Banquete oferecido pelo Presidente da República Federativa do Brasil

Palácio de Itamary-Brasília
05 de Setembro de 1997


O convite que Vossa Excelência me dirigiu, para participar nas cerimónias oficiais do Dia Nacional do Brasil, e a que se associou a minha primeira visita de Estado a este país, representa, para mim próprio, uma honra que guardarei como uma das maiores distinções que me foram conferidas e representa, para Portugal, um gesto político de extraordinário alcance que ficará como testemunho da consolidação do novo ciclo de relações entre os nossos dois países.
A história desse relacionamento, que simbolicamente evocaremos no próximo dia 7, rica de séculos, é o testemunho indelével do percurso que nos trouxe até aqui. Mas a história que nos une não é a memória de uma cronologia. A história que nos une é a que regista a vontade dos homens que quiseram, no Brasil e em Portugal, que no seu tempo existisse um futuro para a história já vivida. É nesse sentido que sei que Vossa Excelência me convidou. É com esse espírito que aqui me encontro, para consigo estreitar a firme vontade política de aprofundar, em novos moldes, o futuro do relacionamento entre os nossos Povos e Estados.
Creia, Senhor Presidente, que nada me poderia ser mais grato do que estar aqui hoje, em nome de Portugal, institucionalmente acompanhado de membros do Governo, de uma importante delegação da Assembleia da República, do Senhor Chefe da Estado Maior General das Forças Armadas e de um conjunto de personalidades nacionais, para participar na homenagem à História do Brasil, para debater o presente das nossas relações bilaterais e, sobretudo, para rasgar horizontes para o futuro.
Senhor Presidente,
Dentro de poucos anos comemoraremos os quinhentos anos da viagem de Pedro Alvares Cabral que no caminho de um “mar sem fim” descobriu esta terra magnífica e nela os povos e as civilizações que então a habitavam.
Os dois países comemorarão empenhadamente esse feito que é, indiscutivelmente, um marco na história da civilização. Os historiadores não deixarão de sobre ele, e sobre as suas consequências, produzir as suas diversas interpretações. Mas a nós, a quem cumpre governar os países que resultaram desse encontro, cabe , acima de tudo, olhar para a frente, criar as condições para novas formas de encontro entre as nossas culturas, economias e sociedades. Cabe-nos, no fundo, uma tarefa que não podemos nem podemos recusar: a de garantir que a história desse primeiro encontro se prolonga na história a haver.
Procurarei, por isso, ao longo desta visita, que fique claro que para Portugal a história é o caminho de partida para o futuro que a nossa visão do Brasil e o nosso entendimento das relações, riquíssimas, que com ele podemos e devemos estabelecer não são apenas uma consequência da história, mas, para além dela, um acto de vontade reafirmado no presente pela relevância que esse relacionamento assume para os nossos países.
Senhor Presidente da República,
Mas celebrada a história como pilar e não como o fecho de abóbada que queremos para o presente, em que é que assenta, ao fim ao cabo, o futuro do nosso relacionamento?
Ele assenta, em primeiro lugar, na língua. Nesta riquíssima língua que nos une, numa diversidade de formas que a enriquecem e que são, em si mesmas, veículo da identidade cultural dos povos que nela se exprimem. Mas essa mesma língua, a da mulher e do homem que aqui, como em S.Tomé ou em Timor a usam para se exprimir, essa mesma língua de tantas gerações de dramaturgos, romancistas e poetas, ganhou hoje uma dimensão política por força da vontade dos Estados que se congregaram na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Este é um projecto da maior relevância política, económica e cultural.
A circunstância feliz de coincidir com esta minha visita a entrega, por parte do governo brasileiro, do Prémio Camões, ao escritor angolano Pepetela e de poder com Vossa Excelência participar nesse acto, gesto que tanto me sensibilizou, permite sublinhar, simbolicamente, a riquíssima dimensão cultural da nossa língua comum e o poderoso elo de união que ela representa entre povos e continentes sem continuidade geográfica entre si.
Em segundo lugar, creio dever igualmente sublinhar a importância de uma nova relação económica entre os dois países. O Brasil e Portugal, integrados em espaços económicos próprios que por si só são mais valias no relacionamento bilateral, conhecem nos últimos anos um volume crescente de investimentos em ambos os países, fruto de um novo ciclo - de um novo interesse e empenhamento - interiorizado pelos próprios agentes económicos, no contexto das estratégias de internacionalização para as suas empresas.
Portugal têm vindo a aumentar o seu volume de investimentos no Brasil - constituindo-se hoje como o sexto maior investidor estrangeiro,dando assim uma nova dimensão económica à reiterada importância que entre nós consensualmente se atribui á vertente atlântica da nossa política externa. O relacionamento económico com o Brasil, como as viagens do Sr. primeiro-ministro de Portugal bem testemunharam, recebe da parte do governo português a maior atenção como forma de consolidação de uma nova fase das relações bilaterais.
Em terceiro lugar, as nossas relações dependem da firme vontade política de fundar nas razões do presente o nosso futuro. O Brasil e Portugal, são vértices de um triângulo estratégico que assenta o seu outro extremo no continente africano. Mas a importância futura desse relacionamento global depende da capacidade de reforço que se encontre no presente para as relações bilaterais, entre cada um dos seus vértices.
