasto projecto de descentralização administrativa do Estado, designadamente no que diz respeito ao fortalecimento da administração local autárquica.
Possuímos todo um património de experiência, construída também ela num período de transição política. Se o quiserem, poderemos compartilhá-la, com a disponibilidade e o desinteresse com que dois países solidariamente unidos entre si põem em comum o que melhor possa servir o outro.
A paz e a harmonia política Moçambique criaram as condições indispensáveis para o desenvolvimento e a estabilidade social.
Os resultados desse esforço, a que sempre demos no passado e continuaremos a dar no futuro, de forma amiga e desinteressada, o apoio solicitado, são hoje um modelo de sucesso. Estamos pois disponíveis para apoiar o esforço de Moçambique na construção do seu futuro.
Mas, para esse esforço, ao qual Moçambique tem dedicado o melhor das suas capacidades, não poderia Portugal deixar de corresponder activamente. E deverá faze-lo quer a nível oficial - reforçando, na medida do possível, os instrumentos de cooperação - quer a nível privado, procurando sempre observar os mais estritos padrões éticos de comportamento, nomeadamente nas relações laborais, privilegiando a formação profissional dos moçambicanos, como prioridade associada a qualquer investimento ou a qualquer acção de cooperação.
Desenvolvimento e estabilidade, tal é, com efeito, o desafio do futuro. Não posso deixar de testemunhar, perante os mais altos representantes do povo moçambicano, a minha admiração pelo esforço que todos os agentes políticos económicos e sociais têm desenvolvido para, com grande sentido da história e da evolução do quadro regional, garantir as condições que permitam assegurar a sustentabilidade do desenvolvimento económico. É que sem ele, também seriam insuficientes as condições para absorver as tensões sociais que necessariamente se lhe seguiriam, com evidentes riscos para a estabilidade do regime democrático.
É necessário persistir no caminho. Manter a vontade política para os compromissos necessários e garantir a continuidade do apoio da Comunidade Internacional a este notável esforço.
A União Europeia, com um papel activo de Portugal, tem prosseguido o apoio ao desenvolvimento do país, quer através da consolidação da nova ordem constitucional emergente do processo de paz, quer contribuindo para a reabilitação do tecido económico social.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Estou certo de que os nossos países reforçarão os seus laços de amizade, alicerçando-os em novas formas de diálogo e de cooperação. Deixo-vos aqui, em nome de Portugal, o compromisso da nossa total disponibilidade para, na medida do vosso desejo e das nossas possibilidades, continuarmos a contribuir para criar as oportunidades que as novas gerações de moçambicanos esperam do futuro.
As perspectivas do reforço da cooperação entre os nossos países são vastas: no âmbito da preservação da língua e da cultura, na criação e desenvolvimento de mecanismos económicos; na formação de recursos humanos; na área da investigação científica e dos estudos universitários; no domínio da comunicação social; na área do apoio social.
Abrem-se igualmente, na área parlamentar, amplas e estimulantes perspectivas de cooperação entre os Parlamentos de Moçambique e Portugal. A importância que atribuímos à cooperação entre os nossos Parlamentos está, de resto, bem patente na expressiva delegação parlamentar que me acompanha e que representa todos os partidos políticos portugueses com assento na Assembleia da República.
A Cooperação Técnico Militar constitui outra faceta importante da nossa cooperação com Moçambique.
Constituindo a Cooperação Militar apenas uma das áreas da cooperação bilateral ela tem assumido, todavia, a maior relevância no contexto deste processo, com inquestionável significado político e social. É sinal de que olhamos para o futuro e nos distanciamos do passado. É sinal de que juntos e congregando esforços e vontades poderemos ajudar a construir um clima de paz e de estabilidade nesta região de África, prestando um contributo válido para o pleno desenvolvimento das potencialidades nela existentes, que são muitas.
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
A paz, todos o sabemos - mas nunca será demais repeti-lo - constitui um bem inestimável. Sem ela o almejado e necessário desenvolvimento continuará sempre uma miragem distante. Moçambique com exemplar coragem e clarividência, demonstrou ter assumido as lições amargas de uma História recente em que a luta fratricida se sobrepunha ao entendimento e ao diálogo, com trágicas consequências para a vida das populações.
Quero, por isso, aqui, neste privilegiado forum, livre e aberto, de debate de ideias, deixar uma palavra amiga de admiração e encorajamento, em nome do povo português, pelo trabalho por vós desenvolvido, por vezes bem difícil, mas absolutamente imprescindível para a consolidação do regime democrático.
O objectivo crucial de implantar e enraizar a paz e a democracia pluripartidária em Moçambique, em cujo processo Portugal se empenhou, desde a primeira hora, de forma activa e desinteressada, é hoje uma aposta ganha, constituindo legítimo motivo de orgulho para todos os moçambicanos. Esta Assembleia é disso uma demonstração palpável.
Assim, é com sincera e profunda satisfação que, em nome do povo português, vos dirijo hoje estas palavras de singela, mas emocionada confiança no futuro de Moçambique e dos moçambicanos.