Cerimónia de Apresentação de Votos de Ano Novo pelo Corpo Diplomático

Palácio Nacional de Queluz
12 de Janeiro de 1998


Agradeço-lhe antes de mais, Excelência Reverendíssima, os votos que teve a amabilidade de me dirigir em nome do Corpo Diplomático.
São votos que muito me penhoram e que muito sinceramente retribuo, pedindo-vos, Excelências, que transmitam aos vossos Chefes de Estado, aos vossos Governos, e aos Povos que tão dignamente representais, os meus desejos de bem estar e progresso constante, neste novo ano que iniciamos.
Cada ano novo é portador de uma renovada esperança; uma esperança de paz, de progresso, de justiça, de solidariedade crescente entre os Homens e entre as Nações.
Olhamos este novo ano com optimismo e com confiança, mas estamos conscientes da dor e da miséria que continuam a estigmatizar a Humanidade.
Continuamos a assistir a conflitos que se arrastam há décadas, a guerras fratricidas, aos horrores provocados pelo fanatismo e pela intolerância, à miséria de populações inteiras vitimadas pela fome, à violação dos mais elementares direitos humanos.
Temos um dever para com todos os que sofrem.
É uma responsabilidade tanto maior quanto maiores forem as nossas condições de desenvolvimento, de estabilidade e de bem-estar.
Não nos podemos, enquanto Nações, refugiar em subterfúgios pretensamente justificadores da nossa boa consciência, da nossa incapacidade deliberada para ocorrer a todos aqueles que têm sede de justiça, de paz e de progresso.
1997 ficou assinalado por alguns desenvolvimentos positivos no sentido de tentar dar uma resposta colectiva a antigos e novos problemas com que se defronta a Humanidade.
Saliento, entre outros, a Convenção de Otava sobre a interdição das minas antipessoais e a conferência de Quioto sobre o ambiente. A próxima sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas dedicada à droga constituirá, igualmente, uma oportunidade para tentarmos encontrar respostas conjuntas para este flagelo.
Nestes e noutros domínios há ainda um longo caminho a percorrer; mas, para todos eles, terão de ser encontradas respostas que traduzam uma real solidariedade entre os Estados, uma clara vontade para fazer face, em conjunto, a esses desafios.
Reunimo-nos este ano, em Lisboa, em torno de um evento que salienta, antes de mais, essa solidariedade essencial entre os povos à volta de um património comum que temos que saber aproveitar e preservar, em benefício de todos e das gerações futuras.
Para além dos seus recursos, os Oceanos são elo de ligação entre diversas maneiras de ser, de estar e de pensar, espaço de encontro entre distintos povos e culturas que mutuamente se influenciam e enriquecem.
Celebramos este ano, na EXPO 98, a solidariedade, o respeito pela diferença, a confiança na capacidade do Homem, a criatividade científica e cultural, a paz e o progresso que desejamos harmonioso e ao alcance de todos.
Celebramos, também, a aventura marítima dos portugueses que, há cinco séculos, se lançaram ao mar, fortalecidos pelo conhecimento científico, pela curiosidade inerente ao Homem, pelo desejo tenaz de mais conhecer e de mais experimentar.
Portugal orgulha-se do apoio caloroso que a Comunidade Internacional concedeu, de uma forma tão expressiva, a esta iniciativa, o que muito contribuirá para o seu sucesso.
Por isso, permitam-me uma saudação muito especial a todos os povos que estarão representados na EXPO 98, assim como aos seus Chefes de Estado, e vos diga: as nossas portas estão abertas a todos quantos nos queiram visitar !
Portugal é um país de liberdade, de abertura e de pluralismo, e será com particular gosto que vos acolheremos neste vasto espaço de encontro e de diálogo, reforçando o conhecimento mútuo indispensável ao fortalecimento do entendimento entre os povos.
Orgulhamo-nos, também, de acolher este ano, no Porto, a Cimeira Ibero-Americana, outro espaço de entendimento e de concertação que deverá assumir, crescentemente, um papel dinamizador da cooperação que tão naturalmente se estabelece entre povos que partilham as mesmas línguas e culturas, e que constitui um veículo privilegiado do reforço das relações entre a Europa e a América Latina nos seus conjuntos.
Em Cabo Verde participaremos, com um permanente empenho, na Cimeira que reúne os sete países que se expressam em português, instrumento original de concertação recíproca e de projecção dos nossos interesses comuns na cena internacional.
O trabalho desenvolvido durante o ano transacto e as iniciativas já programadas para este ano, envolvendo não apenas as instâncias da CPLP mas a sociedade civil dos nossos sete países, que é indispensável continuar a incentivar, demonstram a validade e o alcance deste quadro de reforço constante da nossa cooperação.
