Cerimónia de Entrega do Laurel de Gratidão no Real Gabinete Português de Leitura

Rio de Janeiro
10 de Setembro de 1997


Recebo com muita honra o laurel de gratidão do Real Gabinete Português de Leitura. Mas a gratidão sou eu quem a expressa pelo vosso gesto tão cheio de significado.
Sei que esta distinção que me conferem é a expressão reiterada do vosso amor a Portugal, que represento, e à nossa cultura, que tem, nesta nobre instituição, um símbolo e uma sede.
Depositário de um património cultural único e herdeiro de memórias tão valiosas, o Real Gabinete tem honrado o prestígio e a tradição que recebeu, mas está consciente de que a melhor forma de tornar o passado vivo e fecundo é actualizá-lo no presente e projectá-lo no futuro.
A Casa que se orgulha, tão justamente, de possuir, entre as suas preciosidades, o manuscrito original do “Amor de Perdição” e uma edição príncpes de “Os Lusíadas”, obras maiores da nossa literatura, é a mesma que agora se apetrecha com os equipamentos e os recursos da novas tecnologias, para apoiar as múltiplas actividades que desenvolvem, nomeadamente a catalogação da sua fabulosa biblioteca, que todos os dias cresce, tornando o acesso aos livros mais fácil, rápido e eficaz.
As comunidades portuguesas que vivem e trabalham no Brasil e as instituições a que estão ligadas têm sempre encontrado formas de servir o seu país, que nunca esqueceram, e o país de acolhimento, que nunca desiludiram.
Os novos tempos são, por todo o lado, de mudança rápida. Exigem capacidade de adaptação iniciativa, espírito inovador e transformador. As comunidades portuguesas têm ganho consciência disso mesmo. Saberão, neste tempo de responsabilidade, encontrar os modos mais eficazes de preservar a obra realizada, passando, com lucidez e ousadia, o testemunho aos mais novos, a quem, se forem mobilizados, não faltará energia e vontade para continuarem e aumentarem o que foi feito.
Só assim se evitam perdas, interrupções, desperdícios, rupturas entre gerações. Só assim se afastam os riscos de envelhecimento e estagnação e se assegura aquele sentido de prevenção e preparação do futuro que garante a perenidade dos empreendimentos e dos ideais. Só assim se consegue a continuidade sem quebras da ligação a Portugal e à cultura portuguesa.
Todas as iniciativas de abertura e renovação de actividade cultural desta Casa e ainda aquelas que visam a criação de melhores condições para que as gerações futuras possam continuar a acrescentar a obra feita são, assim, o que de mais útil e duradouro se pode realizar.
O Real Gabinete tem por missão fundamental a divulgação e a valorização da cultura portuguesa. É o que tem acontecido nos 160 anos da sua existência. Essa valorização é feita em diálogo com a cultura brasileira, de cuja história, alias, faz parte, e fortalecendo os laços que historicamente nos unem: da língua, do conhecimento mútuo, do afecto.
As relações entre o Brasil e Portugal estão a viver uma nova fase - mais moderna, mais dinâmica, mais concreta. Todos aqueles que têm responsabilidades nessas relações - que não são apenas dos Estados, mas das sociedades, das comunidades, dos indivíduos - querem contribuir para que o Brasil e Portugal cooperem mais e melhor, com proveito para todos. Querem também fazer da Comunidade dos países de Língua Portuguesa um projecto mobilizador de todos, povos e países que a constituem. É esse um dos sentidos fundamentais desta minha visita.
O Real Gabinete de Leitura tem sido um lugar de encontro e ligação de brasileiros e portugueses. Sabe pois, por experiência própria, a importância do que está em jogo e o trabalho que é preciso fazer, cujo êxito é assegurado pelo concurso de todos.
O Padre António Vieira, “imperador da língua portuguesa, como lhe chamou Fernando Pessoa, escritor genial cujo centenário comemoramos este ano e que representa um traço de união entre as duas pátrias, ensina-nos, com o seu exemplo e com a sua obra, a necessidade de não descansar-mos nem desistir-mos quando estão em causa os grandes valores que dão consistência e durabilidade à acção humana. Quando o que está em causa já existia antes de nós e queremos que continue a assistir muito depois de nós.
Agradeço ao senhor Presidente do Real Gabinete Português de Leitura as palavras que me dirigiu e expresso o meu reconhecimento pelo acolhimento tão gentil que me quiseram dispensar e que muito me desvanece. Felicito-vos pelo esforço que tem sido feito, sempre com dedicação, amor e patriotismo. Desejo-vos as maiores felicidades na vossa acção em defesa da nossa cultura, da nossa língua e do entendimento entre o Brasil e Portugal.