Portugal, quero reiterá-lo hoje aqui, tudo fará para aumentar o número de instrumentos que garantam o reforço das relações com o Brasil. Quer se trate do intercâmbio cultural e científico, quer se trate da cooperação diplomática, seja no domínio bilateral, seja no domínio bilateral, seja no domínio multilateral, quer se trate do aprofundamento do direito que rege a legislação que se aplica às comunidades emigrantes que vivem nos nossos respectivos países.
O Brasil e Portugal albergam no seu seio importantes comunidades portuguesas e brasileiras que constituem, em si mesmas, um dos elementos fundamentais da constante relação entre dois povos. É, por isso, tão importante que uma visão de futuro aponte no sentido do aperfeiçoamento constante das condições com que essas comunidades se integram nos países de acolhimento, para que aí possam usufruir dos direitos que mais plenamente exprimam o desejo de uma plena integração. Este não será, naturalmente, um caminho isento de dificuldades, que, aqui e ali, pontuarão o percurso, como sempre acontece na evolução do Direito. Mas o que importa é que a direcção em que se caminha é clara e, por reafirmação da vontade política dos dois Estados, constantes os esforços para aprofundar os direitos que crescentemente se querem ver consagrados.
Do ponto de vista político, não posso deixar de reafirmar, com particular ênfase, a dimensão de que se reveste o projecto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Hoje, no momento em que novas condições de liberdade e de democracia , no seio dos sete Estados, tornam possível aprofundar noutros moldes os padrões de relacionamento bilateral; hoje, no momento em que esses Estados reforçam todos os instrumentos de diálogo económico e político com os espaços regionais em que naturalmente se inserem; hoje, por tudo isso, e alicerçados na razão primeira da língua, é possível acrescentar á solidificação das relações bilaterais uma componente multilateral que é inovadora no plano das relações entre estes Estados e plena de virtualidades políticas, económicas, diplomáticas e culturais.
O projecto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa nasceu da consciência política da importância que representa a utilização de uma plataforma estruturada de relacionamento entre os sete Estados, mas sobretudo, da dimensão internacional que essa concertação pode adquirir.
Só o nosso empenhamento objectivo e constante, como recentemente foi sublinhado na cimeira de Ministros de Negócios Estrangeiros, na Baía, poderá dar consistência a esta nova função política que a língua portuguesa adquiriu na comunidade internacional. É importante prestar homenagem aqueles que foram os motores dessa ideia e desejar que a nós, aos sete Chefes de Estado a quem coube o privilégio de a concretizar, não nos falte nunca a determinação para garantir que ela terá os meios de que necessita para atingir a dimensão por todos ambicionada. É que pior do que o risco da ambição é o risco de perder o sentido da história. E todos nós que fomos capazes de interpretar e assumir o sentido da história, estamos por isso gostosamente condenados a assumir para este projecto o risco da ambição.
Pena é, porém, que a ele não possa estar associado, de outra forma, o povo de Timor-Leste, a quem até hoje foi negado o direito de escolher livremente o seu destino. Mas para quem, como eu e como o Senhor Presidente, conheceu intimamente o árduo caminho da luta pelos Direitos Fundamentais é fácil compreender a importância da solidariedade internacional numa causa em que revemos anos da nossa vida. Sei que o problema de Timor-Leste terá o desfecho que todos nós desejamos. Mas para além dessa certeza, o que importa é que a solidariedade internacional e a acção diplomática permitam abreviar o tempo em que ele se concretize, porque isso representa um menor sofrimento para um povo que ao longo de vinte anos apenas pede que o deixem escolher o sentido que quer dar a sua comunidade nacional.
Este é um dossier internacional. Os timorenses só têm, por isso, a ganhar com todas as diligências que os países possam desenvolver, no quadro vasto das suas relações bilaterais, como complemento e apoio ás diligências do Secretário Geral da ONU.
Senhor Presidente da República,
Quero, neste primeiro dia da minha visita ao Brasil, deixar expresso, de forma clara, a atenção permanente e empenhada com que em Portugal, a todos os níveis do Estado e da sociedade, se acompanham os esforços consistentes de Vossa Excelência, Senhor Presidente, das instituições e da sociedade brasileira no sentido da modernização do Brasil.
Esse esforço e a determinação com que ele tem sido conduzido, estão já a dar os seus frutos, rasgando a este grande país horizontes de uma maior prosperidade. De igual modo, no plano diplomático, o Brasil tem ganho um protagonismo reforçado consolidando na Ordem Internacional, a imagem consentânea com a sua grandeza e as suas potencialidades.
Senhor Presidente da República,
Excelências,
Minhas senhoras e meus senhoras,
Ao ter o privilégio de ser convidado a participar nas cerimónias oficiais do Dia Nacional do Brasil e assim poder comungar do momento simbólico em que se celebra a identidade independente de um Estado, sinto, como nunca antes, o Brasil. Sinto a espessura da sua história, feita de culturas que numa cultura se recriaram. Sinto a complexidade de uma sociedade que tendo como território a dimensão de um continente mestiçou em si outros continentes - África e Europa - numa identidade própria. Sinto o ritmo da língua e a música da sua poesia, mas sinto também a sua pujança empresarial e a importância do espaço económico regional que progressivamente se estrutura. Sinto tão próximo o Brasil que sei que comigo, ao partir, não levarei a saudade de quem partiu, mas apenas a certeza de querer voltar.
Viva o Brasil!
Viva Portugal!