Sessão Conjunta no Congresso da Venezuela

Caracas
11 de Novembro de 1997


É para mim um particular prazer e uma grande honra ser hoje aqui recebido em sessão solene no Congresso da República da Venezuela. Reconheço esta atenção que me é concedida como um acto prestigiante de alto significado institucional. Registo-a emocionadamente como um gesto que, dirigindo-se ao Chefe de Estado português, se estende naturalmente a todos os portugueses.
E é em nome do Povo Português, que me confiou o mandato de assegurar e desenvolver os seus interesses e ideais mais perenes, que saúdo calorosamente o Povo Venezuelano de que este Congresso é a legítima emanação. Saudação que formulo acompanhado por uma importante delegação de parlamentares que, como representantes do Povo Português, significativamente não quiseram deixar de me acompanhar nesta importante cerimónia.
Quero sublinhar que me encontro na Venezuela com o sentimento de quem reencontra um país amigo e admirado.
Sentimento de amizade que é o resultado natural das relações fraternas entre os nossos povos e países que permitiram a tantos dos meus compatriotas encontrar na Venezuela uma nova Pátria, tão merecedora do seu amor e da sua dedicação como a terra mãe de onde partiram.
Sentimento de admiração que a simples evocação do nome ilustre de Simon Bolívar só por si plenamente justificaria, mas que a pujança e vitalidade desta terra generosa me impele a testemunhar de viva voz.
Honro-me deste encontro de uma velha nação europeia, cuja história de mais de oito séculos foi uma permanente aposta na universalidade dos valores do Homem, com uma nação do Novo Mundo animada pelos mesmos valores numa forte afirmação do presente e do futuro.
Portadores dos mesmos ideais e movidos pelas mesmas preocupações, reconhecemo-nos neste nosso encontro como enformando um traço de união do velho tronco ibérico que hoje em dia floresce promissoramente na Comunidade Ibero-americana de que ambos os nossos países são parte integrante.
Solidários nas origens, não se estranhará que se afirme progressivamente nos nossos povos a consciência de uma convergência de destinos, num mundo em acelerado processo de mutação.
Bem recentemente ainda, por ocasião da VII Cimeira Ibero-americana de Chefes de Estado e de Governo realizada na Ilha Marguerita, foi dado mais um importante passo no reforço do sentimento de pertencermos a uma mesma comunidade formada por mais de seiscentos milhões de seres humanos que, em castelhano e em português, comungam de indeléveis laços históricos, culturais e afectivos.
Mas, para além da História, da cultura, do afecto e da língua, partilhamos também o mesmo conceito de democracia, assente na mesma visão ética do Homem e dos seus direitos e deveres na sociedade.
Partilhamos a convicção de que a democracia, menos do que um imutável estado final, é antes um processo dinâmico orientado para o harmonioso desenvolvimento político, económico e cultural tanto dos cidadãos como das próprias sociedades em que se inserem. Processo que tem como denominador comum o respeito pelos Direitos, Liberdades e Garantias do indivíduo, fundamento indispensável para a livre confrontação de ideias e de propostas guiadas pelo desejo de servir o povo, ao fim e ao cabo a finalidade última de toda a actividade política legítima.
No contexto latino-americano, a Venezuela desempenhou um papel de verdadeira vanguarda na criação e fortalecimento de instituições democráticas representativas, quando a grande maioria dos povos ibero-americanos vivia ainda sob o peso de ditaduras alheias ao sentir das sociedades e ao pulsar dos tempos.
Razão acrescida para que, neste dealbar do III milénio, a Venezuela possa desempenhar por direito próprio um papel relevante no que respeita ao fortalecimento da democracia participativa, em todas as suas vertentes e dimensões, com particular destaque para a defesa e respeito pelos direitos humanos.
Merece aqui uma especial referência o Congresso da República, sede por excelência da soberania popular, onde estão representadas as diversas sensibilidades que compõem o espectro político-partidário do povo venezuelano e que para além das saudáveis divergências ideológicas - normais e até desejáveis em democracia - partilham do mesmo respeito pelas liberdades democráticas consagradas na Lei Fundamental do país, dando dessa forma um contributo insubstituível à estabilidade política e social da Venezuela.
Vivemos a nível mundial tempos de dúvida e de incerteza. Sabemos no entanto que a democracia representativa constitui a melhor resposta aos desafios que nos são colocados, e que representa a única via segura para ir ao encontro das aspirações legítimas dos povos e a única forma eficaz de fazer face aos arautos do autoritarismo e aos que exploram, em proveito próprio, os fenómenos amargos da exclusão, da pobreza e da corrupção.
Mas também sabemos com cada vez maior certeza que a participação, a subsidariedade, a descentralização e a proximidade decisória são elementos vitais para a dinâmica da sociedade civil e para o fortalecimento da democracia.