Senhores Embaixadores e Chefes de Missão,
O ano que passou foi fértil em acontecimentos internacionais.
Na Europa, concluímos um longo esforço de reflexão que culminou com a assinatura do Tratado de Amesterdão; recentemente, no Luxemburgo, definimos os patamares que levarão ao alargamento da União Europeia, passo indispensável para a criação de um vasto espaço europeu de democracia, de paz e de progresso.
1998 marcará, para a Europa, novas etapas decisivas no aprofundamento do seu projecto original e dinâmico. Para além da concretização da União Económica e Monetária, o início das negociações para o alargamento, a reforma das políticas estruturais, a definição das perspectivas financeiras para o início do século, exigirão um trabalho rigoroso que prossiga o reforço da coesão entre todos os parceiros e dote a União dos meios para fazer face, com confiança, aos reptos que se nos colocam.
Também a Aliança Atlântica reforçou as suas condições para continuar a ser um elemento essencial de estabilidade e segurança nesta viragem de milénio, adaptando as suas estruturas às novas exigências e acolhendo os primeiros dos seus novos membros. Com a UEO, deverá ser prosseguido o desenvolvimento da Identidade Europeia de Segurança e Defesa, que encaramos como um factor indispensável e acrescido de estabilidade e de reforço da cooperação europeia.
Portugal continua a apostar, de forma confiante e determinada, no futuro da Europa, participando, de forma construtiva e responsável, nas importantes etapas que marcarão a construção europeia.
Continuaremos firmemente empenhados neste projecto político comum, baseado no reforço crescente da coesão e da solidariedade entre os seus membros, na participação dos cidadãos, na igualdade de todos. Um projecto que tem de ser cada vez mais integrador mas também aberto ao exterior, gerador de estabilidade, de paz e de desenvolvimento económico e social dentro e fora da Europa.
O aprofundamento deste projecto passa também por uma acrescida articulação entre as diferentes organizações igualmente vocacionadas, na sua diversidade de composição e de competências, para a prossecução dos ideais europeus, quer sejam a União Europeia, a OSCE, ou o Conselho da Europa.
A confiança no futuro da Europa não nos faz esquecer, no entanto, as ameaças que à liberdade, aos direitos humanos, à tolerância, à Justiça, à convivência entre povos e culturas, continuam a persistir.
Na Bósnia, continuamos empenhados na criação de condições que permitam, não apenas a continuada cessação de hostilidades, mas a convivência verdadeiramente pacifica entre as diferentes comunidades e culturas.
É indispensável restabelecer a confiança mútua, ultrapassar as sequelas da guerra, permitir o regresso dos refugiados, criar as condições de estabilidade política, promover o desenvolvimento económico, em suma consolidar a paz.
Que me seja permitida uma sincera palavra de reconhecimento e de homenagem a todos quantos, militares e civis dos mais diversos países, trabalham diariamente na Bósnia, por vezes arriscando a própria vida, para que a paz, a concórdia e o progresso sejam novamente possíveis nessa martirizada região da Europa. O seu exemplo e abnegação impõem-se a todos nós.
Mas mesmo no interior das nossas sociedades, democráticas e desenvolvidas, assistimos à ressurgência de violências, de ódios, de intolerâncias, de exclusões do mais variado tipo, todos inaceitáveis e que devem ser energicamente combatidos.
Temos de lamentar o continuado impasse do processo de paz no Médio Oriente, após todas as esperanças que depositámos nos acordos concluídos em Oslo quanto ao dealbar de uma nova era de paz e de prosperidade para todos os povos da região. Mas a esperança não poderá esmorecer, nem poderão recuar os esforços para construir a paz.
O processo iniciado em Oslo é irreversível; confio que esta realidade se impõe a todos os responsáveis políticos no Médio Oriente e que israelitas e palestinianos retomarão, com o sentimento de urgência que a questão exige, as vias da cooperação e da convivência pacífica.
A Europa está indissociavelmente ligada à bacia Mediterrânica, mar comum e ponto de encontro de civilizações. A sua estabilidade, o seu progresso interessam, por igual, às duas margens. Há que fazer jus aos laços que a Geografia e a História criaram, dando corpo a uma solidariedade sempre renovada e multifacetada.
A União Europeia tem particulares responsabilidades na prossecução destes objectivos. O processo de Barcelona tem de ser desenvolvido, dinamizado, tem de corresponder às expectativas legítimas dos nossos parceiros, consolidando um espaço de estabilidade, de desenvolvimento económico e social e de bem-estar crescente.