A experiência democrática portuguesa, iniciada com a Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974, veio-nos demonstrar que a democracia se faz e desenvolve todos os dias, constituindo um verdadeiro processo de aprendizagem quotidiana.
Quero aqui reiterar, como Chefe de Estado e também, porque não dizê-lo, como antigo parlamentar, que o povo português nunca mais se esquecerá da ajuda e solidariedade que, em tempos difíceis, lhe foi tão generosamente concedida pela Venezuela e pelas suas instituições democráticas.
Hoje em dia, Portugal pode orgulhar-se de ser uma democracia moderna, que não fica atrás, nem nos princípios, nem na sua aplicação prática, das mais antigas democracias do Velho Mundo. O País que aqui represento é uma nação livre que, com a democracia, reencontrou um Estado de Direito moderno, aberto ao progresso, integralmente empenhado na construção de uma Europa mais coesa e solidária, defensor intransigente da liberdade e do respeito pelos direitos inalienáveis da pessoa humana.
Neste contexto dos ideais de liberdade e democracia partilhados por ambos os nossos povos, não posso deixar de formular um apelo à solidariedade dos venezuelanos para com o povo de Timor Leste e para com a sua luta pelo reconhecimento do seu direito à auto-determinação.
As declarações finais das últimas Cimeiras Ibero-americanas têm aliás vindo a reiterar preocupação pela situação dos direitos humanos naquele território, veiculando o seu apoio aos esforços empreendidos pelo Secretário-Geral das Nações Unidas com vista á obtenção de uma solução justa, global e internacionalmente aceitável para a questão de Timor, no pleno respeito pelos legítimos direitos do seu Povo e em harmonia com as normas e princípios do Direito Internacional.
Refira-se que as negociações que decorrem sob os auspícios do Secretário-Geral das Nações Unidas atravessam actualmente uma fase importante, sendo por isso mais necessário que nunca conjugar esforços para levar as negociações a bom porto. É precisamente isso que pedimos à Comunidade Internacional, em particular aos nossos parceiros e amigos: que utilizem a sua influência junto da Indonésia para que o Povo de Timor Leste possa exercer, livremente, os seus legítimos direitos.
As relações entre os países, se têm tudo a ganhar na partilha de ideais comuns, não se esgotam na sua afirmação. Pelo contrário. A existência de um património comum acarreta a especial responsabilidade de o desenvolver e aprofundar. Sobretudo para um país de vocação universalista como Portugal, torna-se perfeitamente natural que, no seio da União Europeia, apoiemos vivamente o reforço do relacionamento da Europa com outras regiões do Mundo, a Ásia e a África, e particularmente com a América Latina.
Daí o nosso apoio à realização até ao ano 2000 de uma Cimeira entre a União Europeia e a América Latina destinada a valorizar os laços que unem ambos os nossos continentes.
Daí igualmente o apoio de Portugal ao reforço do diálogo, em todos os seus vectores, desde o cultural ao económico, entre a União Europeia e as organizações regionais da América Latina, designadamente a Comunidade Andina, assim como também o nosso apoio para que a Venezuela continue a beneficiar do Sistema de Preferências Generalizadas da União.
Neste contexto ter-se-á, no entanto, de referir que as relações económicas entre a Venezuela e Portugal estão infelizmente ainda longe de corresponder às expectativas que as excelentes relações políticas entre ambos os nossos países pareceriam plenamente justificar.
Quero por conseguinte aproveitar esta oportunidade para, perante este Congresso, acentuar a inteira disponibilidade do Estado Português para, com determinação e pragmatismo, reforçar as suas relações bilaterais com a Venezuela, a todos os níveis e vectores, disponibilidade esta demonstrada na importante delegação governamental e empresarial que me acompanha nesta viagem e que constitui testemunho sobejo não só do nosso empenho numa política de internacionalização da economia portuguesa, como também do nosso interesse em participar no desenvolvimento deste país, agora que parecem estar lançadas as bases da abertura económica da Venezuela ao mundo.
Disponibilidade tanto mais genuína e natural quanto é certo que a Venezuela tem sido ao longo de décadas terra de generoso acolhimento para muitos milhares de portugueses que, com as suas reconhecidas qualidades de afinco ao trabalho e de honestidade, souberam merecer a hospitalidade e o carinho do povo venezuelano.
Que melhor local do que a sede dos representantes deste povo amigo e acolhedor, para exprimir, em meu nome e em nome de todos os portugueses, uma sincera e emocionada palavra de agradecimento: Muchas gracias venezolanos!
No hay, de hecho, mejor local que este Congreso para manifestar nuestra disponibilidad para enfrentar de mano dada, venezolanos y portugueses, los reptos del futuro y de la modernidad.
Recordando al poeta Miguel Otero Silva:
“Quiero perdurar junto contigo
en la savia profunda de la humanidad;
en la risa del niño,
en la paz de los hombres
en el amor sin lágrimas.

Por eso,
como habremos de darnos a la rosa y al árbol,
a la tierra y al viento,
te pido que nos demos al futuro del mundo.”