Na África sub-sahariana assistimos a profundas transformações que se espera venham a conduzir ao fortalecimento da paz, da estabilidade e do progresso naquela vasta região.
Permitam-me que faça uma referência específica a Angola, onde Portugal continua activamente empenhado na implementação do processo de paz. A criação do Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional constitui, certamente, um passo decisivo neste processo.
Mas é indispensável e urgente tornar realidade todas as disposições dos acordos de Lusaca, permitindo, assim, que a paz e a concórdia venham a ser finalmente uma realidade neste tão martirizado país, a que tanto nos une.
Há um ano partilhava convosco, Excelências, o profundo regozijo dos portugueses pela atribuição do Prémio Nobel da Paz a Monsenhor Ximenes Belo e a Ramos Horta. Dei-vos conta da esperança que todos acalentávamos de que este reconhecimento particularmente eloquente da razão da luta de todo um povo, contribuísse para que se avançasse na procura de uma solução política justa e internacionalmente reconhecida para a dramática situação do povo timorense.
O ano que passou continuou, no entanto, a ser marcado por novas violações dos direitos humanos no Território, por constantes prepotências e humilhações, pelo bloqueamento de todas as iniciativas que permitiriam melhorar o dia-a-dia de toda uma população que sofre a injustiça e a opressão.
Mas não esmoreceremos.
Continuaremos, intransigentes, na defesa do direito do Povo de Timor-Leste à autodeterminação, e a denunciar a opressão e as intoleráveis violações dos direitos humanos mais elementares a que os timorenses se encontram sujeitos, tal como continuaremos construtivamente empenhados nas negociações que decorrem sob os auspícios do Secretário-Geral das Nações Unidas
Aos nossos Amigos, aos nossos Aliados, a todos aqueles que partilham dos mesmos ideais de Justiça e de Liberdade, pedimos apenas o seu apoio para a resolução de uma causa que responsabiliza a Comunidade Internacional no seu conjunto e que não pode ser reduzida a um mero diferendo bilateral.
Ainda no Extremo Oriente assistimos à transferência do exercício da soberania em Hong-Kong, no respeito pelos tratados livremente subscritos pelas potências envolvidas. Creio que nos devemos regozijar por uma transição pacífica, que continue a garantir a estabilidade daquele território e a respeitar a especificidade do modo de vida da sua população.
Continuamos a trabalhar com a República Popular da China, dentro da maior normalidade e de uma forma profícua, para que a transição de Macau decorra nas melhores condições e no respeito pelos legítimos direitos e desejos da sua população. O desenvolvimento crescente das relações entre a República Popular da China e Portugal são garantia deste comum empenho.
Senhores Embaixadores e Chefes de Missão,
Efectuei, no ano transacto, um conjunto de visitas ao estrangeiro que se revestiram, para Portugal, de um grande significado e alcance, e de que guardo uma recordação indelével.
Por vosso intermédio, desejo reiterar os meus agradecimentos a Sua Excelências os Presidentes da África do Sul, de Angola, do Brasil, da República Popular da China, do Egipto, de Moçambique, da Venezuela, assim como a Suas Majestades a Rainha da Holanda, o Rei de Espanha e o Rei de Marrocos, pela forma tão calorosa como me acolheram e o meu reconhecimento pelo seu empenho pessoal no reforço constante das relações com o meu País.
O convite que me foi dirigido para estar presente na posse do Governo de Unidade e Reconciliação de Angola, e a tão honrosa distinção que me foi feita e a Portugal para participar nas comemorações do Dia Nacional do Brasil, constituem ambos gestos do maior significado e que me tocaram profundamente.
Permitam-me, Excelências, que destaque uma outra visita, pelo seu particular simbolismo: a minha visita ao Tribunal Internacional de Justiça.
Investido com a autoridade que lhe é concedida pelos Estados, o Tribunal traduz, pelo menos na sua finalidade, o princípio de uma jurisdição mundial.
A confiança mútua, o respeito pelo Direito Internacional, o empenho na resolução pacífica dos diferendos, uma correcta compreensão dos interesses recíprocos, são seguramente os pilares sobre os quais deverá assentar a ordem internacional.
O estabelecimento de uma jurisdição internacional universalmente aceite será porventura, hoje, uma utopia.
Mas estejamos conscientes daquilo que é necessário para garantir a paz, a justiça e o progresso, para reforçar a solidariedade entre os Homens e as Nações.
É com esta confiança que vos renovo os meus votos neste Novo Ano. Que 1998 seja um ano de paz e de progresso para os vossos povos e de bem-estar para os Chefes de Estado que tão dignamente representais.
Muito obrigado.